O vento uivava com fúria. Zorg precipitou-se para a primeira entrada de metro. Tal como acontecia em cada furacão, os transeuntes fugiam da rua e iam para debaixo da terra. Eram estes os conselhos do Human Safety Office (HSO). As pessoas tinham acabado por se habituar aos caprichos da meteorologia, completamente transtornada: tornados e ciclones faziam agora parte do dia-a-dia.
Zorg tirou a máscara, indispensável ao ar livre, porque o ar do metro era puro, rigorosamente controlado. Saltou para o primeiro comboio, com pressa de voltar para o seu pequeno T1. O conforto dos transportes subterrâneos, numerosos, rápidos e bem ventilados, fazia um contraste estranho com as vagas de automóveis que invadiam as ruas, e sobretudo com os tankers de ar puro que patrulhavam permanentemente as artérias da cidade.
Alguns minutos depois, Zorg chegou a casa. Lembrou-se de repente do e-mail que rinha enviado à empresa Extract-Air, esperando que esta tivesse executado a sua encomenda conforme as instruções que ele lhes tinha dado. Zorg consultou o seu correio electrónico, do qual seleccionou uma mensagem dos pais –que o tinham incubado havia trinta e sete anos – convidando-o para a festa do seu próprio aniversário com os seus seis clones. Depois serviu-se de uma Cola com um punhado de aperitivos salgados.
Como todos os dias regozijou-se por possuir uma varanda com as suas plantas tri-combinadas cultivadas com amor, onde apreciava os cantos pré-gravados dos pássaros e o ruído da cascata artificial que lhe recordava, não sem nostalgia, a sua terna infância.
Aquele momento era muito importante para Zorg. Depois do trabalho precisava de, para se «reencontrar» -como ele próprio dizia -, de se recolher, de meditar. Porém, naquele dia, sentia-se fatigado, nervoso, oprimidos: os olhos ardiam-lhe, o nariz pingava, a garganta estava irritada como por uma lixa…
Todavia, era impossível tratar-se de uma angina, pois estava definitivamente imunizado contra todas as formas de infecções microbiais e virais, tal como a maioria dos seus contemporâneos.
Zorg sentia vertigens e náuseas. Que se passava? Decidiu verificar o seu sistema Domotic, e depois contactar a empresa Extract-Air. Uma voz metálica respondeu à sua chamada.
- Um segundo, Zorg, estamos a controlar através do scanner o ar ambiente da sua habitação…Com efeito, o senhor está desde esta manhã directamente ligado ao ambiente exterior, pois não fez o seu pagamento, nem renovou o seu contrato de assinatura e manutenção…
-Impossível!...Paguei-vos tudo ontem de manhã. Devem ter recebido o meu e-mail a estipular uma encomenda de clean-air para seis meses.
- Não recebemos nada, Zorg. Espere enquanto verificamos.
-Peço-lhe que o faça depressa! Estou a sufocar…
- De facto…recebemos o seu ciberpagamento, mas não temos qualquer vestígio do mail que nos enviou, indicando o renovamento do seu contrato.
- Impossível, estou a dizer-lhe!
-Hoje em dia, os sistemas informáticos estão infestados de vírus de todos os tipos, e as interferências electromagnéticas não param de desarranjar os processadores, mas nós telecarregar-lhe-emos imediatamente dez unidades de clean-air. Enviar-lhe-emos também a equipa biónica de intervenção Rob-Air, o «robot que liberta», como diz o nosso anúncio…
Zorg suportou o seu mal-estar pacientemente. Os minutos pareciam-lhe horas. A conversa telefónica que acabava de ter tinha-o deixado muito inquieto. Engenheiro, investigador de informática, sabia que se o homem tinha conseguido combater quase todas as formas de doenças de origem infecciosa, era vital que conseguisse também dominar as múltiplas perturbações que infestavam o ciberespaço.
Zorg recordou então a sua infância, quando podia respirar ao ar livre apesar dos picos de poluição anunciados pelas administrações da época. Hoje em dia, os problemas da poluição já não poupavam ninguém. Nas grandes cidades, tornara-se impossível viver sem uma máscara. Os jardins? Estavam reduzidos a plantas transgénicas d quarta geração instaladas em varandas fechadas que eram alegradas por chilreios de pássaros e cascatas artificiais.
Sim, não havia dúvida, o mundo tinha mudado consideravelmente…para pior! Abatido, Zorg agarro a sua cabeça com as duas mãos. As lágrimas encheram-lhe os olhos….
(transcrição do início do livro «A Terra como Herança», de Jean-Marie Pelt, Frank Steffan, editado em 2001 pela editorial inquérito)