Recorde-se ainda o nosso texto acerca das primeiras lutas ecologistas em Portugal publicado no Pimenta Negra em Fevereiro de 2005: ver aqui
Há exactamente 25 anos atrás a população de Sines organizou uma "greve verde" contra o lançamento de esgotos industriais no mar e pela entrada em funcionamento de uma ETAR. Dezenas de barcos de pesca encalharam todos ao largo do porto industrial e impediram que os petroleiros entrassem ou saíssem para fazerem descargas de crude, apesar das intimidações da polícia marítima.
Hoje mesmo cerca de 20 barcos de pesca simularam um novo bloqueio para evocar a "greve verde" e lembrar que a luta contra a poluição em Sines ainda não tem um fim à vista.
Em 1982, Sines realiza a primeira Greve Verde do país. Na sequência de descargas na costa norte de Sines, a 28 de Maio, os trabalhadores de Sines paralisam totalmente a actividade económica da vila. O povo de Sines enche as ruas em manifestação. Uma dúzia de dias depois (8 de Junho) os pescadores bloqueiam o porto industrial. Um dos acontecimento pioneiros na formação de uma consciência ecológica do país.
Programa das comemorações:
A greve «verde» em Sines
Texto de João Madeira
No próximo dia 8 de Junho perfazem 25 anos sobre a "greve verde" em Sines. Tratou-se talvez da movimentação social mais importante e do protesto popular mais radical da história recente de Sines, contra os impactos negativos do complexo industrial. Um acontecimento, aliás, creio que único e pleno de interesse e actualidade, projectado nos dias de hoje.
No final dos anos 70, com o complexo portuário-industrial já em funcionamento, os pescadores começam a perceber que a pesca tinha sido riscada dos planos de desenvolvimento de Sines. O porto de pesca, velha reivindicação de muitas dezenas de anos, havia sido descartado desses planos e projectos.
No entanto, faltavam as infraestruturas de tratamento dos esgotos industriais. Sem ETAR a funcionar, a Refinaria lança os seus esgotos industriais para o mar, ao mesmo tempo que é quase constante o crude nas praias resultante das operações de descarga e lavagem dos tanques dos petroleiros.
A questão ambiental adquire importância na consciência da população local e os pescadores cedo se adiantam nessa percepção. O peixe que capturam está frequentemente doente, contaminado.
A reivindicação do porto de pesca articula-se com a reclamação contra a contaminação do pescado num caminho de protesto social que vai desembocar na "greve verde", a 8 de Junho de 1982.
Nesse percurso, o PCP, com forte presença entre os pescadores, procura canalizar esses protestos num movimento enquadrado pela autarquia, onde são maioritários, para, mediando, protestar institucionalmente, em nome dos pescadores junto das diferentes instâncias oficiais.
Nessa linha, a 23 de Maio de 1982, a Câmara municipal convoca uma reunião geral de pescadores com a questão da poluição como último ponto, depois do porto de pesca, evidentemente. Porém, na própria reunião, a situação inverte-se e os pescadores impõem a prioridade à poluição, levantam a possibilidade de uma greve que entendem dever ser alargada a outros sectores e criam mesmo, logo ali, uma comissão de luta.
É esta comissão de luta que fixa o dia 28 como data da greve, acompanhada de concentração junto à Câmara Municipal. Não perdem tempo com a sua preparação junto das empresas, do comércio local e da população em geral, ao mesmo tempo que pressionam o governo.
A grande reivindicação é pôr a ETAR de Ribeira de Moinhos a funcionar, de modo a que os efluentes industriais não sejam lançados no mar.
A 28, a greve é praticamente geral: paralisam completamente as actividades portuárias, encerra o comércio e os seus efeitos fazem-se sentir no sector energético e nas conservas. A concentração junto aos paços do concelho é enorme. De todo o lado chegavam abaixo-assinados de solidariedade e apoio - da União dos Sindicatos, das empresas, escolas, repartições públicas, correios.
Sem que a situação se resolva, os pescadores radicalizam. Dispostos a endurecer formas de luta, querem bloquear o porto, impedir os movimentos de carga e descarga dos petroleiros. É a custo que aceitam dar novo prazo ao Governo até 7 de Junho.
Mas o bloqueamento do porto está em cima da mesa, assente na determinação dos pescadores. Sem resposta do Governo, a 8 de Junho as embarcações de pesca bloqueiam completamente o acesso aos terminais portuários.
A meio do dia, a Polícia marítima intervém. Faz a primeira investida. As suas lanchas cercam os barcos de pesca, intimidam, as hélices rodopiam a alta velocidade, agitando as águas da baía, dão ordens para que o bloqueio seja levantado. Os pescadores resistem e a polícia recua, alinha frente às embarcações dos pescadores para investir de seguida, intimidando, agredindo, cortando os cabos de ancoragem que mantinham os pescadores fundeados. Fintando a polícia e evitando-a, os pescadores não abandonam o local, enquanto alguns zarpam a terra para carregarem gasóleo com que queriam "deitar fogo ao mar".
A situação tornava-se explosiva e o confronto iminente. De terra, alguns elementos da Comissão de Luta seguidos de centenas de populares, muitas mulheres de pescadores, cercam a Capitania do Porto e forçam ser recebidos. Ao capitão de Porto restava ceder. Foi o que fez, dando ordem para que as lanchas da Polícia Marítima se retirassem da baía.
O bloqueio foi de imediato reposto pelos pescadores e prosseguiu até final do dia, como previsto.
Ao fim da tarde desse dia, numa reunião de urgência convocada pelo Gabinete da Área de Sines, representando o Governo, era garantido que a ETAR de Ribeira de Moinhos começaria a funcionar no prazo de uma semana, o que aconteceu.
A greve verde de Sines saldava-se por um enorme êxito. O caminho do alargamento e da radicalização unira sectores muito largos da população e impusera uma reivindicação que colocara a questão ambiental na ordem de prioridade do movimento de protesto social.
A 25 de anos de distância, o seu exemplo surge carregado de ensinamentos. A sua evocação tem muito mais do que uma mera carga histórica, pois hoje muitos dos problemas que se esperavam resolvidos persistem.
A ETAR de Ribeira de Moinhos não está plenamente aproveitada, o que vem condicionando a sua eficácia. A qualidade das águas que são lançadas pelo emissário mar dentro não são as melhores e o próprio emissário está bastante degradado, com roturas quase à beira mar. Crescem de novo os protestos dos pescadores contra a qualidade do peixe pescado na zona. Parte dos esgotos urbanos de Sines continua a ser descarregada no mar. Muitos dos mau cheiros que continuam a empestar Sines de modo recorrente têm origem na ligação deficiente dos sistemas de pré-tratamento das empresas à ETAR.
A poluição em Sines continua na ordem do dia e constitui um dos mais graves problemas desta região. É por estas razões que a 25 anos de distância, evocar a greve verde é também iluminar um caminho de iniciativa e de acção pela qualidade de vida no Alentejo Litoral.
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