28.3.06

Conto futurista sobre a mudança climática

…acidentes climáticos sempre terríveis. Começaram pelas tempestades, as inundações, as canículas nas primeiras décadas do século XXI. Em 100 anos a temperatura média do globo aumentou 6º C. Foi então que tudo se precipitou: as florestas foram devoradas pelo fogo, as inundações catastróficas devastaram o hemisfério Norte, provocando milhões de mortes. No auge da crise, em 2054, a Assembleia-Geral das Nações Unidas autoproclamou-se «governo planetário» e decidiu o lançamento de um imposto mundial de solidariedade ecológica destinado à luta contra o sobreaquecimento climático. Foram lançadas sucessivas campanhas de reflorestação intensiva, e o esgotamento das reservas petrolíferas levou à generalização do motor não poluente a hidrogénio. Mas nada resultou. O clima estava irremediavelmente desregulado, fazendo alternar inundações, secas, fomes. Foi necessário promover políticas drásticas de controlo da natalidade para impedir o crescimento da população mundial. Deixou-se de falar em liberalismo, em crescimento económico, em progresso. A Humanidade mobilizou-se por inteiro na luta pela sobrevivência, sob a égide de um governo planetário, pressionado a promover um programa ecológico tão global quanto ambicioso…mas tardio e, por consequência, .
E depois houve esta descoberta espantosa dos investigadores da Universidade de Copenhaga, especializados no estudo dos golfinhos. Em 2094, anunciaram que os golfinhos tinham descodificado a nossa linguagem, tal como nós conseguíamos compreender a deles. A comunicação tornou-se possível entre eles e nós. Descobriu-se com espanto que a inteligência desta espécie estava quase a igualar a nossa. Que se tinha passado? Uma mutação decisiva no seu património genético?
Ninguém sabia nada, mas as relações entre os humanos e os golfinhos deram uma tal reviravolta que estes nomeram um embaixador junto dos homens e vice-versa.
Tais eram precisamente as funções do pai de Théo. Naquele dia ele ia encontrar-secom embaixador dos golfinhos cujas atribuições englobavam a representação de todos os cetáceos. Deveriam assinar um protocolo com vista a uma estreita colaboração a fim de ambas as espécies partilharem um amplo banco de peixe proveniente do Ártico, cuja chegada tinha sido assinalada.
A gestão do planeta daí em diante era parcimoniosa e estritamente regulamentada. Geria-se a penúria procurando fazer face, o melhor possível às catástrofes climáticas que se sucediam. (…)
(…) O governo planetário tentava retomar a rédea das coisas. A prioridade passara da economia para a ecologia. Daí em diante a palavra de ordem passara a ser «solidariedade». Acabara-se a concorrência encarniçada entre indiíduos, entre empresas, entre nações. O imperativo de defender o ambiente, reconhecido como prioridade absoluta, tinha relegado para segundo plano a corrida ao «sempre mais e mais».
O mundo inteiro mobilizara-se para tentar limitar os danos. Face a uma natureza destroçada, o homem-demiurgo sentia-se muito pequeno…

Excerto retirado do livro «A solidariedade nas plantas, nos animais, nos humanos» de Jean-Marie Pelt, das edições Mareantes editores.