24.6.06

Para onde irão os milhões de refugiados e imigrantes climáticos?

Com a gradual subida das águas milhões de pessoas terão de sair do seu local de residência e até fugir do seu país. Quem é que os poderá acolher?

Segundo certos ecologistas os países responsáveis pela poluição ( os países ricos do hemisfério do Norte) deverão acolher os exilados na proporção do seu nível de poluição
Acolher os imigrantes proporcionalmente à poluição emitida por cada país é uma ideia simples e muito bonita.



Um norte-americano emite em média 5 vezes mais dióxido de carbono que um mexicano e 20 vezes mais que um indiano. Conclusão lógica: a última coisa que o nosso meio ambiente, já demasiadamente mal tratado, precisa é de um aumento da população norte-americana. Este é o argumento de um dos grupos mais activistas existentes dentro da Sierra Club, a mais importante associação norte-americana de defesa do meio ambiente. No início do mês de Maio esta associação propôs aos respectivos membros (750.000 sócios) a defesa do princípio de uma redução da imigração para os Estados Unidos que atingisse cerca de 700.000 pessoas por ano. A proposta foi rejeitada mas os seus defensores continuam firmemente determinados. « A demografia americana pelo seu peso e a sua taxa de cresimento está a colocar a uma rude prova o meio ambiente mundial »

Uma atitude que ilude o verdadeiro problema

Opiniões similares ouvem-se noutras latitudes. Seguno o ecologista Tim Flannery, director da South Australian Museum, em Adelaide, a Austrália não pode responder sustentavelmente às necessidades de mais de 7 ou 8 milhões de habitantes – menos de metade dos 19 milhões que conta actualmente o país. Isto levantará um verdadeiro dilema moral quando se tiver de acolher os imigrantes que serão forçados a mudar de país por causas climáticas como será o caso dos habitantes das ilhas do Pacífico que se arriscam a serem submergidas pela subida do nível das águas do Pacífico.
«Se acolhermos estes refugiados eles multiplicarão imediatamente por cem a sua produção de gás com efeito de estufa ao colocar-se ao nível de vida dos australianos. O que agravar+a ainda a situação.», afirma Tim Flannery. Segundo este, a solução consiste para os países ricos a reduzir de forma draconiana as suas emissões poluentes.
Outros afirmam, pelo contrário, que o frenesim de consumo dos países desenvolvidos deverá levá-los a abrirem-se ao acolhimento dos imigrantes. Nos próximos séculos milhões de habitantes das zomas litorias e de pequenas ilhas serão forçados a tornarem-se «refugiados ambientais» por causa da subida do nível das águas do oceano ou das condições climáticas extremas. Numa carta recentemente enviada à revista Nature, Sujatha Byravan do Council for Responsible Genetics (conselho para uma genética responsável) de Cambridge, nos Estados Unidos, e Chella Rajan, do Tellus Institute, um grupo de reflexão de Bóston, defendem uma nova versão do princípio do poluidor-pagador: os países responsáveis pela poluição deverão acolher os exilados na proporção do seu nível de poluição.
«Há actualmente um grande debate sobre a justiça climática, principalmente à volta das emissões poluentes» - declara Chella Rajan - «Nós pensamos que é tempo de estabelecer a relação entre as emissões e as suas consequências e pensar isso em termos de justiça.»
Ora se esta tese vingasse, os Estados Unidos, país em que o consumo energético está na origem de 30% das emissões mundiais de carbono ao longo do último século, deveria consequentemente acolher 30% dos refugiados.

