15.10.06

O professor aborrecido em 7 lições, ou como emburrecermo-nos…


(excertos do discurso de John Taylor Gatto aquando da sua nomeação como «New York State Teacher of the Year» de 1991, segundo a tradução portuguesa do livro editado em 2003 pela Porto Editora com o título «Emburrecendo-nos cada vez mais»)


Ensinar significa coisas diferentes em lugares diferentes, mas sete lições são ensinadas universalmente desde Harlem a Hollywood Hills. Estas sete lições constituem um currículo nacional que é pago de muitas formas, mais do que as que consegue imaginar, por isso, não perde nada em saber como é.

(…)

A 1ª lição que eu ensino é a confusão. Tudo o que ensino está fora de contexto. Ensino o não relacionável de tudo. Eu ensino desconexões. Ensino demasiado: a órbita dos planetas, a lei dos grandes números, escravidão, adjectivos, desenho arquitectónico, dança, ginásio, canto coral, assembleias, convidados-surpresa, exercícios de salvamento, linguagens de computador, as noites de pais, dias de trabalho de equipa, programas desactualizados, reuniões de orientação com pessoas que os meus alunos podem não voltar a ver, testes padronizados, segregação etária ao contrário do que se passa no mundo externo…O que é que estas coisas têm a ver entre si?
Até mesmo nas melhores escolas, um exame pormenorizado do currículo e suas sequências revelarão uma falta de coerência, um grande número de contradições internas. Felizmente as crianças não têm palavras para definir o pânico e a fúria que sentem face às violações constantes da ordem natural e sequencial que lhes são impingidas como educação de qualidade. (..) É lançada a confusão nas crianças por muitos adultos estranhos, cada qual trabalhando por si, praticamente não se relacionando com os outros colegas, simulando a maior parte deles, um saber que não possuem.
(…) Eu ensino o não relacionável de tudo, uma fragmentação infinita, o oposto da coesão; o que faço está mais relacionado com a programação de televisão do que com a elaboração de um esquema ordenado. Num mundo onde a residência é só um fantasma, porque ambos os pais trabalham, ou por causa de muitas mudanças ou muitas trocas de emprego e muita ambição, ou porque qualquer outra coisa deixou toda a gente muita confusa para manter uma relação familiar estável, ensino os alunos a aceitar a confusão como o seu destino. Essa é a primeira lição que eu ensino.



A 2ª lição que eu ensino é a posição certa. Ensino que os alunos têm de ficar na turma a que pertencem. Não sei quem é que toma essa decisão, mas isso também não é o meu trabalho. As crianças são numeradas para que se alguma escapar possa ser devolvida à turma certa. Ao longo dos anos, a variedade de modos como as crianças são numeradas pelas escolas aumentou dramaticamente, até que se chegou ao ponto de ser difícil ver claramente os seres humanos debaixo do peso dos números que eles transportam. Numerar crianças é uma grande e vantajosa taerefa, no entanto, aquilo que esta estratégia pretende realizar engana. Nem sei como é que os pais, sem nenhuma discussão, permitem que isto seja feito aos seus filhos.
Em todo caos, isso não é o meu trabalho. O meu trabalho é manter as crianças nas salas de aula juntamente com outras crianças que têm também têm um número como elas. Ou, pelo menos, ajudá-las a suportar isto de bom grado. Se fizer bem o meu trabalhi, as crianças nem sequer se imaginam noutro lugar qualquer, porque ter-lhes-ei mostrado como invejar e temer as melhores turmas e como desprezar as turmas mais fracas. Debaixo desta disciplina eficiente, a turma autopolicia-se para que tudo funcione como está estipulado. Isso é a verdadeira lição de qualquer competição por equipas como é a escola. Aprendemos a conhecer o nosso lugar.
Apesar de as normas gerais das turmas estipularem que noventa e nove por cento das crianças estão na sua turma para ficar, ainda assim esforço-me explicitamnete em exortar as crianças para níveis mais altos de sucesso, sugerindo uma eventual transferência de uma turma mais elementars como recompensa. Lembro-lhes com frequência o dia em que um empregador os contratará com base em pontuações e resultados, embora a minha própria experiência diga que os empregadres são completamente indiferentes a tais coisas. Nunca minto completamente, mas apercibe-me de verdade e ensino são, no fundo, incompatíveis.


