12.5.08

Cidades Lentas


CIDADES LENTAS
Texto de Inês Mateus Patrício


Retirado daqui

Um homem coloca água corrente num pé de laranjeira. Talvez troque umas palavras com ela. Lentamente dirige-se a uma sombra de nespereira, junto ao alpendre, e senta-se na pedra a ler um livro. Interrompe a leitura e desloca a água daquela laranjeira para outra. Ambas ainda pequenas, duas entre várias que ele regava nessa tarde. Volta à leitura. Todos os gestos tranquilos, num vai e vem sereno. Mas há coisas surpreendentes neste homem. É novo. É licenciado, aliás, é pós-graduado. É competente. Trabalha todos os dias na cidade. Anda sempre de transportes públicos. É absolutamente pontual. Usa a Internet para as comodidades bancárias, pesquisas e contactos. Todos o consideram uma pessoa muito calma. Como se de uma espécie de dom, apenas atribuído a alguns, se tratasse. Mas não é verdade e dizê-lo é importante. Aquela calma implica atenção e cuidado. Implica um empenho, muitas vezes difícil, de desaceleração.

Foram certamente pessoas como este homem que criaram o Slow Movement. Este Movimento tem vindo a crescer desde 1986, altura em que foi criado o movimento Slow Food. Este último, surgiu em Itália e fez-se um movimento internacional de valorização da alimentação tradicional, das formas de cultivo, da escolha de produtos autênticos e da defesa das espécies de cada região. Todos os tempos e actos comunitários relacionados com comida são acarinhados. Criou-se numa evidente reacção ao Fast Food.

Esta palavra Slow (Lento) tem-se estendido a muitas áreas da vida urbana. E a essa palavra juntou-se a palavra Ligação. Ligação às pessoas, aos espaços, à cultura e a uma vida com sentido. Sentido que se pode perder quando, até nos momentos de lazer, nos impomos objectivos, prazos, cadências. Para chegar onde? Até à tarefa seguinte? Como evitar o espanto ao ouvir uma criança na praia que diz “Vou brincar aqui que é para não perder tempo.”? Bem diferente da criança de outro continente que, sentada quieta num degrau, ao ser questionada sobre o que ali fazia respondeu “Estou só a ficar.”

O Slow Movement propõe escolher simplicidade. Nunca negando as tecnologias, considera-as aliadas nesta valsa que se quer lenta, defendendo um desenvolvimento sustentado, respeitando as estações. Os ritmos lentos podem imergir em todas as vertentes da nossa vida. Trabalho Lento, uma vez que está provado que um maior número de horas não reflecte necessariamente maior produtividade. Um trabalho com maior atenção, maior concentração e menor competição. Sobretudo com mais gosto. Viagens Lentas, mudar e viver, tornar-se parte do local que se visita, apreciar as esplanadas, conversar com quem ali vive, procurando o entendimento daquilo que são as pessoas, os modos de viver os espaços. Escolher os locais com que mais nos identificamos e passar lá horas. Conhecer a pé, de bicicleta, de comboio. Participar nas actividades locais, contribuir para o seu desenvolvimento (numa nova expressão: Volunturismo). Livros Lentos, para que não seja mais difícil justificar a nós próprios o tempo em que nos sentamos e ler um bom livro. Reencontrar criatividade, inspiração, entusiasmo, novos modos de pensar. Música Lenta, com atenção à letra, às notas, aos sons singulares dos instrumentos. Escolas Lentas, aprendizagem e conhecimento (ainda assim é um pouco diferente de resultados). O tempo de cada um mostrar os seus talentos, os seus argumentos, o seu crescimento.

E numa escala maior que nós e as nossas opções individuais, serão possíveis Cidades Lentas? Em 1999 criou-se uma nova organização chamada Cittaslow, também em Itália. Esta organização, que tem como símbolo um Caracol, tem-se estendido a outros países como Inglaterra, Itália, Alemanha, Polónia, Noruega e Brasil. Em Portugal as cidades de Lagos, São Brás de Alportel, Silves e Tavira aderiram a este compromisso.

Uma Cidade Lenta deverá ter menos de 50.000 residentes e os manifestos das Cidades Lentas (que diferem em pequenas particularidades de país para país) têm entre 50 e 60 critérios concretos, agrupados em seis categorias que as cidades deverão atingir (sendo que, para serem inicialmente aceites, as cidades têm de cumprir já 50% deles). As seis categorias são: Política ambiental; Infra-estruturas; Tecido urbano; Apoio à produção e artigos locais; Hospitalidade e comunidade; Formação e consciência da condição de Cidade Lenta.

