19.12.08

Processo pelo crime de adultério contra Camilo Castelo Branco ou os pesadelos macabros do Direito Penal: para que conste...

Cela do edifíco da Cadeia da Relação na cidade do Porto onde esteve preso Camilo Castelo Branco.

Nota Importante: o actual edifício encontra-se hoje restaurado, e não é comparável à prisão que existia, ainda não há muitos anos atrás, em pleno centro da cidade do Porto, verdadeira nódoa que, por decoro, foi encerrada e substituída por outras que se encontram fora da cidade, longe de olhares da crítica


Camilo Castelo Branco esteve preso mais de um ano na cadeia da Relação do Porto, aguardando julgamento por causa do seu relacionamento amoroso com uma mulher casada, Ana Plácido, ela própria também levada para o cárcere.

Dizem os registos que ninguém queria julgar Camilo por dormir com mulher alheia e a “espinhosa missão” acabou por ser confiada ao pai do escritor Eça de Queirós que despachou uma absolvição por falta de provas, “deixando o povo feliz e contente”.

Dos argumentos aduzidos pelo juiz José Joaquim de Queiroz, em 17 de Outubro de 1861, não sobra prova material, já que se goraram todos os esforços para encontrar o processo do julgamento de Camilo Castelo Branco e da sua amada Ana Plácido.

Mas todas as razões que levaram à dedução de acusação contra os “adúlteros” e à sua prisão preventiva na Cadeia da Relação por um ano e 16 dias resistem no Museu Judiciário do Tribunal da Relação do Porto.
A acusação que todos podem ver agora em amarelecidas páginas sustenta que “seria um contra-senso inqualificável que esse homem que a teve [a Ana Basílio] teúda e mateúda (…) ficasse impune”.

Texto da agência Lusa

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PROCESSO DO CAMILO
Tribunal Criminal, 1.º Distrito do Porto.


Por queixa de Manuel Pinheiro Alves, marido de Ana Augusta Plácido, foi instaurado processo de querela, por adultério, contra Camilo Castelo Branco e aquele Ana. O processo foi objecto de despacho lavrado, em 22 de Dezembro, pelo juiz José Maria de Almeida Teixeira de Queirós, pai do Eça, titular daquele Tribunal Criminal, sito na Praça D.ª Filipa de Lencastre, na esquina com a Rua da Picaria. A queixa foi assinada pelo advogado Alexandre Couto Pinto e os acusados tiveram como defensor Marcelino de Matos que também havia de defender, noutro processo, o Zé do Telhado.

Camilo e Ana acabaram por ser pronunciados, ela por adultério e ele por ter copulado com mulher casada, por decisão do Tribunal da Relação do Porto, já que o juiz Queirós apenas pronunciara a Ana. Isto por que só o adultério da mulher era punível e, relativamente ao homem compartiticipante, a punibilidade pressupunha o flagrante delito (sós e nus na mesma cama) ou a existência de cartas ou outro documento escrito. O flagrante não se verificava e apenas existia uma carta dirigida a um tio (informador de Pinheiro Alves da infidelidade da mulher) de Ana, mas em que não era mencionado o nome desta. Na sequência da pronúncia, Ana Plácido e, mais tarde Camilo, recolheram à Cadeia da Relação. Depois de muitos incidentes (pedidos de escusa de juízes, recursos), chegando o processo a subir ao Supremo Tribunal de Justiça, foi efectuado o julgamento, num ambiente extremamente emo-tivo, correspondente à grandiosidade do escândalo. Estava ao rubro a curiosidade das provectas virgens, das matronas desocupadas e dos conquistadores frustrados, além dos seráficos moralistas de fachada. Se a Relação ultrapassara a desadequação legal à evolução se senso comum, pronunciando ambos os Réus, considerando que "seria um contra-senso inqualificável que esse homem que a teve teúda e manteúda já nesta cidade na Rua da Picaria, já em Lisboa e na Foz: que a foi tirar ao Convento da Conceição em Braga aonde se achava, para assim continuar com ela uma vida de escândalo e imoralidade que afecta a sociedade em geral ficasse impune ...", o júri, acaba, de forma oposta por tornear aquela desadequação, não considerando provados quesitos fundamentais. A sentença, proferia em 17 de Outubro de 1861 (peça que, presentemente, não se encontra no processo por ter desaparecido), limitou-se a absolver os acusados e emitir mandados de soltura..


Camilo permaneceu na cadeia, em prisão preventiva, um ano e dezasseis dias. Ana um pouco mais. Durante a prisão, ele receou que o tio da Ana que esteve na base da descoberta da situação de amantismo, pagasse a alguém, dentro da Cadeia, para o matar. Acabrunhado, terá desabafado os seus temores perante um outro preso o qual lhe terá garantido que estivesse descansado, pois, se alguém ali lhe tocasse com um dedo, três dias e três noites não chegariam para enterrar os mortos. Este outro preso era José do Telhado. O gratidão de Camilo levá-lo-ia a compartilhar o seu advogado de defesa. A aura romântica do assaltante também a isso se terá ficado a dever.


Retirado de:
www.trp.pt/historia/processoshistoricos.html


Sobre Camilo Castelo Branco:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Camilo_Castelo_Branco

http://camilo20.wordpress.com/

http://www.geira.pt/CMCamilo/