18.12.07

Poesia e aforismos de António Ramos Rosa






“A música começa / no deserto do não” (Voz Inicial, Lisboa, 1960)


“Há um caminho que te conduz até ao sono, ao nível do mar.” (Sobre o Rosto da Terra, Covilhã, 1961)


“A linguagem é uma página de sinais esquecidos. Depois de todas as imagens, depois da última palavra, permanece o amor frágil de uma imagem suspensa, como que interdita sobre a aresta de um obstáculo. É a imagem que se apaga, que se perde, e no entanto caminha para o desconhecido e ganha o sombrio fulgor da palavra transfigurada.” (Quando o Inexorável, Porto, 1983)


“Devoramos o livro e com os olhos cegos de brancura transformamos a impossível leitura na escrita de uns signos imediatos que nos devolvem a linguagem da luz apagada pela luz.” (Quando o Inexorável, Porto, 1983)


“Escreve-se sempre com as mãos nuas mas a nudez e a transparência da página é que permitem a penetração no obscuro, a revelação do invisível.” (Quando o Inexorável, Porto, 1983)


“Há palavras carregadas de noite e de ombros surdos / e há palavras como giestas vivas” (Gravitações, Lisboa, 1983)


“A palavra mais viva é a mais inesperada é a palavra nua” (Gravitações, Lisboa, 1983)


“O poema é um arbusto que não cessa de tremer.” (Volante Verde, Lisboa, 1986)


“A verdade é semelhante a uma adolescente / vibrante, flexível, em radiosa sombra.” (Volante Verde, Lisboa, 1986)


“o mundo é uma brecha um esplendor um redemoinho.” (Volante Verde, Lisboa, 1986)


“Apreender com as palavras a substância mais nocturna / é o mesmo que povoar o deserto / com a própria substância do deserto” (O Livro da Ignorância, Ponta Delgada, 1988)


“O que somos agora é a sombra do que somos / em nocturnas letras de um idioma branco.” (Acordes, Lisboa, 1989)


“Na serena encantação as paredes resplandecem / e na realeza do instante o espaço doura-se.” (Facilidade do Ar, Lisboa, 1990)


“Quem grita surdamente / não pertence / à partitura do tempo. / Quem grita em altos gritos / não pertence / à sinfonia das nuvens.” (Estrias, Lisboa, 1990)


“Também de rasgões é feito o poema / entre uma possível estrela e a carne dolorosa” (A Intacta Ferida, Lisboa, 1991)


“O trajecto / mais breve / de uma sombra a outra / pode ser / outra sombra” (Oásis Branco, Lisboa, 1991)


“Há uma nudez / que assombra / há outra / que fulmina / e há a que ilumina” (Oásis Branco, Lisboa, 1991)


“Oferece o teu hálito ao presságio / para além do limiar das palavras / para transformar o segredo incomunicável / na iniciativa de um gesto inaugural” (Pólen-Silêncio, Porto, 1992)


“Nada mais delicado do que o tecido do olhar” (Delta seguido de Pela Primeira Vez, Lisboa, 1996)


“Todo aquele que abre um livro entra numa nuvem / ou para beber a água de um espelho / ou para se embriagar como um pássaro ingénuo” (Delta seguido de Pela Primeira Vez, Lisboa, 1996)


“O livro é redondo como uma serpente enrolada / e formado de fragmentos onde lateja o sangue de um pulso / que já não é de um autor que nunca o foi / e que será sempre o ritmo do que está a nascer / irrigando o nada e os terraços sobre os abismos” (Delta seguido de Pela Primeira Vez, Lisboa, 1996)


“Quem escreve nunca está só na sua solidão de asceta” (À Mesa do Vento seguido de As Espirais de Dioniso, Guimarães, 1997)


“Somos apenas cúmplices da nossa inabilidade / e dos ornamentos com que a revestimos / para parecer que somos e ser o que parecemos” (Pátria Soberana seguido de Nova Ficção, Vila Nova de Famalicão, 1999)


