22.11.07

A rebeldia do arquitecto José Pulido Valente

Último livro do arquitecto José Pulido Valente:
A Remar Contra a Maré, da Fólio Edições

Outro Livro do autor:
Acuso - Crónicas de Urbanismo e Arquitectura



O texto seguinte foi retirado daqui


O amplo ateliê está tomado pelo silêncio e luz, suave, de Inverno. Há algumas maquetas sobre os estiradores, a brancura do cartão manchada pelo pó. Das paredes, entre muitas memórias, ressalta um cartaz, também ele marcado pelo tempo, com o rosto do Che Guevara e um recorte amarelecido de jornal com a fotografia do arquitecto que continua a remar contra a maré. A rebeldia, continuada, tem um preço. "Como vê estou sem trabalho, não toca o telefone, nem ninguém me bate à porta."

José Pulido Valente, arquitecto polémico, traço e voz próprios, foi dos primeiros a opor-se à construção do Prédio Coutinho, em Viana do Castelo. Mas os protestos caíram na indiferença da Comissão de Estética, "presidida pelo escultor Álvaro Rocha e uns merceeiros da terra": deu parecer favorável com o argumento de que na "horizontalidade da cidade ficava bem um elemento alto". Corria a década de setenta. O jovem arquitecto, na altura com ateliê em Viana, esgrimia contra os autores do mamarracho em artigos que assinava no jornal Aurora do Lima.

Perdeu essa batalha. Terá perdido outras, mas nunca baixou os braços. Ao longo da vida, espevitou a luta contra as ligações "mafiosas" entre autarquias e construtores civis e a dignificação do ofício da arquitectura. Um combate sem tréguas pela cidadania plena. Há dias, saiu mais um livro seu: A Remar Contra a Maré, com a chancela da Fólio Edições, que reúne crónicas publicadas na imprensa. Na sessão de lançamento, na Fnac de Santa Catarina, no Porto, "não apareceu nenhum" colega de profissão. Um facto banal, previsível, para José Pulido Valente.

"Grande parte dos arquitectos da cidade não fala comigo", diz. Os de Lisboa, cidade onde nasceu há 70 anos, seguem o mesmo caminho. Em 2001, na sessão de lançamento de Acuso - Crónicas de Urbanismo e Arquitectura, outro livro polémico do autor, na sede da Ordem dos Arquitectos, também não apareceu nenhum companheiro de ofício.

O Prédio Coutinho será, em breve, demolido. Enfim, a altura - descobriram décadas volvidas - destoava na "horizontalidade" da cidade. Pulido Valente discorda, no entanto, da solução encontrada para resolver o problema. "Eu lutei contra este prédio desde a sua construção, e agora estou contra o plano para a zona: é um crime o que estão a fazer." E o "crime", refere, começa com a destruição do Mercado de Viana, "um belíssimo projecto de João Andersen", para dar lugar a um edifício que albergará os desalojados do Coutinho.

E quem colabora neste "atentado" ao património? "Alves Costa, Siza Vieira, Souto Moura... Esses professores da faculdade tiveram a coragem de participar na destruição do mercado. Isso é mafia, é pornografia intelectual, moral e ética. E a Ordem dos Arquitectos não faz nada! Andam feitos uns com os outros", acusa. Pulido Valente defende para o Prédio Coutinho "a demolição apenas do que está a mais".

É muito crítico com os colegas e não menos com os autarcas. Entrou em divergências, que depois acabaram em tribunal, com vários. Foi ele que levantou a voz contra a construção do Centro Comercial Cidade do Porto, no tempo de Fernando Gomes. A obra avançou, anos depois o Supremo Tribunal dá razão ao arquitecto: "É ilegal e não há maneira de vir a ser legal." O caso baixou ao Tribunal Administrativo do Porto, e Pulido Valente espera que o juiz não utilize o Plano Director, aprovado anos depois, para decidir sobre algo que foi feito antes - "Isso seria o banditismo completo."

Pode acontecer "uma coisa espantosa", diz o arquitecto. Em Viana do Castelo, "o Prédio Coutinho, que formalmente está de acordo com as leis vigentes na altura, vai abaixo"; na cidade do Porto, "o Edifício do Bom Sucesso, que violava as leis vigentes quando foi construído, pode continuar de pé".

Mas José Pulido Valente não se dá por vencido: "Enquanto eu for vivo e tiver saúde, tudo farei para o Bom Sucesso ser destruído."
A rebeldia, continuada, tem um preço. "Estou sem trabalho e tenho um camarada que trabalha comigo há 30 anos que não quer deixar de trabalhar comigo mas também não arranjo trabalho para ele." Há um travo de amargura na voz do arquitecto.