A 3ª lição que eu ensino é a indiferença. Ensino as crianças a não se preocuparem muito com nada, embora elas queiram demonstrar que o fazem. O modo como o faço é muito subtil. Faço-o, exigindo que estejam totalmente envolvidas nas minhas aulas, prendendo-lhes a atenção, competindo vigorasamente entre si para me agradar. É animador quando elas fazem isso; impressiona qualquer um, até mesmo a mim. Quando estou no meu melhor, planifico as aulas muito cuidadosamente, de modo a produzir estas manifestações de entusiasmo. Mas quando a campainha toca, ínsito que deixem tudo o que estávamos a fazer e prossigam depressa para o posto de trabalho seguinte. Elas ligam-se e desligam-se como um interruptor de luz. Nunca se consegue acabar nada de importante na minha turma, nem em qualquer outra turma que eu conheça. Os alunos nunca têm uma experiência completa, excepto no plano das recompensas.
Na verdade, a lição das campainhas é a de que nenhum trabalho vale a pena ser concluído, por isso, por que motivo nos havemos de preocupar muito com qualquer coisa?


A 4ª lição que eu ensino é a dependência emocional. Através de elogios e reprimendas, sorrisos e caretas, prémios, honras e humilhações, eu ensino as crianças a renderem a sua vontade à predestinada cadeia de comando. Podem ser concedidos ou recusados direitos por alguém com autoridade, sem direito a apelo, porque os direitos não existem dentro de uma escola – nem mesmo o direito de opinião, como declarou o Supremo Tribunal – a menos que as autoridades escolares o permitam. Como professor, eu intervenho em muitas decisões pessoais, permitindo aquelas que considero legítimas e iniciando um processo disciplinar para os comportamentos que ameacem o meu controlo. As crianças e os adolescentes estão constantemente a tentar afirmar a sua individualidade, mas a individualidade é uma contradição para as teorias sobre as turmas, uma maldição para todos os sistemas de classificação.


A 5ª lição que eu ensino é a dependência intelectual. Os bons alunos esperam que um professor lhes diga o que fazer. Eis a lição mais importante de todas: temos de esperar que outras pessoas, melhor preparadas do que nós, dêem significado às nossas vidas. O expert é que toma todas as decisões importantes; só eu, professor, posso determinar p que as minhas crianças têm de estudar, ou melhor, só as pessoas que me pagam podem tomar essas decisões, que eu depois confirmo. Se me dizem que a evolução é um facto e não uma teoria, eu transmito isso como me foi ordenado, castigando aqueles que resistem a aceitar o modo como é suposto pensarem. Este poder de controlo sobre o que as crianças pensarão permite-nos separar muito facilmente os alunos com sucesso dos alunos com insucesso.
As crianças bem sucedidas aprendem a pensar como lhes mando com um mínimo de resistência e a dose certa de entusiasmo. Das inúmeras coisas interessantes que há para estudar, eu decido quais as poucas que temos tempo para estudar, embora, na verdade, isto seja decidido pelos meus superiores sem rosto. As escolhas são deles – porque deveria eu discutir? A curiosidade não é importante para o meu trabalho, só a conformidade.
Os maus alunos contestam isto, evidentemente, embora lhes faltem os conceitos para saber p que é que estão a contestar, lutando por poderem decidir por eles próprios o que eu aprenderão e quando o aprenderão. (…)
As boas pessoas esperam que um especialista lhes diga o que fazer. Não é exagero dizer que toda a nossa economia depende do facto de esta lição ser bem aprendida. (…)
Não se precipite a votar numa reforma radical da escola, se quiser continuar a receber um salário no final do mês. Nós construímos um modo de vida que depende de as pessoas fazerem o que lhes é dito, porque não sabem dizer a si mesmas o que fazer. Esta é uma das maiores lições que eu ensino.


A 6ª lição que eu ensino é o condicionamento da auto-estima
. O nosso mundo não sobreviria por muito tempo a uma invasão de pessoas confiantes, por isso ensino que o auto-respeito de uma criança deveria depender da opinião de um especialista. As minhas crianças são constantemente avaliadas e julgadas.
(…) Embora algumas pessoas pudessem ficar surpreendidas com o pouco tempo ou reflexão que estes registos requerem, o peso cumulativo destes documentos aparentemente objectivos estabelece um perfil que condiciona as crianças a tomar certas decisões pessoais e outras decisões sobre o seu futuro, baseadas no julgamento casual de estranhos.


