Artur Jaime Brasil Luquet Neto foi escritor e jornalista.
(N. Angra do Heroísmo, 1896 – m. Lisboa, 1966)
Cursou o liceu e, durante a Grande Guerra, a escola de oficiais milicianos, entrando para o Exército como alferes.
Jornalista brilhante, crítico literário e de arte, foi redactor do Primeiro de Janeiro, do Século, do Século da Noite, da República, do Diabo, dirigiu o jornal O Globo, de efémera duração, e muitos foram os jornais e revistas em que colaborou, sendo à data da sua morte chefe da delegação em Lisboa de O Primeiro de Janeiro, cuja excelente página «Das Artes, das Letras» organizou, desde início, durante muitos anos, e na qual colaboraram José Régio, Casais Monteiro, Gaspar Simões, Jorge de Sena, bem como inúmeros dos melhores autores das décadas de 40 e 50; as recensões críticas eram, nessa página – que passou a ser dirigida pelo poeta Alberto de Serpa –, assinadas com a letra A. (correspondente a Artur, de seu primeiro nome).
Grande amigo do seu patrício Vitorino Nemésio, ajudou-o quando este, em 1921, vindo dos Açores, se estreou no jornalismo profissional.
Jaime Brasil, para além de jornalista culto e probo, distinguiu-se como polemista, não poupando o adversário nas pugnas que travou (com o diário católico Novidades, a propósito do livro A Questão Sexual; com Agustina Bessa-Luís, acerca de Os Super-Homens, em 1950; e com um camilianista a quem chama «camelianista», em 1958).
Em 1925 fundou o Sindicato dos Profissionais de Imprensa de Lisboa, do qual foi o primeiro secretário-geral. Em Paris, onde residia desde 1937 e para onde voltou, algum tempo, no final dos anos 40, fundou em 1939 a Union des Journalistes Amis de la République Française.
Obras principais: O Problema Sexual, 1931; A Questão Sexual, 1932; Os Padres e a Questão Sexual, 1932; Os Órgãos Sexuais, 1933; A União dos Sexos, 1933; O Japão Actual, 1936; Diderot e a Sua Época, 1941; Vida e Obras de Zola (assinado A. Luquet), 1943; Rodin, 1944; Os Novos Escritores e o Movimento Chamado «Neo-Realismo», 1945; Vítor Hugo, 1940; Chalom…Chalom!... Uma Reportagem na Palestina, 1948; O Caso de «A Infanta Capelista» de Camilo Castelo Branco ou Como se Arrancam as Penas a Um Empavonado «Camelianista», 1958; Leonardo Da Vinci e o Seu Tempo, 1959; Velásquez, 1961; Ferreira de Castro.
A obra e o Homem, 1961; Zola – O Escritor e a Sua Época, 1966
Cursou o liceu e, durante a Grande Guerra, a escola de oficiais milicianos, entrando para o Exército como alferes.
Jornalista brilhante, crítico literário e de arte, foi redactor do Primeiro de Janeiro, do Século, do Século da Noite, da República, do Diabo, dirigiu o jornal O Globo, de efémera duração, e muitos foram os jornais e revistas em que colaborou, sendo à data da sua morte chefe da delegação em Lisboa de O Primeiro de Janeiro, cuja excelente página «Das Artes, das Letras» organizou, desde início, durante muitos anos, e na qual colaboraram José Régio, Casais Monteiro, Gaspar Simões, Jorge de Sena, bem como inúmeros dos melhores autores das décadas de 40 e 50; as recensões críticas eram, nessa página – que passou a ser dirigida pelo poeta Alberto de Serpa –, assinadas com a letra A. (correspondente a Artur, de seu primeiro nome).
Grande amigo do seu patrício Vitorino Nemésio, ajudou-o quando este, em 1921, vindo dos Açores, se estreou no jornalismo profissional.
Jaime Brasil, para além de jornalista culto e probo, distinguiu-se como polemista, não poupando o adversário nas pugnas que travou (com o diário católico Novidades, a propósito do livro A Questão Sexual; com Agustina Bessa-Luís, acerca de Os Super-Homens, em 1950; e com um camilianista a quem chama «camelianista», em 1958).
Em 1925 fundou o Sindicato dos Profissionais de Imprensa de Lisboa, do qual foi o primeiro secretário-geral. Em Paris, onde residia desde 1937 e para onde voltou, algum tempo, no final dos anos 40, fundou em 1939 a Union des Journalistes Amis de la République Française.
Obras principais: O Problema Sexual, 1931; A Questão Sexual, 1932; Os Padres e a Questão Sexual, 1932; Os Órgãos Sexuais, 1933; A União dos Sexos, 1933; O Japão Actual, 1936; Diderot e a Sua Época, 1941; Vida e Obras de Zola (assinado A. Luquet), 1943; Rodin, 1944; Os Novos Escritores e o Movimento Chamado «Neo-Realismo», 1945; Vítor Hugo, 1940; Chalom…Chalom!... Uma Reportagem na Palestina, 1948; O Caso de «A Infanta Capelista» de Camilo Castelo Branco ou Como se Arrancam as Penas a Um Empavonado «Camelianista», 1958; Leonardo Da Vinci e o Seu Tempo, 1959; Velásquez, 1961; Ferreira de Castro.
A obra e o Homem, 1961; Zola – O Escritor e a Sua Época, 1966
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JAIME BRASIL e o Suplemento Semanal Ilustrado de A Batalha
por Luís Garcia e Silva *
Artur Jaime Brasil Luquet Neto nasceu em Angra do Heroísmo a 22 de Janeiro de 1896 e fez parte duma plêiade de militantes libertários terceirenses seus contemporâneos que só viria a conhecer em Lisboa.
