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20 de Maio 21:45 - CINEMA - no Auditório da Biblioteca Municpal de Barcelos
COMPLEXO BAADER MEINHOF
Realização: Uli Edel
Argumento: Uli Edel e Bernd Eichinger
Actores: Moritz Bleibtreu, Moritz Bleibtreu, Johanna Wokalek, Jan Josef Liefers, Niels-Bruno Schmidt
Montagem: Alexander Berner
Produção: Bernd Eichinger
Género: Biografia, crime
Classificação: M/16
Alemanha, 2008
Cores, 150 min, 35mm
Sinopse
Nos anos 70, a Alemanha é assolada por atentados à bomba. As ameaças terroristas abalam os fundamentos de uma democracia ainda frágil. Andreas Baader, Ulrike Meinhof e Gudrun Ensslin são os líderes de uma nova geração radical que entra em guerra com o que considera a nova face do fascismo: o imperialismo americano. O seu objectivo é criar uma sociedade mais humana mas, para atingir esse fim, usam meios desumanos, espalhando terror e derramando sangue, perdendo a sua própria humanidade. O homem que os compreende é também aquele que os persegue: o chefe da polícia alemã, Herold. E Herold sabe que mesmo que consiga capturar os jovens terroristas, isso será apenas a ponta de um icebergue.
Crítica
A minha geração, jornal Público
Uli Edel retrata o grupo que nos anos 70 aterrorizou a RFA. Mas faz também o retrato da sua geração
Uli Edel, realizador de "O Complexo Baader-Meinhof", é muito claro: fez este filme para que os seus filhos, que têm à volta de 20 anos e vivem nos EUA, pudessem "compreender o que tinha acontecido". No fundo, é um pai a contar uma parte da sua história, a história de quando tinha a idade deles.
Princípio número um: este não é um filme para a geração de Uli porque "há imensos pontos de vista e não chegaria a nenhum satisfatório para toda a gente". O que se torna, aliás, óbvio depois de ver "O Complexo Baader-Meinhof" - quem conhece a história das brigadas terroristas que nos anos 60 e 70 aterrorizaram a Alemanha ocidental, talvez não se surpreenda. É, portanto, um filme com marcas afectivas mas também geracionais. O realizador (nascido em 1947) fala ainda com os pais que viveram o nazismo e contra quem estes "filhos radicais" lutaram, a quem esta Alemanha perguntou o que aconteceu mas não teve resposta. "Ficámos com vergonha dos nossos pais, aquilo não podia voltar a acontecer. E daí veio muita raiva e daí vieram as RAF [Facção do Exército Vermelho, outro nome para os Baader-Meinhof resultante dos apelidos de Andreas e Ulrike]. Temos que perceber porque é que foi tão difícil os alemães lidarem com o passado fascista", diz ao Ípsilon, num encontro com a imprensa internacional em Londres, onde estiveram também os actores Martina Gedeck (Ulrike) e Moritz Bleibtreu (Andreas). Geração é, aliás, uma palavra sempre presente, até porque os fundadores dos Baader-Meinhof, Uli Edel e o produtor e argumentista Bernd Eichinger pertenciam todos à mesma. Foram as suas paixões e "sonhos" que o realizador quis pôr em cinema - porque antes da escalada de violência os Baader-Meinhof mobilizaram jovens através das palavras, através da ideia de resistência ao "imperialismo norte-americano" com quem o Estado alemão pactuava, acusavam. É também por isso que no início do filme - candidato ao Óscar de melhor filme estrangeiro - acompanhamos a formação de um grupo, que começou com o par Andreas Meinhof e Gudrun Ensslin, mas acompanhamos sobretudo o ar de um tempo, o Maio de 1968. Ulrike Meinhof (Martina Gedeck) era ainda jornalista na revista "Konkret" e fazia os seus primeiros protestos (contra a visita do Xá da Pérsia a Berlim em 1967, onde um estudante foi morto pela polícia; contra o Vietname...). Uli Edel lia "religiosamente" o que ela escrevia numa altura em que ainda não tinha percebido que a violência não era apenas teoria. Só mais tarde, quando os Baader-Meinhof "foram para a rua matar sem misericórdia", é que percebeu que eles "falavam a sério". Com argumento a partir do livro de Stefan Aust (até há pouco editor da revista "Der Spiegel"), considerada por alguns a obra mais completa sobre o grupo que foi responsável por mais de 40 mortes, "O Complexo Baader-Meinhof" começa em 1967 e pára no momento em que a chamada segunda geração das RAF toma o poder, depois de Ulrike (em 1976), Andreas e Gudrun (em 1977) se terem suicidado na prisão. Torna-se óbvio para o espectador que o realizador tem menos simpatia pela segunda geração das RAF - a mais violenta e responsável pelo "Outono Alemão" de 1977, em que assassinaram o industrial Hanns-Martin Schleyer e desviaram um avião da Lufthansa com a ajuda de um grupo palestiniano.