A terceira exigência para que se possa ser eleita como Cidade Lenta é a formação de uma plataforma do movimento Slow Food, uma vez que a boa alimentação e a defesa de produtos em risco de extinção regionais (sejam o queijo, o pão tradicional, ou determinadas receitas) não só foi a origem do movimento Cittaslow, como continua a ser um dos seus pilares fundamentais.

Destas cidades querem-se comunidades com identidade própria, identidade esta que seja reconhecida por quem chega e profundamente sentida porque quem dela faz parte. Continua-se aqui o sentido de Ligação, ligação entre os produtos e os consumidores, entre pessoas e meio ambiente protegido, entre residentes e visitantes (que se devem sentir residentes durante a estadia). As Cidades Lentas querem-se ajustadas à escala humana, com os centros históricos preservados e os edifícios novos harmonizados. Devem ser criados lugares de vivência comum da cidade, espaços de lazer e de cultura. A cidade tem de ser para todos e, para isso, as acessibilidades têm de prever a presença de todos por igual. O comércio tradicional, o atendimento personalizado e confiado têm necessariamente de ser encorajados. Devem ter menos trânsito e menos barulho. As possibilidades são infinitas e sempre inacabadas: espaços verdes, cafés, teatros, cinemas, albergarias, mercados com produtos locais, zonas exclusivamente pedonais, festivais de promoção da região, lojas de comércio justo, a promoção dos bairros mais antigos. Sempre presente é a honesta preocupação com as próximas gerações.

O processo de candidatura deve ser liderado pelas autarquias, mas todos os habitantes da cidade são chamados a implicar-se, num diálogo que se quer participado, inteligente, solidário e criativo. Após vencer a candidatura, uma comissão externa à cidade verificará periodicamente a manutenção da designação e o atingir de novos critérios e soluções como Cidade Lenta.

As cidades com mais de 50.000 habitantes, não podendo candidatar-se, não devem inibir-se de adoptar os princípios e objectivos das Cidades Lentas, ganhando assim reconhecimento e, mais importante, a qualidade de vida dos seus cidadãos.

Goolwa na Austrália, Abbiategrasso na Itália, Mungia em Espanha, Levanger na Noruega, Enns na Áustria ou Ludlow em Inglaterra são algumas das Cidades Lentas que pode conhecer. Ludlow foi a primeira Cidade Lenta do Reino Unido, assim reconhecida em 2003. Ludlow é uma cidade no sul da região de Shropshire, perto do País de Gales, com cerca de 10.000 habitantes. Situa-se numa colina junto a uma curva do rio Teme. Entrar nesta cidade é ser recebido como residente, como parte integrante. Se percorrer o centro de Ludlow a pé pode encontrar mais de 500 edifícios referenciados. Nesses edifícios antigos moram pessoas e mora comércio, pode entrar e apreciá-los assim vividos. O centro é dinâmico, encontra padarias com fabrico tradicional, talhos com carnes criadas na região, restaurantes recomendados internacionalmente, lojas de artesanato local, lojas de design, livrarias e bancos. Muitas destas lojas têm-se mantido, por muitas gerações, nas mesmas famílias. O atendimento personalizado e conhecedor dos produtos tem sido preservado. Junto ao castelo podemos encontrar um impressionante mercado de produtos cultivados e criados à volta da cidade. Existe também um centro de artes que promove cinema, teatro, música e conferências. Todas as organizações são convidadas a envolver-se nas decisões que envolvem a cidade.

Em 2004 foi criado um Eco-Parque periférico. Todos os edifícios de negócios ali construídos têm de cumprir soluções ecológicas, nomeadamente quanto à emissão de gazes com efeito de estufa (tem de ser 50% inferior à dos edifícios comuns). Pretende-se aplicar uma arquitectura sustentável. Um grande estacionamento, servido por um autocarro, cria uma alternativa ao carro próprio no acesso à cidade.

Em Ludlow, decorrem todos os anos pelo menos quatro festivais: um de carros antigos; outro de artes com peças de Shakespeare, concertos, debates e animação de rua; um festival de gastronomia e um festival medieval. Todos estes enredos, e muitos outros, se podem descobrir em cidades lentas. Lugares bons para viver e para visitar... lentamente.



Para mais informações:

http://en.wikipedia.org/wiki/Cittaslow

http://www.slowmovement.com/slow_cities.php

http://www.cittaslow.org.uk/index.php?Pid1=1&PLv=1