O mais velho, António José de Ávila, era na I República, o decano e figura tutelar dos anarquistas lisboetas, tendo falecido em 1923.(1) Adriano Botelho e Aurélio Quintanilha (nascidos em Angra, 1892) vieram estudar para o Continente e, embora mais velhos que Brasil, faleceriam muito depois dele, em 1983 e 1987 respectivamente. Os contactos com estes últimos afrouxaram durante a Guerra Civil espanhola e a II Guerra Mundial por Jaime Brasil ter ido para Espanha (escreveu de Madrid a Ferreira de Castro em Outubro de1937) e daí para Paris onde já se achava em princípios de Novembro. Ali foi secretário-geral da União dos Jornalistas Amigos da República Francesa. Manteve-se em Paris após a ocupação alemã (Junho de 1940) até final do ano, regressando para ocupar, no início de Janeiro de 1941, o lugar de redactor em O Primeiro de Janeiro. Detido, julgado e condenado a vinte meses de prisão, que cumpriu no Aljube e em Caxias, retomou em 1942 o seu lugar no jornal portuense, deslocando-se raramente à capital por motivos profissionais ou para conviver com os amigos íntimos. Quintanilha, afastado da docência por motivos políticos, seguiu para Lourenço Marques em 1943.
A colaboração de Brasil em A Batalha, da C.G.T., diz essencialmente respeito ao seu Suplemento Semanal. (2) A colaboração iniciou-se no nº 4 (24/12/1923) com uma série intitulada «Paradoxos Bárbaros» que abriu com o tema O Teatro. Esta coluna prosseguiu irregularmente até ao nº 51 tratando sucessivamente Do Desporto, Da Morte, Dos Brinquedos, Dos Livros, Do Ódio, Das Jóias, Da Língua e Da Moral
Jaime Brasil teve a seu cargo uma coluna de crítica literária intitulada «Através dos Livros» que se prolongou do nº 2 ao nº 135 (28/6/1926). Os três primeiros números dessa coluna não vinham assinados. (3) O quarto, já subscrito, foi inteiramente dedicado à apreciação de O Paço do Milhafre, colectânea de contos do seu conterrâneo (e jovem admirador) Vitorino Nemésio. Entre as obras revistas encontram-se algumas de Afonso Lopes Vieira, António de Cértima, Campos Lima, Ferreira de Castro, etc. Voltamos a ter de permeio colunas não assinadas (nos 82, 88, 114 e 115). Desta vez curtas apreciações dum maior número de títulos.
A crítica de livros não se confinou a esta coluna, podendo encontrar-se fora dela artigos mais extensos sobre obras e autores como Antero de Quental e os fariseus; Anatole France. A morte do grande escritor; O Senhor Rei D. Sebastião e o livro do Sr. António Sérgio, tema que prossegue com Camões e D. Sebastião e com Ainda o Sr. D. Sebastião; Cavalgada do Sonho, um novo livro de Julião Quintinha ou Um livro póstumo de Eça de Queiroz. A síntese admirável da mentalidade burguesa na actividade política (4)
Porém, a coluna que mais impacto teve no público leitor do Suplemento foi a «Voz que clama no deserto», série de 21 cartas sobre temas nacionais em tom que oscilou entre o profético e o irónico, atingindo por vezes causticidade extrema. São disso exemplo o Discurso sobre a política nacional, quando já se avizinhava o 28 de Maio: «Evidentemente que temos os generais e as forças vivas – temos a ditadura. Ditadura, porém, tem sido isto sempre, ora ditadura do rei, ora do executivo, ora do legislativo. Ditadura heróica com Afonso Henriques, ditadura doida com D. Sebastião, ditadura às direitas com Pombal, ditadura às esquerdas com Afonso Costa, ditadura civil com os Cabrais, ou com o António Maria, ditadura militar com o Sidónio ou com o Vitorino, ditadura de saias com a Srª D. Maria II, ditadura de botas e esporas com o sr. Manuel Maria, e até já os ditadores do Alcaide – essa terra famosa para homens bravos – foram experimentados e não deram resultado nenhum.»
Outro exemplo é o da Carta ao sr. António Maria da Silva sobre a teoria do saque e a higiene pública, onde, a dada altura, se pode ler: «Quando me decidi, contudo, a considerá-lo o segundo grande estadista de Portugal, foi ao pronunciar V. aquela afirmação célebre de que o país estava a saque. Fiz-me seu devoto, passei como todos nós, os bons portugueses, a tratá-lo carinhosamente, familiarmente, pelo Silva, pelo António Maria. A minha ternura vai a ponto de já o tratar na Farmácia cá de Redondo só por o António, e se não o trato simplesmente por Maria, é por receio de o confundir com a Imaculada.»
Mas os exemplos são muitos, como o da jocosa carta dirigida ao então presidente da República, Teixeira Gomes, Carta ao Presidente da Finelândia sobre uma campanha “moralizadora” da sua polícia, ou a diatribe contra as touradas na Carta ao sr. Governador Civil com um pedido particular.
«A Voz que clama no deserto», iniciada em 3 de Março de 1924, durou até 7 de Julho de 1926 sendo esta última carta, sobre os acontecimentos subsequentes ao 28 de Maio – Cartas da China. I Aspectos e impressões da vida na Celeste República – subscrita por Tsing-Wang-Li e não pela «Voz que clama no deserto» (para despistar a censura?).