“A pátria é a ideia mas também matéria / de ser quotidiano sob o arco do tempo / Ela é a tranquila vivacidade da obra / que cada um realiza através dos obstáculos / e a grávida vontade de modelar o mundo” (Pátria Soberana seguido de Nova Ficção, Vila Nova de Famalicão, 1999)


“Se a pátria é uma herança ela é também o espaço que está à nossa frente / em que temos de projectar as suas dinâmicas linhas / em que vibrará o ritmo do nosso sangue e da nossa respiração / porque ela será a realidade do que em nós é a irrealidade do nosso ideal” (Pátria Soberana seguido de Nova Ficção, Vila Nova de Famalicão, 1999)


“A meditação não é mais do que a contemplação de uma matéria que contém em si o excesso da sua energia calma e a densidade materna que envolve todas as interrogações e torna supérfluo e intruso o pensamento.” (O Aprendiz Secreto, Vila Nova de Famalicão, 2001)


“Não há segredo mais supremo nem mais simples do que esta relação vital entre o corpo e o espaço, entre o alento e a paisagem, entre o olhar e o ser.” (O Aprendiz Secreto, Vila Nova de Famalicão, 2001)


“O deus do real não está no interior do sujeito, no círculo fechado da confusa intimidade, mas no rosto dos outros e é através desses rostos que se perspectiva a construção humana de uma comunidade viva e essencialmente aberta.” (O Aprendiz Secreto, Vila Nova de Famalicão, 2001)


Sobre a poesia de António Ramos Rosa

A poesia dos «(…) portugueses são, por natureza, líricos, afastando-se quase sempre da escrita de poemas cuja principal missão seja a sugestão de ideias e conceitos, através de uma sábia articulação da palavra com o pensamento.»

(…)

Em contraponto a essa linha poética prevalecente «a poesia de António Ramos Rosa representa na contemporaneidade um caso sui generis. Para já, temos em mãos uma obra que dificilmente conseguiremos abarcar na totalidade. Possuidora de uma assinalável coerência entre a produção ensaística e a produção poética, vive na demanda permanente de uma intensa liberdade do artista criador, concretizada na plena liberdade concedida ao leitor do poema (…)


(excertos do texto de autoria de Ruy Ventura com o título «Os Aforismos de António Ramos Rosa», de onde também retiramos a série de aforismos deste poeta maior da literatura portuguesa)



Sobre Ruy Ventura, autor do texto e responsável pela selecção dos aforismos de António Ramos Rosa:

RUY VENTURA (Portalegre, 1973) é professor na península da Arrábida. Publicou, em poesia, Arquitectura do Silêncio (Lisboa, 2000; Prémio Revelação de Poesia, da Associação Portuguesa de Escritores), sete capítulos do mundo (Lisboa, 2003), Assim se deixa uma casa (Coimbra, 2003) e Um pouco mais sobre a cidade (Villanueva de la Serena, 2004) e O lugar, a imagem (Badajoz, 2006 – no prelo). Organizou as antologias Poetas e Escritores da Serra de São Mamede (Vila Nova de Famalicão, 2002), Contos e Lendas da Serra de São Mamede (Almada, 2005) e Em memória de J. O. Travanca-Rêgo e Orlando Neves (na revista Callipole, nº 13, Vila Viçosa, 2005) e o livro José do Carmo Francisco, uma aproximação (Almada, 2005). Traduziu a antologia 20 Poetas Espanhóis do Século XX (Coimbra, 2003) e os livros de poemas Dias, Fumo, de Antonio Sáez Delgado (Coimbra, 2003), Jola, de Ángel Campos Pámpano (Badajoz, 2003) e A Árvore-das-Borboletas, de Anton van Wilderode (Badajoz, 2003). É colaborador de várias revistas nacionais e estrangeiras, nomeadamente espanholas, brasileiras e americanas. Como ensaísta, tem escrito sobre Poesia Contemporânea, Literatura Tradicional e/ou Oral e Toponímia