1.2.05

Razão Sensível

A consulta a um dicionário permitirá encontrar uma definição de Razão como aquela faculdade do homem que lhe permite conhecer, raciocinar e agir, ou ainda como o conjunto de princípios da actividade de pensar que permita raciocinar bem, ou por outras palavras, o sistema de princípios a priori que rege o pensamento ( e que se opõe à experiência); havendo mesmo quem entenda a razão como o conhecimento natural, oposto ao que resulta da Revelação ou da fé, enfim, a razão seria o raciocínio conforme os factos.
Como se pode constatar existe grande ambiguidade no significado do termo, que aumentará ainda mais quando ficámos a saber que a razão pode evocar um ideal, uma atitude e um método.
A razão passa por ser efectivamente um dos «complexos culturais» mais ricos de sentido que é dado ao entendimento humano.
Vulgarmente opomo-la ao preconceito, mas podemos entendê-la como o conjunto de formas concretas de pensamento e acção consideradas como racionais, comummente utilizadas nas ciências, ou então é ainda possível pensar a razão como um valor, um ideal (concorrente porventura com outros valores). Como quer que seja torna-se indispensável ter em linha de conta o contexto em que a razão se concretiza, as estruturas e as funções para que esta vai servindo. Explicar, por exemplo, como e por que é que se chegou à ideia segundo a qual existe uma razão que subsiste e permanece face às transformações sociais e culturais.

Da tradição greco-latina podemos reter três ideias fundamentais a propósito da razão: 1º) A razão é vista como o raciocínio correcto, oposto ao conhecimento imperfeito e ilusório dos sentidos e à opinião que nasce da rotina; 2º) A distinção entre formas diferentes de razão como a «razão discursiva», isto é, o pensamento articulado através de um encadeamento de raciocínios, e a «razão intuitiva», capaz de captar as verdades ou as essências num único momento sem necessidade de um processo demonstrativo; 3º) A razão não teria para os antigos apenas uma função de conhecimento mas aplicar-se-ia igualmente à prática por via da sageza e da prudência. Para Aristóteles a virtude da prudência consistiria em alcançar aquilo que o homem pode realizar segundo os «cálculos da razão», os quais seriam comandados por uma regra ou um princípio que se tornou uma das expressões mais marcantes da sageza grega: a busca em todas as coisas do «juste milieu». Não se esqueça que Sócrates assimila o irracional ao mal, à ignorância, considerando o exercício da razão a condição primeira para a virtude.
Ora todo este pensamento grego acerca da razão só pode ser devidamente entendido se recordarmos que, entre outras variáveis que não cuidamos por ora, a sociedade grega vivia à base de uma massa de escravos que libertava os gregos, os homens livres, para o gosto e o culto deste conhecimento, desta forma de entender a razão.
Mas um aspecto que assumiu para a posteridade as maiores consequências foi justamente a distinção entre a razão discursiva e a razão intuitiva, associando-se normalmente o pensamento claro à primeira, e as formas de pensamento mais ou menos obscuros ao segundo. A isto não terá sido certamente estranho Platão quando qualificava de delírios as três formas de inspiração ( o amor, a divinização, a poesia ) e ligava-as à razão intuitiva. Na verdade, a partir de então não mais se deixou de privilegiar a razão discursiva.

A filosofia chama a si o estudo da história da razão humana opondo esta ao mito e à idade mítica (ou consciência mítica) que constituiria a pré-história da própria racionalidade, mas da maior importância para a configuração e a compreensão desta última.
Recorde-se que o mito é um símbolo que vale por si mesmo, onde a separação entre significante e significado não existe. Para o pensamento mítico o símbolo não se separa do concreto, do percebido, pois é uma inteligência que funciona por dados concretos que adquirem na narrativa mítica uma significação simbólica.
A dimensão do abstracto não existe na consciência mítica, cuja lógica está muito próxima da intuição sensível, a qual transforma por assim dizer as percepções em símbolos.
Inversamente, para a racionalidade abstractizante a intuição sensível, o concreto, é uma parte da realidade que será progressivamente abandonada para se passar a níveis de abstracção cada vez mais elaborados.
A interpretação do real pela consciência mítica realiza-se por construções simbólicas do mito que nasciam duma sabedoria concreta, sensível. Para Lévi-Strauss existem dois modos distintos de pensamento, correspondentes não a estados desiguais de desenvolvimento do espírito humano, mas a dois níveis estratégicos pelos quais o conhecimento aborda o real: um aproximativamente ajustado ao da percepção e da imaginação; o outro deslocado, onde a racionalização acaba por se traduzir num processo de afastamento contínuo do mundo sensível, e implicando uma separação nítida entre o objectivo e o subjectivo, que passam a constituir um dos desideratos resultantes dessa lógica racional. A ordem racional que se acabou por se tornar dominante assenta pois na separação clara entre o símbolo e a realidade; no afastamento e distinção entre a intuição sensível e o conceito abstracto; na cisão entre sujeito e objecto, entre o plano da subjectividade e da objectividade.
A racionalidade instaurada com a filosofia pós-socrática entra pois em ruptura com o mito, podendo dizer-se que em grande medida a história da evolução humana consiste nas diferentes estratégias de conhecimento do objecto por parte do sujeito.

