«Estamos cá fora. Mas ainda estamos lá dentro, ou seja, dentro da luta»
Às 6 horas da manhã de ontem os ocupantes do Rivoli-teatro municipal do Porto foram desalojados por uma força musculada da polícia, cujo aparato poderia fazer temer o pior. Depois de identificados, os ocupantes saíram em liberdade. Ao fim da tarde de ontem realizou-se a manifestação de apoio que tinha sido convocada para o efeito, e durante a qual os ocupantes fizeram um breve balanço da sua luta através de uma declaração que passamos a reproduzir:
O grupo de ocupantes do Rivoli, ao cabo de 79 horas de permanência no do teatro municipal, declara o seguinte:
-os ecos de apoio e incitação à resistência que recebemos, vindos um pouco de toda a parte, prova à saciedade que a nossa razão, a despeito da escalada das tentativas de silenciamento, foi ouvida, e que as nossas reivindicações, não obstante as sucessivas tentativas de calúnia e adulteração, encontraram um acolhimento muito expressivo por parte da população.
- a forma de luta que adoptámos, rotulada de ilegal, injuriada por todos quantos a qualificaram de agressiva, mostrou ser plenamente legítima, num contexto em que as camadas mais próximas dos problemas da criação artística não dispõem de armas de combate sócio-laboral, sendo que, de resto, partilham esse handicap com um grande número de trabalhadores do terciário, «independentes» por obra e graça da precarização dominante no mercado do emprego.
- incansavelmente repetimos as nossas reivindicações, que concebemos como um patamar mínimo para a manutenção do serviço público, a saber: a garantia de uma gestão do Rivoli não regida por critérios de pura rentabilidade; o acesso ao Rivoli garantido a todos os núcleos de criação artística em todas as artes; a garantia da existência de um serviço de formação continuada de públicos.
- julgamos ter sabido argumentar contra a pretensa certeza de que o Rivoli está apenas sob a alçada da Câmara Municipal, contrapondo a esse infeliz refrão que se trata de um equipamento demasiado relevante, polivalente e bem equipado para ser propriedade de um executivo camarário, por muito que ele disponha de maioria absoluta. Acresce que uma funesta vitória dos desígnios de Rui Rio poderá encorajar outros autarcas a imitar este exercício de demissão do poder camarário perante as responsabilidades de financiamento de cada teatro municipal. O Rivoli tem uma envergadura que lhe confere um grau de interesse não somente local, mas também nacional e europeu. O Presidente da C.M.P. tem, a todo o momento, demonstrado carecer de sensibilidade e conhecimento no que toca às questões culturais e à função social da cultura, e não possuir capacidade de escuta dos interlocutores que acerca destas questões o interpelam. Esta postura tem como consequência um divórcio criadores-governantes-população, fosso que urge colmatar. A vocação anti-despesista de Rui Rio mais não faz do que encobrir uma incompetência para gerir o Rivoli e, logicamente, a cidade. De resto, a inquietante falta de rosto dos nossos opositores – Culturporto e C.M.P. -, a par de uma actuação a todos os títulos pidesca, constituem elas próprias matéria de reflexão, num estado que se diz «democrático» e « de direito».
- os ocupantes do Pequeno Auditório saíram à força do seu posto de combate com uma queixa-crime em cima, sem que nunca tivessem merecido a menor explicação por parte dos poderes instituídos, os quais se limitaram a mandar recados através dos funcionários do Rivoli, transformados em «vigilantes» das ameaçadoras personagens bloqueadas no piso -0
- Fazemos questão de frisar que, embora a abundante cobertura mediática nos tenha transformado em face visível da luta, nunca foi nossa intenção assumir protagonismo neste combate contra a voragem das privatizações que atingiu, desta vez, o Rivoli. Entendemos que toda a comunidade deve ocupar esse espaço de protagonismo numa luta que a todos diz respeito. Consideramos, por outro lado, que o nosso pequeno grupo de cidadãos indignados mostrou, com a ajuda incansável dos «ocupantes de fora» que a imaginação, investida na invenção de novas formas de luta, é porventura mais eficiente em termos de tomada de consciência do que as negociações de corredor dos profissionais da política.
- Cabe-nos fazer um balanço destas 79 horas de ocupação, balanço esse que comporta pontos francamente positivos e aspectos menos exaltantes. Se podemos afirmar que o objectivo de chamar a atenção da opinião pública para o problema da alienação do espaço público prestado pelo teatro municipal nos parece ter sido plenamente atingido, tanto ao nível da mobilização da comunidade como no plano da divulgação pela comunicação social (extremamente generosa, se bem que crescentemente focalizada no nosso suposto reality-show), não seria pertinente obliterar, ao nível do nosso segundo objectivo – o da chamada de atenção das autoridades para o escândalo deste processo precipitado, e dito «irreversível», de «reconversão» do Rivoli, coerente que ele se revela com uma pretensa ordem «natural» das coisas numa sociedade de mercado – o nosso papel ainda não terminou. Pese embora a ausência de resultados conclusivos do nosso protesto nesse plano, abrimos ainda assim caminho a mediações e encontros que, esperamos, conduzirão, a bem de todos, a uma reavaliação das decisões tomadas muito ao de leve pela C.M.P.
Sentimo-nos no dever de participar na luta que doravante se alarga a todos que, como nós, desejam remar contra a corrente, tentando por todos os meios potenciá-la.
Como noutra parte e hora já dissemos: não falemos da vitória, falemos antes da aprendizagem da luta e pela luta, bem como da sua necessária invenção, à medida que vão surgindo novos lutadores, dados e pistas.
O grupo de ocupantes de pequenos auditório do Rivoli teatro municipal