3.1.09

A violência não resolverá o conflito, segundo o maestro Daniel Barenboim, que é muito crítico face aos bombardeamentos israelitas a Gaza


Daniel Barenboim é um prestigiado maestro argentino-israelita a quem, entretanto, foi concedido o título de cidadão honorário palestiniano, e que formou, desde há alguns anos atrás, uma orquestra com elementos palestinianos e israelitas (a West-Eastern Divan Orchestra, que pretende ser um símbolo da reconciliação entre israelitas e plalestinianos).

O maestro dirigiu a Orquestra Filarmónica de Viena, no primeiro dia do ano de 2009, para o concerto do Ano Novo no Musikverein, em Viena, com a famosa sinfonia nº 45 de Josef Haydn, também chamada «Farewell Symphony» a fim de marcar o início das comemorações do 200º aniversário da morte daquele compositor austríaco. E foi a partir de Viena que Barenboim se manifestou contra o uso da violência no Médio Oriente entre israelitas e palestinianos, e enviado um carta aberta publicada no jornal britânico The Guardian sob o título Gaza and the New Year

Gaza e o Novo Ano - carta de Daniel Barenboim

Só tenho três desejos para o próximo ano. O primeiro de todos é de que o governo israelita se dê conta de uma vez por todas que o conflito no Próximo Oriente não pode ser resolvido pela via militar. O segundo é de que o Hamás tenha consciências que os seus interesses não se podem impor pela violência, e que Israel está para ficar. O terceiro é que o mundo reconheça que este conflito não tem paralelo na História. É complexo e delicado; é um conflito humano entre dois lados profundamente convencidos do seu direito a viver no mesmo e num minúsculo pedaço de terra. É por isso que nenhuma diplomacia ou acção militar poderá resolver este conflito.

Os acontecimentos destes dias preocupam-se muito por motivos humanos e políticos. É evidente que Israel tem direito a defender-se, que não pode e não deve tolerar os contínuos ataques com mísseis contra os seus cidadãos, mas o incessante e brutal bombardeamento do exército israelita em Gaza despertou em mim algumas interrogações.
A primeira pergunta é saber se o governo israelita tem direito a culpar todos os palestinianos pelas acções do Hamás? Será toda a população de Gaza culpada pelos pecados de um grupo terrorista? Nós, judeus, devemos saber e sentir de forma mais aguda que as outras pessoas quanto é inaceitável e inumano o assassinato de civis inocentes. O exército israelita tenta argumentar que a faixa de GAZA é superpovoada e que é impossível evitar a mortes de civis durante os ataques.

A fraqueza deste argumento leva-se a formular novoas perguntas: se a morte de civis é inevitável, então qual é o propósito do bombardeamento? Qual é, caso haja, a lógica da violência e o que é que Israel espera alcançar com isso? E se o objectivo da ofensiva é destruir o Hamás, a pergunta mais pertinente é a de saber se isso é alcabçável. Caso não o seja, os bombardeamentos não só são crúeis, bárbaros e censuráveis, com também absurdos.

Se, por outro lado, é realmente destruir o Hamás através de operações militares, como pensa Israel fazer face à reacção em Gaza depois disso? Um milhão e meio de residentes de Gaza não se sujeitarão reverencial mente face ao poderio do exército israelita. Será que esquecemos que, antes dos palestinianos elegerem Hamás, já Israel os apoiava numa táctica para enfraquecer Arafat. A história recente de Israel leva-se a crer que, caso o Hamás seja bombardeado até ao seu desaparecimento, outro grupo ocupará o seu lugar, uma formação mais radical, mais violenta e mais cheia de ódio a Israel.

Israel não pode permitir-se a uma derrota militar por medo a desparecer do mapa, mas a História já provou que toda a vitória militar acabou por debilitar politicamente Israel pelo aparecimento de grupos radicais. Não subestimo a dificuldade das decisões que o governo israelita tem de tomar diariamente, nem subestimo a importância da segurança de Israel. Apesar disso, estou convicto que o único plano viável para a segurança de Israel é ganhar a aceitação dos seus vizinhos. Desejo que em 2009 regresse a inteligência sempre atribuída aos judeus. Desejo o regresso da sabedoria do rei Salomão para que, aqueles que tomam decisões em Israel, a possam utilizar para entender que os palestinianos e israelitas têm os mesmos direitos humanos.

A violência palestiniana atormenta Israel e não serve a causa; a vingança militar de Israel é inumana, imoral e não é garantia de segurança. Como disse atrás, trata-se dos destinos de dois lados cujos destinos estão inextrincavelmente ligados, o que os obriga a viver lado a lado. São àqueles que tomam decisões que cabe fazer disso uma bênção ou uma maldição.