21.9.09

O jornal República, que se destacou na oposição anti-salazarista e ao poder xuxialista, está a ser digitalizado pela Hemeroteca de Lisboa



Está em curso de digitalização as edições do jornal República, algumas das quais já podem ser visualizadas no website da Hemeroteca de Lisboa:

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/REPUBLICA/RepublicaI.htm


O República foi um jornal fundado por António José de Almeida em 15 de Janeiro de 1911. Destacado protagonista do ideário republicano e laico do 5 de Outubro, o diário destacou-se na luta possível contra a ditadura salazarista.
Ligado a figuras de relevo da maçonaria portuguesa, o jornal sobreviveu à instauração do Estado Novo fascista de Salazar. Em 1972 passa por uma profunda transformação, onde desempenha um papel de destaque o jornalista e maçom Raul Rego, que substitui Carvalhão Duarte na direcção. O jornal passa então a contar com colaborações de personalidades relevantes da oposição anti-salazarista, como Mário Soares e Gustavo Soromenho e passa a contar com uma nova equipa redactorial.

Suspendeu a publicação em Janeiro de 1976, após uma forte agitação interna na sequência das divisões político-partidárias criadas após o 25 de Abril de 1974.


História da luta dos trabalhadores do jornal República
http://www.eusou.com/republica/Default.htm




Editorial do Jornal República de 19 de Maio de 1975 "Estimado Leitor"

Estimado Leitor

Cremos dever-vos uma palavra.
Não será talvez aquela que agrade a todos, pois cada um de vós terá a sua verdade. E é precisamente por cada homem pensar que a sua verdade é melhor que a dos outros, que se geram guerras - que se matam friamente, com raivas, homens, mulheres e crianças.
Mas há uma verdade que não é individual; um conceito colectivo do que está ou não certo.
Os trabalhadores da "República" - cada um sem dúvida, com as suas formações ideológicas - querem e assim decidiram estar acima de lutas partidárias, servindo respeitosamente a Informação. A Informação isenta, sem a sofisma das meias-verdades, as quais, não benefeciando o País, nada dará à Revolução; pelo contrário.
Não se torna necessário alongar, promenorizando, a história deste jornal. Foi ao longo dos seus 62 anos uma modesta "folha " feita por homens verticais, com muitos defeitos é evidente, mas com o gozo-força da coerênciae sem olhar vesgo do servilismo pactuante. Foi assim a sua vida, numa estrada cheia de pedras e com as botas cambadas. Lutou frontalmente contra o fascismo. Deu palavras, deu estímulo, deu dinheiro, deu críticas saudáveis e deu-nos a alegria de poder continuar. Cada parafuso da nossa rotativa é uma afirmação popular, quantas vezes anónima, de uma permanente luta antifascista.
Foi com lágrimas de felicidade que, em 25 de Abril de 1974, vimos surgir a madrugada libertadora. E fizemos um belo jornal - não porque estivesse bem feito, mas sim porque todos, nesta casa, o fizemos.
O povo fardado deu-nos uma prenda linda, ambicionada, quantas vezes sonhada em noites de amargura. Um ano volvido, ficámos - os trabalhadores deste jornal - com a sensação que se estava a estragar a prenda.
E recusamos
Recusamos desvios partidários
Recusamos dizer meias-verdades
Recusamos ignorar a luta dos trabalhadores
Recusamos ignorar as ideologias, quaisquer que sejam, desde que tragam consigo o nosso permanente lema antifascista.
Cremos dever-vos ainda mais uma palavra : o que já fizemos e o que vamos fazer. E tal cremos porque desejamos, repetindo a frase, que cada parafuso da nossa rotativa, seja pertença de quem a ofereceu.
Devemos isso.
Elegemos uma Comissão de Trabalhadores e essa comissão afirmou, no dia 5 de Maio, que a totalidade dos seus redactores deveria colocar acima de todos os interesses a Informação, em benefício dos leitores da "República".
A comissão diz hoje não à direcção literária do jornal - são elementos marcadamente antifascistas mas também marcadamente partidários. Devemos-lhes uma palavra de respeito, mas propomos que se retirem, para continuarem a merecer essa palavra.
Os trabalhadores da "República", representados pela sua comissão, não desejam que a administração pare a sua actividade; não desejam a autogestão; não desejam a cogestão. Não têm sequer críticas a efectivaráquela administração.
Os trabalhadores da "República", representados pela sua comissão, desejam muito mais que "sanear": desejam continuar a receber o salário que lhes é pago pelos seus leitores e anunciantes. Mas a recebê-lo com mérito, honestidade, ao serviço dos outros trabalhadores que, como eles, amam e defendem a Revolução.
É possível que voltemos à estrada cheia de pedras e que fiquemos novamente com as botas cambadas. É possível. Mas o único jornal antifascista durante 62 anos, deve continuar a sua caminhada isenta, independente, séria, após uma Revolução socialista.
Devemos ao leitor da "República", esta palavra.
O leitor que nos retire ou que nos dê a sua confiança, mas será para si, seja qual for a sua filiação partidária, que trabalharemos agora.
Todos.