Milhões de «boat people» fugirão das áreas submergidas

Todos estes argumentos têm as suas lacunas. Assim, uma das principais críticas endereçadas aos partidários da redução da imigração por razões ecológicas é a de que uma tal orientação não estimula os países desenvolvidos a assumir as suas responsabilidades pelos prejuízos causados. « É anti-ecológico fazer pesar a responsabilidade sobre a imigração, pois isso desvia a atenção para o verdadeiro problema», sustenta Betsy Hartmann, directora do programa População e Desenvolvimento na universidade de Hampshir, em Amherst (Massachusetts). «É preciso insistir na necessidade de reduzir o nosso consumo, mais do que apontar o dedo de acusação aos fluxo de pessoas. Os norte-americanos não são imbecis vorazes, mas vivem num sistema de sobre-consumo e de tecnologias poluentes.» Tim Flannery não diz outra coisa. «A única coisa sensata é evitar uma mudança climática catastrófica», afirma este último. Porque nunguém dúvida que, a continuarmos nesta direcção, as consequências serão terríveis. É que os países que mais sofrem não serão os mais poluentes.
Robert Nicholls, da Universidade de Southampton, no Reino Unido, fez uma estimativa dos grupos populacionais atingidos pelas inundações devidas à subida dos Oceanos: os números variam entre 100.000 e qualquer coisa como 100 milhões de pessoas por ano entre 2020 e 2100, em função das projecções feitas com base no crescimento demográfico, no desenvolvimento económico e de sensibilidade climática. As costas densamente povoadas da Ásia e de África serão as mais duramente atingidas, sendo responsáveis em cerca de 80% das populações inundadas.Os pequenos Estados insulares das Caraíbas, do Pacífico, e do Oceano Índico, no qual se situam as ilhas Tuvalu, e que se encontram em média a menos de 1 metro acima do nível do mar, ainda são as mais ameaçadas. Apesar das incertezas que se mantêm quanto ao número exacto de pessoas atingidas, Sujatha Byravan e Chella Rajan defendem que um direito de imigração deva ser concedido às populações ameaçadas, antes mesmo que surjam as crises ecológicas. «Não é preciso que se chegue a uma situação na qual milhões de «boat people» tenham de fugir à procura de um local para desembarcar».
Andrew Simms, da New Economics Foundation, em Londres, é muito favorável às propostas de Sujatha Byravan e Chella Rajan. « A ideia de acolher os refugiados proporcionalmente à poluição emitida por cada país é simples e bonita».
Mas ele adianta que as coisas poderão ser bem mais complicadas, uma vez que as pessoas deslocadas poderão recusar partir para os países desenvolvidos. Com efeito, os deslocados por motivos ligados à guerra ou a lutas políticas emigram geralmente para países mais próximos, onde estão os seus compatriotas. Apesar do receio dos países desenvolvidos de um afluxo massivo de refugiados e de pedidos de asilo, a verdade é que uma ínfima percentagem de pessoas deslocadas acabam por escolher este destino. Foram, por exemplo, o Irão e o Paquistão, os países que acolheram a maioria dos refugiados das guerras do Iraque e do Afeganistão. Entre 1992 e 2001 num total de 12 milhões de pedidos de asilo originários dos países subdesenvolvidos, cerca de 72% procuraram refúgio noutros países subdesenvolvidos.

O que fazer para os que recusam partir?

«Se a metade da população do Bangla-Desh for obrigada a partir, será para a Índia e não para o a Vírginia», declara Neil Adger que estuda a economia de adaptação à mudança climática no Centre Tyndall de pesquisa sobre a mudança cliátoca de Norwich, na Grã-Bretanha. As pessoas ameaçadas pelas inundações no Bangla-Desh estão, aliás, prestes a emigrar para a Índia, tal como o farão as populações insulares do Oceano Índico.
A nova Zelândia e a Austrália serão os destino mais prováveis dos habitantes das ilhas do Pacífico. As Tuvalu já negociou direitos de imigração com a Nova Zelândia para os seus 9.000 habitantes, caso o seu território fique inabitável. Todavia, muitos dos habitantes recusam-se a partir, apesar de todos os esforços desenvolvidos pelo primeiro-ministro daquele arquipélago.
O desaparecimento total dos Estados soberanos não deixará de levantar a questão acerca das responsabilidades e dos direitos ou não das vítimas a uma compensação. Esta poderá tomar a forma de uma indemnização financeira, de tecnologias de protecção contra as mudanças climáticas ou ainda de direitos de imigração. Mas para as populações situadas no lado negro da evolução climática é a hora de se resignarem aos prejuízos. «A protecção das ilhas Maurícias e da nossa biodiversidade deverá ser uma preocupação mundial.», afirma o diplomata das ilhas Maurícias, Jagdish Koonjul, que está à cabeça da Aliança dos pequenos Estados Insulares. E interroga-se: « O que fazer com uma indemnização quando se perdeu tudo?»


Artigo de Anna Gosline, publicado no New Scientist