Digna de realce é também a polémica com Raul Proença, intitulada «Em defesa do jornalismo». Suscitada pelo seareiro e alto quadro da Biblioteca Nacional que, proclamando-se “o primeiro jornalista da república” e declarando “escrever de graça” na Seara Nova considerava os jornalistas remunerados indignos de empunhar a pena. A refutação de Jaime Brasil corre por três artigos: O sr. Raul Proença e o seu soberano desprezo pelos que na imprensa trabalham; Ou a irritação produzida num polemista por quem não é polemista e Resposta à parte doutrinária dum artigo de polémica do sr. Raul Proença. Veemente mas educada embora o primeiro artigo conclua dizendo que “tanta altivez, tanta independência, tanta sinceridade temos nós ao escrever este artigo pago, como o sr. Raul Proença a dizer sandices de borla.” Exasperado com a contestação, Proença trata Brasil de “arrieiro analfabeto”, “rafeiro que ladra e morde nas canelas”, que uma “análise científica” devia revelar nele “ancestralidades de eguariços arremangados”. A resposta de Brasil foi contundente mas correctíssima, limitando-se a mencionar os insultos de que foi alvo – chamando assim a atenção para a falta de educação do interlocutor – e a pôr a nu a incongruência do seu palavrório.
Outra não menos interessante polémica foi a travada com António Sérgio, uma série de quatro artigos sobre «Os verdadeiros e reflexivos heróis no conceito do sr. António Sérgio». O primeiro destes artigos situava um problema que já vinha dos trabalhos críticos de Sérgio em O Desejado e Camões e D. Sebastião, que desmitificavam o monarca e eram dedicados à memória de Nun’Álvares, Infante D.Henrique e D.João II, qualificados de verdadeiros e reflexivos heróis. Qualificativos que Brasil contesta, aceitando o critério de herói de António Sérgio – um delineador consciente de planos de grande alcance com a inerente capacidade de os levar à prática, independentemente dos meios utilizados para o efeito. Ora é precisamente a existência desses planos de longo alcance e dos meios adequados à sua execução que Jaime Brasil refuta, reduzindo Nun’Álvares à condição de fidalgo medievo, teso e beato (compara-o até ao comandante da polícia Ferreira do Amaral) e o Infante D.Henrique à condição de mero “chatim negreiro”. A D.João II atribui o desejo obsessivo de lograr dote suficiente para casar o filho com a herdeira do trono de Castela, visando unificar a Península sob o ceptro do seu putativo sucessor. A estreiteza mental dos personagens retirava-lhes implicitamente a estatura de heróis.
Muito informativa é a série de 10 artigos denominada «Apontamentos sobre jornalismo» com dados históricos sobre o aparecimento do jornal e evolução deste e da profissão de jornalista fora e, sobretudo, adentro das fronteiras pátrias. É uma verdadeira Introdução à História do Jornal e do Jornalismo para ilustração dos leitores de A Batalha. Mencionaremos de relance os títulos específicos de cada um dos artigos. I – A insuficiência de trabalhos relativos à história da imprensa periódica; II – Onde e como surgiram os primeiros jornais; III – O desenvolvimento do periodismo na Europa no século XVII; IV – Os primeiros periódicos portugueses; V – A primeira gazeta portuguesa e quem foi o seu primeiro redactor; VI – A evolução do periodismo em Portugal; VII – O jornalismo português no século XIX; VIII – A primeira associação jornalística que houve em Portugal; IX – A organização corporativa da classe dos profissionais da Imprensa; X – A liberdade de imprensa na Rússia.
«Da profissão de Jornalista» é outra série dedicada à elucidação do quadro legal e condições materiais em que operam os jornalistas, como facilmente se depreende dos temas tratados: I – Onde se procura definir o que seja profissional do jornalismo; II – A situação dos que exercem a actividade jornalística em Portugal; III – A situação jurídica dos profissionais do jornalismo em Portugal; IV – A situação material e moral dos jornalistas em Inglaterra; V – O contrato de trabalho dos jornalistas italianos elaborado em 1919; VI – As concessões ferroviárias de que gozam os jornalistas italianos; VII – O código de honra dos profissionais do jornalismo.
Não deve estranhar este recorrente interesse pelo jornalismo quem conhecer, não só a dedicação e o brilho com que exerceu a profissão, como o seu empenhamento militante no associativismo da classe.
Resta-nos mencionar a coluna «Questões de ética», quatro artigos como segue: I – A moral nova deve ter por base as leis da biologia; II – O fundamento biológico da moral sexual; III – Ainda algumas palavras sobre moral sexual; IV – A moral biológica e o direito de matar. É quiçá a menos interessante, por mais desactualizada, das colunas de Jaime Brasil.
Cumpre agora recordar que, além do extenso material já referido, há uma vasta gama de artigos sobre temas tão diversos como «O caso jurídico de Germaine Berton»; «A Cantiga da Primavera»; «O diálogo do Amor e da Morte»; «A pena de degredo. O êxito duma campanha jornalística em França»; «O ‘Salão de Outono’ continua brilhantemente as tradições do Palácio das Belas-Artes»; «O direito de matar. Um julgamento do tribunal do Sena que o define insofismavelmente» ou «A semana da criança».
Se pensarmos que esta extensa e variada colaboração teve lugar entre Dezembro de 1923 e Julho de 1926, isto é, cerca de dois anos e meio, num Suplemento semanal de apenas oito páginas, ficamos com a noção, não apenas do enorme esforço desenvolvido pelo autor para a elevação cultural dos trabalhadores portugueses, mas também da importância relativa do seu contributo para este jornal, que não difere significativamente dos de Ferreira de Castro, Adolfo Lima, Nogueira de Brito, Mário Domingues ou Julião Quintinha, para só mencionar alguns de entre os mais constantes e activos colaboradores do Suplemento de A Batalha.
Notas
1 - A sua morte foi noticiada no 2º número (10/12/1923) do Suplemento e o seu funeral foi comovidamente relatado - «Atrás do caixão do Ávila» - no nº4 do mesmo Suplemento por Pinto Quartim, que foi chefe de redacção de A Batalha e mais tarde da delegação em Lisboa do Primeiro de Janeiro.
