Já há algum tempo que pensava em escrever algumas palavras para justificar a minha decisão de não mais comprar o jornal diário «Público» desde que o seu director e máximo responsável editorial daquele diário se mostrou fanaticamente apoiante da invasão e ocupação do Iraque pelo exército norte-americano. Não é que eu alimentasse muitas dúvidas sobre a natureza e a orientação do jornal. Mas era o que tínhamos no paupérrimo panorama da imprensa escrita cá da parvónia. O alinhamento político pelas decisões de Bush marcou então o momento de levar à prática a decisão: não mais comprar um jornal pró- Bush, ou cujo director se afirma tão levianamente a favor de uma guerra de ocupação e rapina…
Vim agora a encontrar um texto de autoria do José Mário Branco que confirma o bem fundado da minha decisão em deixar de comprar esse diário.
Ora leiam.
Nota: fui buscar o texto a:
http://franciscotrindade.blogspot.com/
Os megafones portugueses do Pentágono
( autor do texto: José Mário Branco)
O director do Público: um caso típico
A actual crise política entre os EUA e o Irão é um terreno em que podemos observar o papel de porta¬ vozes da política imperial dos EUA que é o de alguns “jornalistas” e comentadores dos média portugueses, como Luís Delgado, Pacheco Pereira, Vasco Rato, Severiano Teixeira e outros. O problema deles é que são muito pouco credíveis: há bem pouco tempo, a propósito do Iraque, enganaram descaradamente os seus leitores e ouvintes; a memória não é assim tão curta. Mas nem isso, agora, os inibe. O caso de José Manuel Fernandes (JMF), director do jornal Público, é típico por vários motivos:
(1) foi um dos mais acérrimos defensores do ataque militar ao Iraque e, ainda hoje, o é da sua ocupação;
(2) uma vez oficialmente desmascaradas as mentiras com que esse ataque foi justificado (inexistência de armas de destruição massiva, inexistência de ligações de Saddam com a Al-Queda), foi, tal como o foram os seus mentores da Casa Branca e do Pentágono, incapaz de admitir publicamente o seu “erro” e, de forma totalmente ignóbil e intelectualmente desonesta, limitou-se a reproduzir as “desculpas de mau pagador” propaladas a partir de Washington (Saddam não tinha ADMs, mas “tinha a intenção” de as ter; não tinha relações com a Al-Qaeda, mas “podia vir a ter”); e, sobretudo,
(3) as suas “tomadas de posição” – no Público e nas TVs que o convidam para “comentar” – foram seguindo, dia a dia, às vezes hora a hora, as indicações das chamadas “Global Messages” emitidas por Washington como guias de opinião e de “factos” para os seus porta-vozes “jornalistas” e “comentadores” em todo o mundo – facto que ficou magistralmente demonstrado pelo depoimento do jornalista Rui Pereira na Audiência Portuguesa do TMI, em Março de 2005, na Torre do Tombo, o qual analisou, deste ponto de vista, principalmente o papel de JMF, de Pacheco Pereira, de Luís Delgado e Vasco Rato.
Presentemente, a função de JMF como propagandista dos interesses imperiais dos EUA gira, principalmente, em torno da “questão iraniana”. Primeiro, apresenta sistematicamente esse “problema” como uma decorrência normal do Tratado de Não Proliferação Nuclear; acontece que as principais potências nucleares ocidentais (EUA, Reino Unido, França) são as primeiras a não cumprir esse tratado (no que respeita ao desarmamento dos arsenais existentes) e, por isso, suscitam, por parte dos outros Estados, a vontade de, também eles, se munirem desse poder dissuasor, ou seja, provocam aquilo a que Pezarat chama a “contra-proliferação nuclear”. Em segundo lugar, com o mesmo desonesto sistema “dois pesos, duas medidas”, nunca JMF faz qualquer referência ao facto de que, na mesma região do mundo, existe uma potência nuclear clandestina, equipada com ogivas atómicas pelos próprios EUA, e que se chama Israel.
