21.3.05

A Primavera em Walden (por H.D. Thoreau)




Ao ir morar nos bosques, um dos atractivos consistia em dispor assim do vagar e da oportunidade para assistir à chegada da Primavera. No lago, finalmente, o gelo começa a encher-se de cavidades e posso enfiar nele o calcanhar conforme vou caminhando. Névoas, chuvas e sóis mais quentes vão pouco a pouco derretendo a neve; os dias já se tornam sensivelmente mais compridos e vejo que atravessarei o Inverno sem precisar de acrescentar mais lenha à minha pilha, pois já não é necessário muito fogo. Fico à espreita dos primeiros sinais da Primavera, a ouvir o canto fortuito de algum pássaro que chega, ou o pio do esquilo listrado, cujas provisões devem estar quase esgotadas, ou ver a marmota aventurar-se fora do seu alojamento de Inverno.
(…)
O primeiro pardal da primavera! É o ano a inaugurar-se com uma esperançamais jovem que nunca! Sobre os campos húmidos e parcialmente despidos de neve, ouvem-se os lânguidos e argentinos gorgeios do azulão, do pardal cantor e do tordo menor, como se tilintassem ao cair os últimos flocos do Inverno. Num momento desses o que representam histórias, cronologias, tradições e todas as revelações por escrito? Os Arroios cantam madrigais e hinos de Natal à Primavera. O gavião do charco, voando rasante sobre o prado, já está em busca da primeira vida que desperta no lodo. O som minguante da neve, derrentendo-se, invade todos os pequenos vales, e num átimo o gelo dissolve-se nos lagos. O capim flamejando pelas encostas parece o fogo da Primavera - «et pprimitus oritur herba imbribus primoribus evocata» ( «e começa a surgir a erva chamada pelas primeiras chuvas») – como se a terra irradiasse um calor interno para saudar o retorno do sol; não amarela, e sim verde, é a cor da sua chama; - é o símbolo da perpétua juventude…

Excerto sobre a Primavera retirado do livro «Walden ou a Vida nos Bosques», de Henry David Thoreau, segundo a tradução de Astrid Cabral, com revisão e adaptação de Júlio Henriques, na edição Antígona, 1999)