2 - O Suplemento, que saía à 2ª feira, visava, por um lado, permitir o descanso dominical do pessoal da redacção e da tipografia (uma vez que era composto ao longo da semana precedente), e por outro alargar os horizontes culturais da classe operária a que se destinava.
3 - Jaime Brasil foi responsável pela coluna de crítica literária «Através dos Livros» mas as suas três primeiras edições – nº 2, 5 e 13 – não vêm assinadas, ou porque a coluna ainda lhe não tivesse sido atribuída ou porque não desejasse subscrevê-la e mudasse depois de opinião. Se foi delas o ‘incógnito’ autor a sua colaboração no Suplemento remonta efectivamente ao nº 2 e não ao nº 4.
4 - Trata-se de O Conde d’Abranhos.
* Luís Garcia e Silva é da Direcção do Centro de Estudos Libertários de Lisboa, que edita o jornal «A Batalha»
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O MENTOR DO POETA
por Luís Amaro
Entre os grandes injustiçados, ou injustamente esquecidos, escritores portugueses do século XX figura Jaime Brasil, de seu inteiro nome Artur Jaime Brasil Luquet Neto, n. Angra do Heroísmo, 1896 – m. Lisboa, 1966.
Notabilizou-se como jornalista, repórter (O Japão Actual, 1936; Chalom… Chalom!... Uma Reportagem na Palestina, 1948), crítico literário, biógrafo (Vítor Hugo, 1940; Diderot e a Sua Época, 1941; Vida e Obras de Zola, 1942; Rodin, 1944; Leonardo Da Vinci e o Seu Tempo, 1959; Velázquez, 1960; Ferreira de Castro – a Obra e o Homem, 1961), divulgador cultural e, até, científico (A Questão Sexual, 1932), tradutor (de Balzac, sobre quem escreveu também um informado “escorço”, e de Romain Rolland…). Foi, ainda, um polemista de guerra (Os Padres e a Questão Sexual, 1932, visando o diário lisboeta católico Novidades; carta Particular (com Vistas à Opinião Pública [...]), 1950; O Caso de “A Infanta Capelista” de Camilo [...] ou Como se Arrancam as Penas a um Empavonado “Camelianista”, 1958 (repare-se no “camelianista” [...]). A propósito da Carta Particular, dirigida a Agustina Bessa-Luís e suscitada pela reacção da Escritora à sua crítica, em “Das Artes, das Letras” de 2-8-50, ao romance Os Super-Homens, é preciso desmentir que Jaime Brasil veio para Lisboa, chefiar a delegação de O Primeiro de Janeiro, por causa dessa controvérsia: porque, além de em 5-10-49 ter saudado a excepcional estreia de Agustina no romance “Mundo Fechado”, só em finais de 50 o jornalista retornou à capital, onde permaneceu até morrer, ao serviço do Janeiro e trabalhando, incansavelmente, nas traduções de Balzac, para a Portugália Editora. A polémica referida não deixa de revelar, ou confirmar, o peso que tinham as recensões – que se contam por centenas na página literária do jornal portuense, por muitos considerado, nesse tempo já remoto – podemos testemunhá-lo… – o melhor do País, pela isenção e feitura exemplares a que Jaime Brasil não era alheio, mestre de jornalistas, sem formação universitária embora.
Cerca de seis anos mais velho que o seu patrício Vitorino Nemésio (n. 1901), e sendo este ainda criança, foi Jaime Brasil, em 1915, o “mentor de iniciação literária e agnóstica” do futuro e celebrado poeta e romancista, na terra natal de ambos. Seis anos, também, volvidos (1921), Jaime Brasil, já em Lisboa como alferes miliciano, acolheria e guiaria o juvenil amigo.
JAIME BRASIL e o Suplemento Semanal Ilustrado de A Batalha
por Luís Garcia e Silva *
Artur Jaime Brasil Luquet Neto nasceu em Angra do Heroísmo a 22 de Janeiro de 1896 e fez parte duma plêiade de militantes libertários terceirenses seus contemporâneos que só viria a conhecer em Lisboa.
O mais velho, António José de Ávila, era na I República, o decano e figura tutelar dos anarquistas lisboetas, tendo falecido em 1923.(1) Adriano Botelho e Aurélio Quintanilha (nascidos em Angra, 1892) vieram estudar para o Continente e, embora mais velhos que Brasil, faleceriam muito depois dele, em 1983 e 1987 respectivamente. Os contactos com estes últimos afrouxaram durante a Guerra Civil espanhola e a II Guerra Mundial por Jaime Brasil ter ido para Espanha (escreveu de Madrid a Ferreira de Castro em Outubro de1937) e daí para Paris onde já se achava em princípios de Novembro. Ali foi secretário-geral da União dos Jornalistas Amigos da República Francesa. Manteve-se em Paris após a ocupação alemã (Junho de 1940) até final do ano, regressando para ocupar, no início de Janeiro de 1941, o lugar de redactor em O Primeiro de Janeiro. Detido, julgado e condenado a vinte meses de prisão, que cumpriu no Aljube e em Caxias, retomou em 1942 o seu lugar no jornal portuense, deslocando-se raramente à capital por motivos profissionais ou para conviver com os amigos íntimos. Quintanilha, afastado da docência por motivos políticos, seguiu para Lourenço Marques em 1943.