Por fim, é interessante verificar como JMF inverte os termos reais de comparação quando – como no seu editorial de 16 de Abril último, no Público – argumenta, a propósito do presidente actual do Irão, que «um dos maiores erros cometidos pelos líderes das democracias [refere-se JMF a Léon Blum, e aos anos 1930/40] foi lidarem com Hitler tomando a sua palavra pelo valor facial». Induzida por JMF como eco do que vem da Casa Branca (foi “noticiado” que Bush se refere a Ahmadinejad, nas reuniões do governo, como “Hitler”), esta comparação do presidente iraniano com Adolf Hitler tem uma função muito precisa: evitar que nós reparemos que, na realidade, a actual política expansionista e agressiva dos EUA é que se pode, de algum modo, assemelhar à política expansionista (“lebensraum”) e agressiva do nazismo.
O controlo do Irão – quarto produtor mundial de petróleo, corredor fundamental entre o oeste e o leste (Iraque¬ Afeganistão) e entre o norte e o sul (Rússia¬ Índia) –, com este ou com qualquer outro presidente, é um objectivo fundamental da estratégia de médio prazo do império EUA, ou seja, controlar a chamada “rota da seda”, precisamente o eixo islâmico Turquia¬ Iraque¬ Irão¬ Afeganistão¬ Paquistão (com prolongamento até à Indonésia). Segundo o conceituado analista canadiano Michel Chossudovsky (www.globalresearch.ca), o controlo da “rota da seda” é fundamental para os objectivos imperiais dos EUA porque, assim, (1º) garantem o acesso ao petróleo e ao gás do Médio-Oriente e da bacia do Cáspio; (2º) controlam o encaminhamento desses produtos para ocidente (v. golpe pró-EUA na Geórgia e apoio estadunidense ao terrorismo islâmico na Tchechénia) e não para oriente (China e Índia, grandes compradores de petróleo e de gás); (3º) controlam também, através da CIA e das máfias a ela ligadas (v., por exemplo, a biografia de Richard Armitage, em nndb.com, e o depoimento de Michael Ruppert no Brussels Tribunal), a produção de heroína e o seu transporte para oeste; e (4º), com dezenas de bases militares no Médio-Oriente e na bacia do Cáspio, acham que podem manter em respeito os seus principais rivais estratégicos, a China e a Rússia.
Podemos portanto ler os editoriais de JMF à luz de outro tipo de informações:
– Que país tem, hoje, uma política abertamente expansionista e hegemonista, como teve o IIIº Reich alemão? Os EUA.
– Que país invade e ocupa outros países ao arrepio da Carta da ONU, como Hitler o fez ao arrepio das leis internacionais então em vigor? Os EUA.
– Que país é orientado por um projecto estratégico assumidamente hegemónico (o PNAC e seus derivados, “um milénio americano”), como a Alemanha nazi o foi (Mein Kampf, “um Reich para mil anos”)? Os EUA.
- Que país apoia ou promove, como o IIIº Reich, acções genocidárias e limpezas étnicas tendentes a “clarificar” determinadas situações demográficas e culturais regionais, ou a facilitar projectos de domínio e expansão económica (Palestina, Bósnia, Kosovo, sunitas do Iraque, índios do México centro¬ americano, índios da Amazónia, etc.)? Os EUA.
Goebbels, Ministro da Propaganda de Hitler, baseava a sua acção no seguinte princípio: “uma mentira, repetida o número suficiente de vezes, transforma-se em verdade”. Não foi Goebbels que inventou isto. Já nos primórdios do séc. XX, quando a publicidade comercial se desenvolveu nos EUA, alguém teorizara sobre a “transformação de mentiras em verdades” e aplicara essa teoria às campanhas políticas. É conhecido o caso exemplar de Ivy Lee, pioneiro do lobbying, que, depois de ter apoiado, em 1904, a campanha presidencial de Alton Parker contra Th. Roosevelt e, em 1912-14, o esforço de guerra dos EUA durante a 1ª Guerra Mundial, utilizou as técnicas mediáticas para (ao serviço de Rockefeller) derrotar a grande greve dos mineiros da Virgínia Ocidental (o massacre de Ludlow, em 20 de Abril de 1914). Ivy Lee morreu em 1934 quando trabalhava afanosamente na promoção das relações entre os EUA e o IIIº Reich…
JMF fala-nos de Hitler, e dum suposto “novo Hitler”. Mas comporta-se como um “pequeno novo Goebbels” ao serviço do único “novo nazismo” que nos ameaça (v. Freitas do Amaral, Do 11 de Setembro à crise do Iraque): o imperialismo dos EUA.
José Mário Branco