17.11.07

Segundo as Nações Unidas a escolha a fazer é entre o mercado-rei ou a ecologia, sendo certo que a privatização é o pior cenário para o ambiente.


O futuro ecológico do planeta depende directamente das escolhas políticas a tomar. Jamais esta conclusão tinha sido tão evidente num documento das Nações Unidas. Mas é o que se pode ler no Relatório «GEO 4» do Programa das Nações Unidas para o ambiente (PNUE) publicado no dia 25 de Outubro, onde se diz claramente que a privatização generalizada dos recursos e dos serviços será o pior cenário do ponto de vista do ambiente.

Esta é a conclusão de uma abordagem original baseada na construção de cenários para futuros possíveis, cenários esses que são determinados pelas políticas que tiverem sido escolhidas para serem seguidas. Um trabalho que se prolongou por dois anos, feitos por grupos internacionais de especialistas, e cujo ponto de partida foi a crise ecológica que passa hoje o planeta.

Actualizando o quadro descritivo graças a numerosas fontes, o relatório do PNUE dá a conhecer o processo de degradação do clima, da biodiversidade, da saúde dos solos, dos recurso de água, etc…
Sublinha, por exemplo, a regressão verificada nos recursos disponíveis por cada habitante: com efeito, a superfície de terra disponível por cada ser humano passou de 7,91 hectares em 1900 para 2,02 em 2005.

Motivo de atenção é também a rapidez do fenómeno, constatando-se que a extensão e a composição dos ecossistemas terrestres foram modificados pelas populações a uma velocidade sem precedente. Os especialistas insistem igualmente na noção de limiar: « Os efeitos acumulados das contínuas mudanças no ambiente podem atingir limiares a partir dos quais podem acontecer mudanças brutais e irreversíveis. Tais perturbações não se verificarão só no clima, mas também em vários outros, como nos fenómenos da desertificação, descida dos níveis freáticos, colapso dos ecossistemas, etc »



«A destruição sistemática dos recursos naturais da Terra chegou a um tal ponto em que a viabilidade das economias está em perigo, para além de que a factura que teremos de deixar aos nossos filhos será impossível de pagar» - este é a conclusão a que chegou Achim Steiner, director do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUE). Ao apresentar o relatório «GEO 4 – Futuro do ambiente mundial», no passado dia 25 de Outubro em Nova Iorque, ele frisou bem a conexão entre o sistema económico e a degradação do ambiente.

O «GEO 4» é o resultado do trabalho de 1.400 cientistas e especialistas e esboça um quadro alarmante da situação ecológica do planeta, apesar de também sublinhar quanto a sua evolução dependerá das escolhas a fazer em matéria de políticas económicas.

Vinte anos depois do célebre Relatório Brundtland que, em 1987, tinha inventado o conceito do desenvolvimento sustentável, a maioria dos indicadores agora divulgados encontram-se com luz vermelha: clima ( as concentrações de gás carbónico na atmosfera aumentou um terço nos últimos 20 anos), biodiversidade ( as populações de anfíbios foram reduzidos para metade durante o mesmo período), poluição ( a do ar é, por exemplo, responsável pela morte de 500.000 pessoas por ano, segundo a OMS), artificialização dos solos ( a impermeabilização urbana com cimento )

A PNUE mostra que a crise ecológica se articula com a crise social. O contraste é acentuado entre a pressão ecológica intensa que sofre a biosfera e a expansão económica, a qual fez aumentar o produto anual por ser humano de 6.000 para 8.000 dólares entre 1987 e 2007, mas de uma forma muito desigual: «As injustiças ambientais continuam a aumentar, afectando sobretudo os pobres ( que estão muito mais vulneráveis aos perigos naturais), as mulheres e os povos indígenas». O ambiente reflecte essas desigualdades: « certas regiões desenvolvidas realizaram progressos ambientais à custa de outras regiões, exportando a produção e os seus efeitos»

Os valores culturais próprios do sistema económico dominante têm o maior efeito, com «um modelo de desenvolvimento do Norte, prevalece sempre um tipo de desenvolvimento urbano baseado na dependência do automóvel.»

A PNUE vai mais longe apresentando cenários de evolução até 2050 segundo diferentes políticas. Trabalho que foi levado a cabo por vários grupos de especialistas internacionais que trabalharam sobre modelos prospectivos utilizados por várias instituições.

A modelização permite medir a influencia sobre o ambiente de cada um dos quatro cenários através do consumo de energia, as emissões de poluentes, o tipo de actividade agrícola, as reservas de água e outros parâmetros.

São definidos , assim, 4 cenários.

Para cada cenário existe 1 objectivo privilegiado:

A) O primado do mercado = o governo ajuda o sector privado a alcançar um máximo de crescimento económico
Neste cenário o Estado rende-se ao lucro do sector privado, assiste-se ao desenvolvimento sem limite do comércio, e à privatização dos bens naturais.

B) O primado da política = o governo aplica fortes políticas a fim de atingir o objectivo de dar muita importância ao desenvolvimento económico
Neste cenário há uma intervenção centralizada que visa equilibrar um forte crescimento económico por via de um esforço em limitar os impactos ambientais e sociais.

C) O primado da segurança = a prioridade é dada à procura de segurança sobre outros valores, colocando limitações crescentes ao modo como vivem as pessoas.

D) O primado da ecologia = aposta na colaboração entre o governo, a sociedade civil e o sector privado para melhorar o ambiente e o bem-estar de todos.
Neste cenário a opção clara é pela sustentabilidade e equidade, onde os cidadãos desempenharão um papel activo.


Sem surpresa o cenário ecológico tem em vista reduzir a amplitude da crise económica. Supõe que a demografia evolua abaixo das previsões da ONU,ou seja, de 8 biliões de habitantes em 2050. A taxa de crescimento anual da economia mundial seria moderada, mas longe de ser nula, uma vez que é admitido que o produto interior bruto mundial possa triplicar.

O cenário mercado mais não faz que prosseguir a lógica dominante dos anos 1990, prevendo-se que a população atinja os 9 biliões em 2050 e a multiplicação por cinco do crescimento do PIB mundial. Este cenário conduzirá a uma situação ecológica muito degradada em 2050, tal como o cenário de segurança que induzirá a conflitos permanentes por todo o planeta. Segundo os autores do relatório « no cenário do mercado, o ambiente e a sociedade evoluirão muito mais rapidamente para perturbações em que mudanças súbitas e irreversíveis poderão acontecer.»

O prosseguimento da liberalização aparece assim como o cenário mais perigoso. Os especialistas fazem notar que a lógica ecológica é incompatível com a busca ilimitada do crescimento económico: «A perda da biodiversidade e a mudança climática têm consequências irreversíveis, que o crescimento dos rendimento não poderá resolver»

A análise do PNUE não deverá alterar a curto prazo o sentido das políticas económicas que continuarão a estar focalizadas na liberalização e no crescimento. Mas apoiando o diagnóstico pessimista traçado pelo GIEC sobre o clima, e surgindo alguns dias antes do anúncio do Programa das nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) sobre os efeitos das mudanças climáticas sobre os países mais pobres, o certo é que o Relatório agora divulgado sublinha a importância de ora em diante a comunidade ambientalista se preocupar pelas escolhas económicas para o futuro.

Consultar o Relatório em
www.unep.org/geo
Fonte: Le Monde