É justo dizer que fica do lado da primeira geração dos Baader-Meinhof?
Sim, é. A história de Ulrike é uma tragédia. Ela estava num conflito horrível, fez coisas horríveis e lixou tudo, mas identifico-me com ela.
Lembra-se como jovem estudante de ter ficado fascinado com os Baader-Meinhof? Sim, fiquei fascinado por eles em 1968 quando [Andreas Baader, Gudrun Ensslin e outros] incendiaram os armazéns em Frankfurt. Foi um "statement" político. De Gudrun e Andreas, em 1969, não sabíamos muito. Ulrike Meinhof era famosa, inteligente, mais velha dez anos do que eu. Ulrike era também um pouco velha para aquela geração: Andreas tinha 24, ela já tinha 33, o tempo de estudante já tinha passado, estava no meio da carreira profissional. [Numa ronda de entrevistas com jornalistas de vários países, Martina Gedeck, a actriz que interpreta Ulrike, descreve-a como alguém que se "atrevia a dizer o que mais ninguém dizia". "Tinha uma forma muito directa de criticar o Governo. Era uma personagem intrigante, as pessoas adoravam-na".]
Em 1971, 20 por cento dos jovens com menos de 30 anos expressaram a sua simpatia para com os Baader-Meinhof, segundo o Institut Allensbach. Além da sua simpatia para com Ulrike, fazia parte deste grupo?
Absolutamente. Mesmo com os assaltos, despertavam simpatia... Era o capitalismo. Foi por isso que tentei realizar o filme de modo a passar essa ideia. Havia um lado divertido.
Inclusivamente há quem lhes chame o primeiro grupo "radical chique".
Sim, eram uma espécie de estrelas rock. Gudrun tinha até entrado num filme. E sabia como vestir-se, mesmo durante o julgamento, em Frankfurt. Eles eram um "happening" político, provocativo, encenado, com comportamentos subversivos para a sociedade burguesa. Gradualmente isso mudou, por isso tentei que o público ficasse tão confuso quanto eu em 1972. [Martina Gedeck confessa que entende "as origens deste tipo de violência". Lembra que naquele tempo a Alemanha ainda era uma democracia rígida e conservadora, que o nazismo ainda estava muito presente na cabeça das pessoas, sobretudo de quem o viveu. Foi por isso que a geração dos Baader-Meinhof "teve que explodir para os impressionar". "Os Baader-Meinhof perguntavam: por que é o Estado se permite ser violento?" E a essa violência responderam com violência."]
No filme passa a imagem de que as mulheres são a força intelectual dos Baader-Meinhof, quer na primeira geração, com Ulrike e Gudrun, quer na segunda, com Brigitte Mohnhaupt. Quis sublinhar o papel delas?
Não quis sublinhar, quis contar a verdade. Sessenta por cento dos Baader-Meinhof eram mulheres - havia, nas duas gerações, mais mulheres do que homens. Falei com ex-soldados terroristas e eles disseram-me repetidamente que o verdadeiro nome devia ser Meinhof-Ensslin-Mohnhaupt. Essas mulheres é que eram os cérebros. Andreas Baader nunca quis discutir coisas, sempre as quis fazer. [Moritz Bleibtreu, que interpreta Andreas, fala dele como um mito, alguém que ninguém conhecia bem e conta que nem sequer existem registos de som ou de vídeo dele (à excepção das gravações áudio do julgamento). Perguntamos-lhe o que achava do facto de Andreas ser visto mais como figura violenta e menos intelectual. Responde que Baader sempre assumiu que não era político: não escreveu manifestos, não fez grandes discursos. "Era muito narcísico, adorava que olhassem para ele. Também acho que muita da sua agressividade era por se irritar muito com esta coisa teórica. Estava na moda ser muito intelectual e ele não era assim. Acho que pensava: 'Toda a gente fala de muita coisa, mas ninguém faz nada, portanto vamos fazer.'"]
Porque é que acha que havia essa predominância de mulheres?
É difícil dizer. Acho que isso terá também muito a ver com Andreas Baader. Ele tinha um certo magnetismo. Porque estavam lá tantas mulheres? Não sei. Talvez as mulheres fossem capazes de ir em frente, como Ulrike. Ela era muito inteligente. Sabia para onde ia? Sim, sabia. Suicidou-se por causa das suas ideias ou porque queria acabar com aquela vida? Há muitas razões.
Considera-os uma guerrilha urbana ou terroristas?