A colaboração de Brasil em A Batalha, da C.G.T., diz essencialmente respeito ao seu Suplemento Semanal. (2) A colaboração iniciou-se no nº 4 (24/12/1923) com uma série intitulada «Paradoxos Bárbaros» que abriu com o tema O Teatro. Esta coluna prosseguiu irregularmente até ao nº 51 tratando sucessivamente Do Desporto, Da Morte, Dos Brinquedos, Dos Livros, Do Ódio, Das Jóias, Da Língua e Da Moral
Jaime Brasil teve a seu cargo uma coluna de crítica literária intitulada «Através dos Livros» que se prolongou do nº 2 ao nº 135 (28/6/1926). Os três primeiros números dessa coluna não vinham assinados. (3) O quarto, já subscrito, foi inteiramente dedicado à apreciação de O Paço do Milhafre, colectânea de contos do seu conterrâneo (e jovem admirador) Vitorino Nemésio. Entre as obras revistas encontram-se algumas de Afonso Lopes Vieira, António de Cértima, Campos Lima, Ferreira de Castro, etc. Voltamos a ter de permeio colunas não assinadas (nos 82, 88, 114 e 115). Desta vez curtas apreciações dum maior número de títulos.
A crítica de livros não se confinou a esta coluna, podendo encontrar-se fora dela artigos mais extensos sobre obras e autores como Antero de Quental e os fariseus; Anatole France. A morte do grande escritor; O Senhor Rei D. Sebastião e o livro do Sr. António Sérgio, tema que prossegue com Camões e D. Sebastião e com Ainda o Sr. D. Sebastião; Cavalgada do Sonho, um novo livro de Julião Quintinha ou Um livro póstumo de Eça de Queiroz. A síntese admirável da mentalidade burguesa na actividade política (4)
Porém, a coluna que mais impacto teve no público leitor do Suplemento foi a «Voz que clama no deserto», série de 21 cartas sobre temas nacionais em tom que oscilou entre o profético e o irónico, atingindo por vezes causticidade extrema. São disso exemplo o Discurso sobre a política nacional, quando já se avizinhava o 28 de Maio: «Evidentemente que temos os generais e as forças vivas – temos a ditadura. Ditadura, porém, tem sido isto sempre, ora ditadura do rei, ora do executivo, ora do legislativo. Ditadura heróica com Afonso Henriques, ditadura doida com D. Sebastião, ditadura às direitas com Pombal, ditadura às esquerdas com Afonso Costa, ditadura civil com os Cabrais, ou com o António Maria, ditadura militar com o Sidónio ou com o Vitorino, ditadura de saias com a Srª D. Maria II, ditadura de botas e esporas com o sr. Manuel Maria, e até já os ditadores do Alcaide – essa terra famosa para homens bravos – foram experimentados e não deram resultado nenhum.»
Outro exemplo é o da Carta ao sr. António Maria da Silva sobre a teoria do saque e a higiene pública, onde, a dada altura, se pode ler: «Quando me decidi, contudo, a considerá-lo o segundo grande estadista de Portugal, foi ao pronunciar V. aquela afirmação célebre de que o país estava a saque. Fiz-me seu devoto, passei como todos nós, os bons portugueses, a tratá-lo carinhosamente, familiarmente, pelo Silva, pelo António Maria. A minha ternura vai a ponto de já o tratar na Farmácia cá de Redondo só por o António, e se não o trato simplesmente por Maria, é por receio de o confundir com a Imaculada.»
Mas os exemplos são muitos, como o da jocosa carta dirigida ao então presidente da República, Teixeira Gomes, Carta ao Presidente da Finelândia sobre uma campanha “moralizadora” da sua polícia, ou a diatribe contra as touradas na Carta ao sr. Governador Civil com um pedido particular.
«A Voz que clama no deserto», iniciada em 3 de Março de 1924, durou até 7 de Julho de 1926 sendo esta última carta, sobre os acontecimentos subsequentes ao 28 de Maio – Cartas da China. I Aspectos e impressões da vida na Celeste República – subscrita por Tsing-Wang-Li e não pela «Voz que clama no deserto» (para despistar a censura?).
Digna de realce é também a polémica com Raul Proença, intitulada «Em defesa do jornalismo». Suscitada pelo seareiro e alto quadro da Biblioteca Nacional que, proclamando-se “o primeiro jornalista da república” e declarando “escrever de graça” na Seara Nova considerava os jornalistas remunerados indignos de empunhar a pena. A refutação de Jaime Brasil corre por três artigos: O sr. Raul Proença e o seu soberano desprezo pelos que na imprensa trabalham; Ou a irritação produzida num polemista por quem não é polemista e Resposta à parte doutrinária dum artigo de polémica do sr. Raul Proença. Veemente mas educada embora o primeiro artigo conclua dizendo que “tanta altivez, tanta independência, tanta sinceridade temos nós ao escrever este artigo pago, como o sr. Raul Proença a dizer sandices de borla.” Exasperado com a contestação, Proença trata Brasil de “arrieiro analfabeto”, “rafeiro que ladra e morde nas canelas”, que uma “análise científica” devia revelar nele “ancestralidades de eguariços arremangados”. A resposta de Brasil foi contundente mas correctíssima, limitando-se a mencionar os insultos de que foi alvo – chamando assim a atenção para a falta de educação do interlocutor – e a pôr a nu a incongruência do seu palavrório.
Outra não menos interessante polémica foi a travada com António Sérgio, uma série de quatro artigos sobre «Os verdadeiros e reflexivos heróis no conceito do sr. António Sérgio». O primeiro destes artigos situava um problema que já vinha dos trabalhos críticos de Sérgio em O Desejado e Camões e D. Sebastião, que desmitificavam o monarca e eram dedicados à memória de Nun’Álvares, Infante D.Henrique e D.João II, qualificados de verdadeiros e reflexivos heróis. Qualificativos que Brasil contesta, aceitando o critério de herói de António Sérgio – um delineador consciente de planos de grande alcance com a inerente capacidade de os levar à prática, independentemente dos meios utilizados para o efeito. Ora é precisamente a existência desses planos de longo alcance e dos meios adequados à sua execução que Jaime Brasil refuta, reduzindo Nun’Álvares à condição de fidalgo medievo, teso e beato (compara-o até ao comandante da polícia Ferreira do Amaral) e o Infante D.Henrique à condição de mero “chatim negreiro”. A D.João II atribui o desejo obsessivo de lograr dote suficiente para casar o filho com a herdeira do trono de Castela, visando unificar a Península sob o ceptro do seu putativo sucessor. A estreiteza mental dos personagens retirava-lhes implicitamente a estatura de heróis.