(Artigo retirado na íntegra do jornal "República" no dia 19 de Março de 1975 )




Manifesto dos trabalhadores da "República" a todos os trabalhadores pobres e explorados (11 de Junho de 1975 )


Os trabalhadores da "República" são um grupo de trabalhadores obscuros entre todos os trabalhadores portugueses e que na actual crise de Informação em Portugal, reagem às correntes do oportunismo geral: não obedecem a nenhuma seita, não estão submetidos a nenhum partido, não são de nenhuma irmandade.
Assumiram uma responsabilidade solidária com todos os explorados de Portugal e lutam para que a Informação seja uma acção colectiva.
Temos a felicidade de pertencer unicamente à nossa própria razão e ao nosso próprio trabalho e lutamos contra a engrenagem que visa dividir os trabalhadores explorados de Portugal em vários partidos, em várias políticas, em vários poleiros, em vários comedouros.
É desta crise geral que precedem alguns partidos que temos: de conciliações que atingem a imoralidade e de tolerâncias que roçam a corrupção. Uma Informação prostituída ao serviço de partidos destes sob a alegação de pluralismo, só pode contribuir para a dissolução da sociedade, arrastando-a para a indiferença e para a relaxação.


A "República" caíra nas mãos de uma cúpula de falsa grandeza

Os trabalhadores da "República" não querem permitir que o País continue a manter-se unicamente pelos suprimentos provenientes de explorações sucessivas. Como trabalhadores de Informação queremos um jornal que ajude os portugueses a lutar, cientes dos seus direitos e da sua dignidade, contrariamente aos demagogos e oportunistas que arregimentam os que se batem pela liberdade que não sabem amar e por um programa socialista que não sabem ler.
O jornal "República" caíra nas mãos de uma cúpula de falsa grandeza, de falso talento, com uma arrogância burguesa. Caíra no reinado da usura, da ruína do trabalho e da sofismação dos princípios do socialismo. Essa cúpula provaria sobejamente entre nós e no concerto de uma minoria de nações capitalistas e barulhentas, a sua queda para o chinfrim, para o ordinário e para o reles.
Os nossos adversários provaram que têm nas suas mãos unicamente o "poder da intriga" e com este poder mostraram-se vaidosos, pusilânimes e fanáticos.


Poder da inteligência e da economia nas mãos dos trabalhadores

Nós trabalhadores da "República", somos conscientes de que estamos numa sociedade a que falta a ciência e educação, a que falta portanto, uma política de Informação que em vez de mutilar as classes trabalhadoras exploradas e pobres, lhes dê o poder da inteligência e da economia.
Nós não queremos uma Informação ao serviço dos demagogos entretidos violentamente em contar o número possível das liberdades. Sabemos que é das profundidades demagógicas que saem sempre à periferia social os tiranos. É esta a ocasião propícia de proceder de proceder a uma remodelação completa da nossa política de informação, criando uma informação nas mãos das classes trabalhadoras, independente de todos os compromissos e de todas as solidariedades partidárias, inaugurando uma informação de desforra e de reabilitação, nas mãos dos explorados e dos pobres.
Como seria inevitável, alguma burguesia portuguesa, que antes do 25 de Abril estava em parte a favor dos explorados e dos pobres, quanto mais não fosse por sentimento poético, no canto e nas armas, ou para a consolidação de futuras clientelas, essa burguesia abandonou pouco a pouco a sua atitude, para hoje, após os revezes do 28 de Setembro e do 11 de Março, acolher formas doutrinais dirigistas, proteccionistas e autoritárias. Antifascistas de antes de 25 de Abril, transformaram-se em autoritaristas após o 11 de Março, pretendendo a usurpar a informação para melhor injectarem nas classes exploradas a sua ideologia de classe dominante. Os spinolistas do 11 de Março sabiam perfeitamente o valor político do cabeçalho República para terem planeado a sua ocupação declaradamente contra os princípios que nós trabalhadores hoje defendemos contra a cúpula barulhenta do jornal.
Nós defendemos que a emancipação dos trabalhadores portugueses Terá de ser obra dos próprios trabalhadores. Por isso, os trabalhadores deverão deter a informação de cobertura nacional, para não serem em caso algum, manipulados por cúpulas dirigistas para o exercício do poder da informação.