Eles consideravam-se uma guerrilha urbana, o seu pensamento veio das ideias sul-americanas, de Che Guevara. E também o nome terrorista não tinha o significado que tem hoje. Veio dessa tradição mas no seu pensamento tinham algumas ideias parecidas com o que a Al Qaeda é hoje - isto em relação às acções, porque as ideias eram diferentes.
Qual era a verdadeira filosofia deste grupo, que se costuma definir em duas linhas?
A verdade é que eles não tinham uma filosofia. Havia esta ideia de que o capitalismo iria levar ao fascismo. Tivemos o Holocausto mas nessa altura o Vietname era visto como um Holocausto, achávamos que eles [os americanos] não iriam parar até que toda a população estivesse morta. Era um objectivo lutar contra uma guerra. Mas assim que começaram estes atentados os alemães ficaram contra. Depois voltou a mudar um pouco quando Holger Meins [membro das RAF] morreu depois da greve de fome - isso foi uma coisa que me tocou imenso. Quis mostrar também ao público a simpatia que ele gerou. [Sobre a questão ideológica, Martina Gedeck considera que, como comunista, Ulrike acreditava na justiça e acreditava que o grupo iria fazer uma revolução. Mas nota que os Baader-Meinhof não tinham planos claros, até porque nunca os escreveram. "Se aquilo tivesse funcionado, não sei o que teria acontecido. O grupo era muito dividido, caótico. Eram claros quanto à teoria, não quanto à prática. Queriam fazer qualquer coisa muito forte, queriam ser melhores que os pais."]
Disse que queria fazer este filme para os seus filhos, não para a sua geração que tem opiniões muito diferentes e controversas sobre os Baader-Meinhof. O seu filme tem tese?
Isso é qualquer coisa que esperava: que o filme tocasse os meus filhos que são completamente apolíticos. Há muitas coisas que a Ulrike diz no princípio que ainda continuam a ser verdade, quando fala sobre o que é a resistência, o que é protesto, sobre a ideia de que nada tem que ser como é, de que tudo muda, de tudo o que é criado pelo homem pode ser mudado pelo homem. Os meus filhos apanharam essa ideia. Queria fazer um filme em que se percebesse que sim, que podemos mudar as coisas. Só que neste caso é errado, torna-se uma tragédia - o filme torna-se uma tragédia na segunda parte. Tudo no primeiro diálogo entre Gudrun e Ulrike é bom. Quando Ulrike diz: "Não aceito que nada pode ser feito. Não somos como os nossos pais que não ofereceram resistência, não foram dizer o que pensavam. Temos que fazer qualquer coisa, não o fazer é um crime." São grandes frases e acho que os meus filhos podem aprender coisas daí.
Viu outros filmes sobre os Baader-Meinhof, como "Alemanha no Outono" [um filme em episódios, em que uma série de cineastas, como Fassbinder, Alexander Kluge, Edgar Reitz ou Volker Schlöndorff, tiram o retrato à Alemanha do seu tempo - estávamos em 1978]?
É muito datado... A única parte boa é de Fassbinder, em que ele está no seu apartamento, a beber, a falar com a mãe dele, está completamente a revelar-se ao público - e vê-se o conflito entre duas gerações. Há alguns filmes sobre os Baader-Meinhof, mas nunca tentam mostrar a ligação dos acontecimentos nesses dez anos.
Têm aparecido uma série de filmes que olham para o passado alemão, como o seu, "A Queda" e "A Vida dos Outros". Ajudam a redefinir a história alemã?
Na Alemanha há uma necessidade de saber. Esta parte da História nem sequer estava no currículo das escolas na Alemanha. Como é que é possível que os estudantes não saibam nada sobre estes dez anos? Este filme abriu alguma discussão e gerou interesse. Os meus filhos estavam perplexos, como é que isto aconteceu? Sim, acho que ajuda.
Como é que os alemães lidam com este momento particular? Há muitas coisas que são postas em cima da mesa mas há muita coisa que se põe debaixo do tapete. A Alemanha não tem muita tradição de falar, os meus pais nunca falaram da II Guerra.
O facto de simpatizar com a Ulrike...
...por momentos.
Mas admitiu que ficava com ela.
Sim, que a tentava compreender.
... não teme que possa ser visto como justificação do terrorismo?
Bruno Ganz disse-o muito claramente. Não se trata de o justificar. Para lutar contra o terrorismo tem que se perceber o que o motiva. E tem que se mudar a situação política, porque de outra forma o terrorismo continua. O terrorismo existe porque existem determinadas condições políticas. O que tento mostrar é o que os motivou, quais foram as razões deles. Não se trata mesmo de simpatizar com o terrorismo.