Muito informativa é a série de 10 artigos denominada «Apontamentos sobre jornalismo» com dados históricos sobre o aparecimento do jornal e evolução deste e da profissão de jornalista fora e, sobretudo, adentro das fronteiras pátrias. É uma verdadeira Introdução à História do Jornal e do Jornalismo para ilustração dos leitores de A Batalha. Mencionaremos de relance os títulos específicos de cada um dos artigos. I – A insuficiência de trabalhos relativos à história da imprensa periódica; II – Onde e como surgiram os primeiros jornais; III – O desenvolvimento do periodismo na Europa no século XVII; IV – Os primeiros periódicos portugueses; V – A primeira gazeta portuguesa e quem foi o seu primeiro redactor; VI – A evolução do periodismo em Portugal; VII – O jornalismo português no século XIX; VIII – A primeira associação jornalística que houve em Portugal; IX – A organização corporativa da classe dos profissionais da Imprensa; X – A liberdade de imprensa na Rússia.
«Da profissão de Jornalista» é outra série dedicada à elucidação do quadro legal e condições materiais em que operam os jornalistas, como facilmente se depreende dos temas tratados: I – Onde se procura definir o que seja profissional do jornalismo; II – A situação dos que exercem a actividade jornalística em Portugal; III – A situação jurídica dos profissionais do jornalismo em Portugal; IV – A situação material e moral dos jornalistas em Inglaterra; V – O contrato de trabalho dos jornalistas italianos elaborado em 1919; VI – As concessões ferroviárias de que gozam os jornalistas italianos; VII – O código de honra dos profissionais do jornalismo.
Não deve estranhar este recorrente interesse pelo jornalismo quem conhecer, não só a dedicação e o brilho com que exerceu a profissão, como o seu empenhamento militante no associativismo da classe.
Resta-nos mencionar a coluna «Questões de ética», quatro artigos como segue: I – A moral nova deve ter por base as leis da biologia; II – O fundamento biológico da moral sexual; III – Ainda algumas palavras sobre moral sexual; IV – A moral biológica e o direito de matar. É quiçá a menos interessante, por mais desactualizada, das colunas de Jaime Brasil.
Cumpre agora recordar que, além do extenso material já referido, há uma vasta gama de artigos sobre temas tão diversos como «O caso jurídico de Germaine Berton»; «A Cantiga da Primavera»; «O diálogo do Amor e da Morte»; «A pena de degredo. O êxito duma campanha jornalística em França»; «O ‘Salão de Outono’ continua brilhantemente as tradições do Palácio das Belas-Artes»; «O direito de matar. Um julgamento do tribunal do Sena que o define insofismavelmente» ou «A semana da criança».
Se pensarmos que esta extensa e variada colaboração teve lugar entre Dezembro de 1923 e Julho de 1926, isto é, cerca de dois anos e meio, num Suplemento semanal de apenas oito páginas, ficamos com a noção, não apenas do enorme esforço desenvolvido pelo autor para a elevação cultural dos trabalhadores portugueses, mas também da importância relativa do seu contributo para este jornal, que não difere significativamente dos de Ferreira de Castro, Adolfo Lima, Nogueira de Brito, Mário Domingues ou Julião Quintinha, para só mencionar alguns de entre os mais constantes e activos colaboradores do Suplemento de A Batalha.
Notas
1 - A sua morte foi noticiada no 2º número (10/12/1923) do Suplemento e o seu funeral foi comovidamente relatado - «Atrás do caixão do Ávila» - no nº4 do mesmo Suplemento por Pinto Quartim, que foi chefe de redacção de A Batalha e mais tarde da delegação em Lisboa do Primeiro de Janeiro.
2 - O Suplemento, que saía à 2ª feira, visava, por um lado, permitir o descanso dominical do pessoal da redacção e da tipografia (uma vez que era composto ao longo da semana precedente), e por outro alargar os horizontes culturais da classe operária a que se destinava.
3 - Jaime Brasil foi responsável pela coluna de crítica literária «Através dos Livros» mas as suas três primeiras edições – nº 2, 5 e 13 – não vêm assinadas, ou porque a coluna ainda lhe não tivesse sido atribuída ou porque não desejasse subscrevê-la e mudasse depois de opinião. Se foi delas o ‘incógnito’ autor a sua colaboração no Suplemento remonta efectivamente ao nº 2 e não ao nº 4.
4 - Trata-se de O Conde d’Abranhos.
* Luís Garcia e Silva é da Direcção do Centro de Estudos Libertários de Lisboa, que edita o jornal «A Batalha»
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O MENTOR DO POETA
por Luís Amaro
Entre os grandes injustiçados, ou injustamente esquecidos, escritores portugueses do século XX figura Jaime Brasil, de seu inteiro nome Artur Jaime Brasil Luquet Neto, n. Angra do Heroísmo, 1896 – m. Lisboa, 1966.