Liberdade a partir da base

Defendemos, perante todos os trabalhadores portugueses que para a construção de uma verdadeira sociedade socialista, a informação deve visar a transformação da classe trabalhadora, de uma classe explorada e dirigida, para se tornar numa classe dirigente, através dos seus organismos base, cada vez mais consciente, mais responsável e mais livre.
O jornal "República", deve ser um destes organismos no contexto geral da informação
É neste sentido que lutamos contra qualquer ingerência partidária, contra a ingerência da ditadura de compadres que o PS pretende instalar. Defendemos que a ascensão definitiva das classes trabalhadoras ao poder político da informação, não surge por decreto, nem por decisão de nenhuma "comissão central": surge pela precipitação das contradições sociais e económicas.
Neste sentido não aceitamos produzir uma informação condicionada às tácticas premeditadas
dos que não querem acompanhar a revolução em marcha. A informação da classe trabalhadora não precisa que informem em seu nome, tem ela própria que informar. Nenhum partido se pode sobrepor aos interesses dos trabalhadores pobres e explorados e é autêntico crime contra a revolução, manipular os pobres e os explorados com uma informação ainda não restituída às classes trabalhadoras.

Contra o espontaneísmo da revolução

Defendemos que a informação não pode cair numa concepção espontaneísta da revolução.
Não basta que perante situações concretas de luta - caso actual da "República" - surjam comissões de trabalhadores que após o desaparecimento dessa situação de luta, desaparecem também. As comissões de trabalhadores têm de se tornar organismos estáveis, unitários e de base, enquadrados pela vanguarda proletária surgida da luta, que determinem a acção dos sindicatos e condicionem a acção de organizações e de e partidos sobre a informação.
A comissão de trabalhadores da "República" é neste sentido formada por militantes operários de várias organizações e partidos (incluindo o próprio PS). Desta comissão - a luta a isso os conduziu - terão de dialecticamente saber acompanhar o desenrolar do processo de informação, como catalisadores e detonadores, ou terão de ser ultrapassados se actuarem como travões e reformistas e contra-revolucionários.

O poder da informação aos trabalhadores

Declaramos a todos os trabalhadores portugueses, que lutamos para que a classe trabalhadora possa controlar o poder da informação.
Declaramos que a classe trabalhadora tem que interferir nas decisões que dizem respeito à produção da comunicação social e da sua distribuição.
Declaramos que o socialismo não se fez para que se atinjam tiragens "records" do jornal, sem que se transformem o trabalho e as condições em que o mesmo é efectuado.
Declaramos que na informação são os trabalhadores que têm de poder determinar que o fruto do seu trabalho - o jornal - seja aplicado em realizações que dizem respeito à transformação do homem e da vida e não em objectivos belicistas dos políticos, em privilégio de minorias corruptas ou em exibicionismos partidários.
Declaramos finalmente que a decisão da nossa luta partiu do nosso local de trabalho e subiu gradualmente até à centralização necessária na comissão coordenadora (e não controladora) de trabalhadores.
Estamos solidários com todos os trabalhadores explorados e pobres de Portugal, que nas fábricas, nos campos, nos portos de pesca, nos serviços e nos transportes, lutam por uma revolução ao serviço dos trabalhadores e não ao serviço de meia dúzia de ambições de poder e de outras tantas traições aos soldados verdadeiramente revolucionários.
Lisboa, 11 de Junho de 1975