As novas variáveis introduzidas pela Tax Justice Network sobre a corrupção no mundo permitem concluir que os países e as economias mais desenvolvidas são os agentes que mais beneficiam com o fenómeno da corrupção no mundo económico e financeiro.
Até agora a opinião pública mundial habituou-se a associar os grandes centros de corrupção a certos países da África subsahariana ou aos países e governos da América Latina, correspondendo assim a uma perspectiva enviesada acerca da natureza do fenómeno da corrupção e de quem seriam os seus principais agentes. Acontece que recentemente foi divulgado um estudo que revela que são países como a Suíça, o Reino Unido e os Estados Unidos da América aqueles cujos Estados mais favorecem a evasão e a gestão ilegal de capitais cujo montante se estima em 111 biliões de dólares em todo o mundo.
Por meio de instituições privadas baseadas nos seus territórios são assim desviados fundos para os chamados paraísos fiscais com a cobertura ou o beneplácito dos poderes públicos daqueles Estados. Ficou-se também a saber que os governos destes países lutam abertamente contra a adopção de leis fiscais internacionais que fixassem sanções aquelas operações financeiras ilegais que, apesar da sua ilegalidade, não têm sancionamento adequado. Operações de branqueamento de capitais deixa pois de ser fiscalizado com vantagens evidentes para os criminosos. Observou-se, além do mais, que as principais empresas privadas daqueles países se locupletam indevidamente, graças à comissão de vários delitos financeiros que, no entanto, nunca são investigados e ficam, definitivamente, impunes com evidente prejuízo para o erário público e a economia dos respectivos países.
Por ocasião de um ciclo de conferências realizadas no início do mês de Setembro passado e promovido pelo Grupo de Investigação de geografia Económica, John Christensen, elemento pertencente à Tax Justice Network apresentou o referido estudo sobre o estado da corrupção em todo o mundo, demonstrando com dados estatísticos a relação substantiva entre corrupção e a evasão e gestão ilegal de grandes capitais.
Este documento desloca a atenção que habitualmente incidia sobre a corrupção nos países do Terceiro Mundo para os países mais desenvolvidos ao concluir que são estes não só os principais beneficiários como os agentes activos da corrupção. Além disso, serve de contraponto aos relatórios anuais que são apresentados amiúde pela organização Transparência Internacional ( TI) que coloca sistematicamente nos seus rankings de corrupção os países pobres do Terceiro Mundo como os principais agentes de corrupção. Recorde-se que a TI assenta as suas listas na base de um índice de percepção da corrupção que é formulado com informações difíceis de serem verificadas e que são fornecidas por empresários e consultores, cuja identidade é desconhecida, e que supostamente operam no terreno, pelo que os seus interesses são objectivamente conflituantes com os sujeitos da matéria em estudo. Aliás, estes mesmos estudos lançam a sua atenção, quase que exclusivamente, às situações de enriquecimento ilegal no âmbito dos poderes públicos (excluindo sistematicamente as relações de protecção entre governos e agentes privados implicados na gestão de dinheiro sujo), dando especial ênfase aos fenómenos de suborno, tráfico de drogas e armas, contrabando de pessoas e bens. Práticas estas que são endémicas nos países subdesenvolvidos e que, no entanto, só são responsáveis anualmente por 35% da totalidade do dinheiro sujo.
A Tax Justice Network acrescenta, portanto, novos factores para a devida ponderação do fenómeno da corrupção da alta finança. Christensen privilegia, de resto, a questão da oferta na sua análise, mais do que na procura, como tradicionalmente acontecia. Ou seja, oferta de serviços de gestão financeira de dinheiro negro, assim como de pagamentos e subornos por parte de governantes de duvidosa imagem pública, em troca da adjudicação de contratos e prebendas para a exploração de recursos nacionais. Um fenómeno como este implica duas partes, a que paga para receber e a que simplesmente cobra, ainda que até agora só se falava da segunda, deixando de lado os pagadores dos subornos e os beneficiários destas actividades.
O estudo divulgado revela ainda que, para além dos enriquecimento ilegal registado nas instituições públicas, os montantes gerados pelas actividades comerciais e financeiras ilícitas representam anualmente cerca de 65% do fluxo total de dinheiro negro. Estas actividades incluem por exemplo a depreciação fraudulenta, preços abusivos de transferência, transacções falsas ou fraudulentas, assim como o uso de trusts, fundações e paraísos fiscais para lavar e desviar ilegalmente fundos, práticas estas que são exclusivas dos países desenvolvidos e que, para cúmulo, são aí publicitadas e promovidas às claras.
Texto redigido a partir de um artigo publicado no último número do jornal Diagonal, de autoria de Astor Diaz Simón
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