Notabilizou-se como jornalista, repórter (O Japão Actual, 1936; Chalom… Chalom!... Uma Reportagem na Palestina, 1948), crítico literário, biógrafo (Vítor Hugo, 1940; Diderot e a Sua Época, 1941; Vida e Obras de Zola, 1942; Rodin, 1944; Leonardo Da Vinci e o Seu Tempo, 1959; Velázquez, 1960; Ferreira de Castro – a Obra e o Homem, 1961), divulgador cultural e, até, científico (A Questão Sexual, 1932), tradutor (de Balzac, sobre quem escreveu também um informado “escorço”, e de Romain Rolland…). Foi, ainda, um polemista de guerra (Os Padres e a Questão Sexual, 1932, visando o diário lisboeta católico Novidades; carta Particular (com Vistas à Opinião Pública [...]), 1950; O Caso de “A Infanta Capelista” de Camilo [...] ou Como se Arrancam as Penas a um Empavonado “Camelianista”, 1958 (repare-se no “camelianista” [...]). A propósito da Carta Particular, dirigida a Agustina Bessa-Luís e suscitada pela reacção da Escritora à sua crítica, em “Das Artes, das Letras” de 2-8-50, ao romance Os Super-Homens, é preciso desmentir que Jaime Brasil veio para Lisboa, chefiar a delegação de O Primeiro de Janeiro, por causa dessa controvérsia: porque, além de em 5-10-49 ter saudado a excepcional estreia de Agustina no romance “Mundo Fechado”, só em finais de 50 o jornalista retornou à capital, onde permaneceu até morrer, ao serviço do Janeiro e trabalhando, incansavelmente, nas traduções de Balzac, para a Portugália Editora. A polémica referida não deixa de revelar, ou confirmar, o peso que tinham as recensões – que se contam por centenas na página literária do jornal portuense, por muitos considerado, nesse tempo já remoto – podemos testemunhá-lo… – o melhor do País, pela isenção e feitura exemplares a que Jaime Brasil não era alheio, mestre de jornalistas, sem formação universitária embora.
Cerca de seis anos mais velho que o seu patrício Vitorino Nemésio (n. 1901), e sendo este ainda criança, foi Jaime Brasil, em 1915, o “mentor de iniciação literária e agnóstica” do futuro e celebrado poeta e romancista, na terra natal de ambos. Seis anos, também, volvidos (1921), Jaime Brasil, já em Lisboa como alferes miliciano, acolheria e guiaria o juvenil amigo.
Curiosamente, mais seis anos após, no segundo romance publicado, Varanda de Pilatos (1927), Nemésio, que se transfigura em Venâncio, protagonista central da obra, retrata o antigo mestre e companheiro, mascarando-o de Abílio Bastos e intitulando assim o capítulo respectivo (p. 103 da primeira edição):
“Em que o leitor conhece uma personagem de vulto nesta verídica história. Fala-se do amor livre, e Venâncio decide converter-se à grei dos anarquistas.”
Em 1935, dedica-lhe a sua estreia poética adulta, em francês escrita, La voyelle promise (Coimbra, Edições Presença): “Ao JAIME BRASIL, em bom português, pelo muito que lhe devo da minha formação na adolescência. E ainda por algum pão que o diabo não amassou em 1921.” (As maiúsculas no dedicatário e ao sublinhado na data constam da edição original.) Palavras bem expressivas da amizade que os unia e a que Jaime Brasil se manteve sempre fiel, bem como o fraterno Ferreira de Castro, igualmente injustiçado agora e que aquele nunca se cansou de exaltar.
Gostaria de, mais de espaço descrever a acção, diria histórica, de Jaime Brasil à frente da página literária de O Primeiro de Janeiro, “Das Artes * Das Letras” (com grande asterisco separativo), por ele concebida, creio que em 1942, no seguimento de outras suas iniciativas do género (o semanário O Globo, Lisboa, 1930; a página “República das Letras”, no diário República, ibid., 1935…). Todos quantos, no meu tempo, se interessavam por “artes e letras” liam sofregamente essa página e a aguardavam às quartas-feiras, porque nela confluíam muitos nomes prestigiosos, de várias gerações e diferentes sectores, que me seria difícil enumerar indiscriminadamente. E também porque não havia então novidade literária ou artística que Jaime Brasil não relevasse, em nótulas mais ou menos extensas e geralmente oculto (quantas vezes por inconfessáveis suspeições políticas…) sob a inicial A. a de seu nome Artur. Bastará, entretanto, acrescentar que a vida do nosso homem foi, nobremente, acidentada – conheceu, como tantos de igual craveira cívica, a prisão, a mordaça, o exílio; talvez, em certos períodos até (atendesse na dedicatória nemesiana) anteriores ao Estado Novo, a fome… E com que estóica dignidade ele suportou a luta!
Massamá, 12 – XI – 2007.
P.S. – Na bibliografia falta-nos citar a sua incursão, em 1937, no domínio erudito, ao reeditar, com prefácio, actualização ortográfica, anotações e revisão, a “Arte de Furtar”, cuja autoria, supostamente atribuída ao Padre António Vieira e ainda hoje problemática, Jaime Brasil questionou com documentada minúcia. A sua cultura era, para um autodidacta liceal, enciclopédica.
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Jaime Brasil e Ferreira de Castro irmãos
por Joaquim de Montezuma de Carvalho (Portugal) e Jorge Tufic (Brasil)
Lembrar o açoriano Jaime Brasil (Angra do Heroísmo, 1896 – Lisboa, 1966) é realçar as melhores virtudes do açoriano, tipificadas em Antero de Quental (Ponta Delgada, 1842 – id, 1891), a verticalidade nas ideias de emancipação do homem e, simultaneamente, a doçura do trato que, em tantos ideólogos, inexiste. Ele, como Antero, cumpriu a receita espinosiana sintetizada em Pascal (1623–1662): “Dois excessos: - excluir a razão e só admitir a razão”, e que, hoje, o cientista neurologista António Damásio elevou aos píncaros da lua (e ainda bem).
