O professor e investigador António Rodrigues Assunção é o autor da obra «O Movimento Operário da Covilhã” (edição de autor), de que já foram editados dois volumes de uma trilogia a completar em breve.
Autor dos livros “O movimento operário – volume I (1890-1907)” e “O movimento operário – volume II (1907-1926)”, António Rodrigues Assunção, nasceu na freguesia de Mosteirô, concelho de Santa Maria da Feira, distrito de Aveiro. É licenciado em filosofia pela faculdade de letras da universidade do Porto, e a partir de 1975 é docente do ensino oficial. O terceiro volume já tem o título anunciado, “Movimento Operário da Covilhã e a Oposição à Ditadura” e que irá abranger a época do Estado Novo até 1974.
Há cem anos os operários morriam de fome na Covilhã. Trabalhavam 18 a 19 horas por dia e diante das máquinas estavam também as crianças de 6 a 10 anos, de noite e de dia. Era também o tempo das greves. Um jornal da época, “A Estrela”, conta a crise: “O chefe da casa, rapaz novo e robusto, não trabalhava há muito. No meio da casa a mulher arde em febre iludindo o estômago com água de café... as três crianças aconchegam-se em volta da bruxa...”. As lutas contra a miséria e contra os patrões é ilustrada pela famosa greve de 1909 contra Thoratier. Este alemão irascível, que tratava os operários de burros e saloios, director técnico da firma “Campos Mello“, despedira o tecelão José Bernardo Gíria por defeitos encontrados no seu trabalho de tecelagem e isto deu origem a uma das maiores greves de que há memória na Covilhã...
A Covilhã foi na região da Beira Interior, até aos séculos XVIII/XIX, o centro polarizador de uma produção de tecidos de lã dispersa realizada em regime doméstico e artesanal. Desde o século XVII verifica-se a localização nessa cidade das primeiras manufacturas, processo que foi continuado com a industrialização que conduziu a uma forte concentração fabril, até à actualidade.
A partir de 1970 inicia-se um processo que conduziu ao abandono sucessivo de numerosas fábricas e à reconversão industrial da cidade. Os investimentos feitos na indústria não contemplaram a manutenção dos edifícios antigos, concentrando-se, quase exclusivamente, na renovação de equipamentos técnicos ou em novas construções fora das áreas de implantação tradicional, ou seja, as Ribeiras da Degoldra e Carpinteira e o tecido urbano. Estes eram, desde o século XVII até aos anos 60 do século XX, os locais de eleição da ancestral mono-indústria dos lanifícios covilhanenses.
Na actualidade, a Covilhã apresenta-se como mais uma das áreas características da desindustrialização europeia. Assim, também nesta cidade, ao assistir-se às transformações que põem em causa os alicerces sócio-económicos do seu passado, se procura salvaguardar-lhe a memória. Um conjunto de acções, que passam pela preservação de sítios de interesse arqueológico-industrial e pela criação de equipamentos de natureza cultural, encontram-se programados uns e concretizados outros com o objectivo de recuperar a memória da indústria de lanifícios e o seu envolvimento na vida da cidade e dos seus habitantes. Nesse sentido, a Universidade da Beira Interior instituiu, na manufactura pombalina da Real Fábrica de Panos, o Museu de Lanifícios. Este é um projecto dinâmico que procura aliar à preservação da memória do trabalho dos lanifícios a revitalização da Covilhã e da região que tem por matriz a Serra da Estrela.
Quando as negociações salariais eram feitas à bomba
Pequeno excerto da obra de António Rodrigues Assunção, que no seu segundo livro ao tratar do período das lutas operárias entre 1907 e 1926 fala-nos das greves de dois meses, das bombas que explodiam à porta dos industriais dos lanifícios (como por exemplo Francisco Catalão e Francisco Ranito), dos filhos de operários enviados para longe da fome, etc...
Os teares da ira
BATIA a meia-noite, foragido momento na cidade em recolhimento. No esparso silêncio destes dias, desdenhado, alvitrado, ameaçado, avisado, desenhavam-se novos contornos de turbulência. No abrigo do breu, a mão soltou o clarão. A primeira bomba rebenta à porta do industrial Francisco Nave Catalão. A madeira estilhaçou-se. Foi só o susto. Quebrou-se o silêncio. Parte da Covilhã acordava, agora, em surdina, nesta madrugada de 4 de Maio de 1923. No rasto da escuridão, o sobressalto voltou a tomar a cidade operária em voo picado. Quinze minutos depois, sem espaço para recobro, o negro recolhido no efémero da noite volta a ser violado pela faísca da explosão. Nova bomba rebenta junto da residência de outro industrial dos lanifícios: Francisco Ranito, que vivia na rua Conde do Refúgio. Novamente, e felizmente, sem vítimas a registar. Mas a assinatura estava a ser colocada num dos períodos mais violentos da história na cidade do Covilhã. Viviam-se dias agitados. Vivia-se a Greve das Oito Semanas.
O sindicato dos lanifícios local, controlado por anarco-sindicalistas, e afecto à Confederação Geral de Trabalhadores (CGT), decretou greve geral a 14 de Abril. As exigências eram as esperadas: aumento dos salários, tidos como demasiado baixos para fazer face à carestia de vida deste país ainda a lamber as feridas do pós-I Guerra Mundial, na indolência de uma inflação galopante. Os industriais não puderam sustentar as reivindicações, a greve prolongou-se e o tom agudizou-se, assumindo repercussões nacionais. Até porque a elite dirigente do sindicato não era conhecida pela sua brandura. Os anarco-sindicalistas, ao contrário dos socialistas que controlaram o sindicato até 1918, não primavam pela moderação.