19.4.09

O homem pequeno e o espírito livre ( texto de António Pedro Ribeiro)


“Dou o nome de Estado ao lugar em que todos, bons e maus, gostam de veneno.
Vede, pois, esses que estão a mais! Adquirem riquezas e só conseguem tornar-se mais pobres. Esses impotentes querem o poder e, antes de tudo o resto, a alavanca do poder, ou seja, muito dinheiro!
Vede-os trepar, esses ágeis macacos! Sobem uns por cima dos outros e empurram-se para a lama e para o abismo.”

(Nietzsche, "Assim Falava Zaratustra")


Eis a que se resume o Estado, o poder e a competição na sociedade capitalista. Nietzsche
descreveu-o magistralmente há mais de 100 anos. Macacos que “sobem uns para cima dos outros” e se empurram para a lama e para o abismo.

Acontece na política. Acontece na sociedade. Luta-se por um lugar, por um emprego, por uma carreira, por um cargo. O deus-dinheiro, o mercado e a economia comandam todas as relações. Os que perdem são empurrados para o fracasso, para o desemprego, para a miséria, para a lama.

É a lei do mercado e do homem pequeno. A vida faz-se de intrigas, de ganância, de contas de mercearia. É a sociedade da gentalha e da canalha. E essa gentalha odeia o espírito livre, “aquele que não presta adoração e vive no meio das florestas, livre da felicidade dos servos e dos deuses”, portador de uma vontade “intrépida e terrível, grande e solitária”.

Essa gentalha goza da felicidade da maioria e é servil para com os seus “superiores” porque está hierarquizada, levando uma vidinha de tédio, rotinas e obrigações. À lei das massas e da maioria, à democracia burguesa opõe-se o indivíduo soberano, o espírito livre de Nietzsche.

Ao deus-dinheiro opõe-se a liberdade absoluta dos surrealistas. A gentalha, o homem pequeno, preocupa-se essencialmente com a sua comodidade e sustento, não procura o conhecimento. É um homem de meias-medidas, não se preocupa com o que é grande e inteiro como o espírito livre.

“Vede, pois, como estes mesmos povos imitam agora os merceeiros: para juntar as mais pequenas vantagens, dão volta a todas as sujidades!”. A sua “felicidade” é uma felicidade falsa que não sabe dançar. “E que por nós seja considerado perdido o dia em que não dançamos!”

O espírito livre, o criador ou vive segundo a sua vontade ou não vive. O homem pequeno não tem vontade própria, age de acordo com o poder ou com a maioria.

Texto de António Pedro Ribeiro publicado no jornal "A Voz da Póvoa" de 16 de Abril em