Jaime Brasil está eliminado na formosa e insegura “História da Literatura Portuguesa” do duo António José Saraiva e Óscar Lopes porque estes sábios têm noção francesa e restritiva do que é ou não é literatura. Assim é o meu país de purificações sucessivas. Todavia, Jaime Brasil é o enérgico e vivaço escritor de maravilhosas biografias sobre Zola, Diderot, Ródin, Leonardo da Vinci, Velázquez e… Ferreira de Castro. São livros cheios de estilo, a explodir humanismo, a ler-se melhor do que os muitos “escritores” de novelas e poesias versados pelo duo míope. Quem perde é a cultura. O valor literário passou a estar mais na cultura do que nos inócuos formalismos dos chamados “géneros literários”. Jaime Brasil pertence a esta literatura culta que se não prende a “criar” contos, dramas, poemas, romances…
Fui muito amigo do Jaime Brasil e ele meu amigo. Sei que a sua devoção maior foi por Ferreira de Castro (Ossela, Oliveira de Azeméis 1898 – Porto, 1974). O seu livro “Ferreira de Castro, a obra e o homem”, de 1961, em parte reaparecido como intróito à edição das “Obras Completas” que a Círculo de Leitores lançou em dezoito volumes, em 1984, contém o exacto perfil do nosso tão luso-brasileiro novelista, alma desabrochada no Amazonas, daí lhe vindo a nomeada com “A Selva” (1930) e contém sobretudo dois elementos do maior significado e são igualmente o que foi Jaime Brasil para ele mesmo Jaime Brasil: “O caso de Ferreira de Castro é, portanto, diferente do de todos os outros escritores seus compatriotas. É o dum camponês, que passou a infância numa aldeia serrana e a adolescência no recesso da floresta virgem. O seu encontro com a civilização deu-se em centros que não gozam de grande prestígio intelectual. Foi, assim, o construtor da sua própria personalidade”, o que vale para Jaime Brasil, irmão nesse erguer-se de si próprio. O outro elemento do valor capitalino e estelar está no acertado pioneirismo: - “É Ferreira de Castro o primeiro escritor de sentido social aparecido em língua portuguesa. Antecedeu, de vários anos, os romancistas de temas sociais das literaturas da América, tanto do Norte como do Centro e Sul”. Nada mais exacto para quem esteja dentro destas literaturas pós-colombinas. Aqui chegou Ferreira de Castro, homem independente, por amante da liberdade e ser-lhe penoso testemunhar misérias sem apontar o rebelde grito do não corajoso e exemplar (outra faceta do irmão seu, o Jaime Brasil).
Nesta festa à memória de Jaime Brasil a Amazónia tinha de estar aqui presente com o poeta, contista, ensaísta e jornalismo Jorge Tufic, nascido em Serra Madureira, em 1930, e com mais de quarenta livros publicados, entre eles “Existe uma literatura amazonense?” E Jorge Tufic conhece a Amazónia de Ferreira de Castro como mais ninguém, Pedi-lhe o texto e ele veio rápido por saber que, no além, o Jaime Brasil irá ficar encantado nesta união de irmãos corajosos, independentes e belicosos no melhor sentido da cristandade. Aqui está, com o título de “Lembranças de Ferreira de Castro”:
- Há uma herma de Ferreira de Castro na Praça Heliodoro Balbi, em Manaus, homenagem da União Brasileira de Escritores (UBE–AM). Nos interiores amazónicos por onde andara e sofrera este homem, devem resistir ao tempo os seringais de sua infância e juventude. Mas há um prédio na rua Marechal Deodoro, com a placa em bronze da veterana firma J. G. Araújo, que simboliza todo esse período económico de grandeza e baixaria tão bem descrito por António Loureiro, sem seu livro “A Grande Crise”.
Numa dessas portas do vetusto escritório adentrara, com certeza, o Ferreira de Castro menino a que se refere um outro escritor do Amazonas, Abrahim Baze, na obra intitulada “Ferreira de Castro, um Emigrante Português na Amazónia”, talvez em busca dos primeiros contactos para conseguir trabalho. Terá, contudo, desistido, indo bater em outra porta, desta vez a do Comendador J. B. Aragão. Quis, no entanto, o destino que ele seguisse viagem até ao rio Madeira.
Algumas fotos, sempre repetidas, documentam o itinerário do autor de “A Selva” a partir do navio “Justo Chermont”, o Porto de Manaus, a avenida Eduardo Ribeiro, o Largo da Matriz, casas aviadoras, armazéns de borracha, a produção do látex nos seringais, tudo ao lado do escasso relicário afectivo deixado nos beiradões, gente humilde após uma caçada e porcos do mato (caitetus) estirados no chão.
São estas as facetas exteriores do escritor. Em seu íntimo, porém, cresciam os contrastes e avolumavam-se as imagens destinadas a transformar todos os aparentes fracassos em retumbantes sucessos literários. A vida sabe para onde joga, e as coisas sabem acontecer. O que seria dos injustiçados e da literatura amazonense, se Ferreira de Castro tivesse conquistado um título de seringalista ou proprietário de casa aviadora? Ou um canudo de bacharel em Direito?
Não sei porquê, mas sempre acho que sua vida e seu sofrimento ainda circulam nos ares de Manaus, valorizando os monumentos históricos. E qualquer fotografia dos horrores dos seringais tem muito a ver com os textos (conhecidos e desconhecidos) de Ferreira de Castro”.
Assim escreveram Joaquim de Montezuma de Carvalho e Jorge Tufic num abraço bem luso-brasileiro para dois irmãos da mesma espécie, os sempre recordados Jaime Brasil e Ferreira de Castro.