A 7ª lição que eu ensino é que ninguém se pode esconder. Ensino aos alunos que eles estão sempre sob vigilância, que cada um deles está a ser constantemente vigiados por mim e pelos meus colegas. Não têm nenhum espaço privado; não têm nenhum tempo privado.
(…) O significado da vigilância constante e da negação de privacidade consiste em não se poder confiar em ninguém, e que a privacidade não é legítima. A vigilância é um antigo imperativo (…) as crianças devem ser observadas de perto, se quisermos manter uma sociedade sob apertado controlo central. As crianças seguirão um tambor privado, se não as conseguirmos colocar numa banda de marcha uniformizada.




Sobre o autor do discurso reproduzido acima - John Taylor Gatto – pelo próprio:
(…)

Em termos teóricos e metafóricos, a ideia que comecei a explorar foi a seguinte: o ensino não é como a arte de pintar, onde, pela adição de material a uma superfície, uma imagem é sinteticamente produzida, mas sim como a arte de esculpir, onde, pela subtracção de material, é possível fazer emergir uma imagem já contida na pedra. É uma distinção crucial.
Por outras palavras, renunciei à ideia de que era um expert cujo trabalho era encher as pequenas cabeças com a minha especialidade e comecei a explorar o modo como poderia remover os obstáculos que impediam que o talento inerente das crianças se revelasse. Já não me sentia confortável em definir o meu trabalho como transmissão de saber a uma esforçada audiência de sala de aula. Embora eu continue até hoje nesses testes inúteis por causa da natureza do ensino institucional, sempre que me foi possível, quebrei com a pedagogia tradicional e reconduzi as crianças dos seus caminhos desviados para as suas próprias verdades privadas.
A sociologia das escolas públicas evoluiu de tal modo que uma premissa como a minha, ao difundir-se, põe em perigo toda a instituição. Prisioneiro de regras, qualquer professor que faça uma descoberta como a minha é, na pior das hipóteses, uma dificuldade para a ordem hierárquica (que desenvolveu defesas automáticas para isolar tais bacilos e, desse modo, neutralizá-los ou destruí-los); mas, uma vez livre destes constrangimentos, esta ideia poderia pôr em perigo as suposições centrais que permitem à escola institucional sustentar-se, tal como a falsa suposição de que é difícil aprender a ler, ou que as crianças resistem à aprendizagem e a muitas mais coisas. De facto, a própria estabilidade da nossa economia é ameaçada por qualquer forma de educação que possa mudar a natureza do produto humano que as escolas agora mostram: a economia sob a qual as crianças actualmente esperam viver e servir não sobreviveria a uma geração de jovens educados, por exemplo, para pensar criticamente.

(…)
(Excertos retirados do livro «Dumbing us down», em tradução portuguesa, «Emburrecendo-nos cada vez mais, o currículo oculto da escolaridade obrigatória» de John Taylor Gatto, edição da Porto Editora, 2003)
Para saber mais:

http://www.spinninglobe.net/dumbing.htm

http://www.johntaylorgatto.com/bookstore/dumbingdown.htm

http://www.infoshop.org/inews/article.php?story=2006gatto


No one in America today is better qualified to report on the true condition of our government education system than John Taylor Gatto, the now-famous educator who spent 26 years teaching in six different schools in New York City and quit because he could no longer take part in a system that destroys lives by destroying minds

In 1990 the New York “Senate named Mr. Gatto New York City Teacher of the Year. The speech he gave at that occasion, “The Psychopathic School,” amounted to a devastating indictment of public education (reprinted in BEL, May 1991, under the title “Why Schools Don’t Educate”).
In 1991 Mr. Gatto was named New York State Teacher of the Year, at which occasion he gave a speech, “The Seven-Lesson Schoolteacher,” so insightful of the wrong-headedness of public education that it will probably become a classic in educational literature

These two remarkable speeches, plus several others, including one entitled “We Need Less School, Not More,” were published in book form last year. And what a powerful book it is, only 104 pages long, readable in one or two sittings. With Outcome-Based Education being imposed on schools across America, we will get much more school, not less, and the content of that schooling will produce far more confusion than we already have