O Senhor teve pena do seu servo
E ele rezou, agradeceu
Com um rosário de electrões muito bonitos nos seus círculos,
Ave-Marias em eclipse:
Padre nosso que estais nos céus
E nos deste o escudo do ozone
E o fósforo nas ondas domar
E em nós a água e o carbone
O Senhor teve pena do seu servo
E guiou a mão de Becquerel
E pôs um raminho de polónio
Ao peito de Madame Curie,
Mas veio o Diabo e queimou tudo
Num cogumelo venenoso
E imitou o chumbo no plutónio
Em honra de Plutão, já se vê…
Cobrem-se todos com a mesma manta,
O Diabo atómico pinta a manta.
Padre nosso que estais nos céus,
Diz o servo de Deus molecular,
Seja feira a vossa vontade
No computador e no radar,
Na ribose entre as proteínas,
No café sem açúcar da manhã
Sem planta nem margarinas
Quando os pobres se erguem da enxerga
Para a serapilheira dos sacos
Dizendo à vida: Rai’s te parto!
Mas Deus perdoa a quem tem o ozone
E o bem-aventurado de Franklin
Ousado no tecto dos ricos
Como a cegonha nas almearas.
Qual raio! O quê! Se esta manhã
Os Carregadores de Pernambuco
Têm uma partida a despachar,
E quem é que há-de alombar
Se um raio mesmo os fulminar?
Padre nosso que estais nos céus…
O meu rosário é tão bonito
Com os seus bugalhos de França
E a Ave-Maria da Polónia,
Rezado nos encontros Solvay:
Pai Nosso, diz Niels em Copenhagen
Para dizer Amen em Cavendish,
Santa Maria da Polónia
Já Notre Dame no Pasteur:
Tudo terras cristãs como Portugal, oh douler!
Autor: Vitorino Nemésio (1901-1978)