E a razão discursiva, que se tornou dominante no pensamento ocidental, é um «dizer inteligível», «um discurso coerente» sobre os materiais fornecidos pela experiência - oposta a uma outra dimensão racional, mas com um estatuto subordinado, associada à criatividade, à construção de universos de sentido, de mundos possíveis que rompem com os dados imediatos.


Na história da razão ocidental relevam três momentos de destaque: a revolução socrática, a revolução cartesiana e a revolução idealista. Na primeira o homem torna-se o objecto de conhecimento através da razão, momento a partir do qual esta assume a maior importância para o desafio que é lançado pela radicalidade inquietante do real. Em Platão a razão surge naturalmente como faculdade que permite o conhecimento, ou seja, só racionalmente o homem pode avizinhar-se da realidade. Descartes funda o racionalismo moderno inspirando-se no modelo matemático para construir um conhecimento que não ofereça dúvida alguma a partir de uma verdade indiscutível, para o que teve de estabelecer uma dicotomia, que nunca mais abandonará a filosofia moderna, entre a «res cogitans» (coisa ou realidade pensante) e a «res extensa» ( coisa ou realidade material), isto é, postula uma separação radical entre a realidade espiritual e corpórea, comunicantes entre si apenas pela glândula pineal.
Esta separação radical entre espírito e matéria teve como consequência o facto dos filósofos e pensadores posteriores não mais deixarem de privilegiar um dos dois termos do binómio, ora afirmando o espírito como o verdadeiro real (idealismo), ora dando primazia à matéria (materialismo). Por outro lado, esta distinção entre objecto/ser levará posteriormente à tendência de se reduzir toda a realidade ao objecto, caindo-se no objectivismo, ou então à tendência de reduzir a realidade às estruturas subjectivas do ser.

Enquanto Descartes amplia o raio de acção da razão, Kant preocupa-se por seu lado em traçar os seus limites, isto é, esforça-se em estudar os elementos a priori do conhecimento, opostos à materialidade da intuição sensível. Procura encontrar os quadros do conhecimento que considera serem eles próprios uma definição do espírito enquanto faculdade de conhecimento. Opera a chamada «revolução coperniciana» ao colocar sob a dependência da estrutura dita «transcendental» do sujeito a percepção e o conhecimento dos objectos. No fundo, a racionalidade para Kant consiste em reconduzir à unidade das categorias do pensamento os elementos dispersos do real. A essa faculdade de síntese que permite a passagem das intuições sensíveis às experiências do sujeito pensante relativas aos objectos chama Kant raciocínio ( Verstand), reservando o termo razão (Vernunft) a um grau superior de síntese de conhecimentos. Sugere pois que a razão tende naturalmente ultrapassar a experiência, faz-nos-ia conhecer objectos de uma ordem superior, não presentes na nossa simples experiência. Note-se ainda que Kant refere-se a uma outra forma de razão, a chamada Razão prática, ligada à faculdade, não de conhecer os objectos, mas de gerar máximas de acção moral, e em que os seus postulados se impõem como imperativos categóricos, incondicionais, fazendo da Razão prática a origem, não do conhecimento, mas duma acção conforme o destino do homem.

Kant é o filósofo do Iluminismo que sugere a ideia da capacidade da razão natural ser capaz de conduzir os homens à ciência e à sabedoria. A razão deixa de ser a soma das ideias inatas (Descartes) para se confundir com uma actividade que trabalha os materiais sensíveis. a razão define-se menos como uma posse que como uma forma de aquisição dos dados da experiência.

Este optimismo pela razão é atenuado por Hegel ao descobrir o carácter histórico da razão: ela é a tomada de consciência de uma harmonia fundamental entre a verdade objectiva e os nossos pensamentos subjectivos, mas esta consciência é uma conquista obtida ao longo da história da humanidade. Para Hegel esta realização progressiva da razão efectua-se por um processo que ele designa por dialéctico e se consubstancia no movimento incessante que arranca da afirmação, passa à negação e conclui na negação da negação através de uma síntese provisória (tese-antítese-síntese). Escreve Hegel: “ A única ideia que a filosofia nos dá é a da Razão, a ideia segundo a qual a Razão governa o mundo e por consequência a ideia pela qual a história universal se desenrola racionalmente... A Razão é a substância, isto é, algo através do qual a realidade encontra o seu ser e a sua consistência. Ela é a infinita potência ... Um fim último domina a vida dos povos; a Razão está presente na história universal, não a razão subjectiva e particular, mas a Razão divina, absoluta.”


Esta arrogância da razão gera naturais reacções anti-racionalistas de que são exemplo as filosofias de Fichte, Nietzsche, Schopenhauer, Kierkegaard, Bergson; e correntes literárias como o Romantismo.
Fichte ao revalorizar o plano impulsivo do sujeito está a recuperar o homem total: o ser humano dotado de intelecto, mas também constituído pela afectividade, motora da acção. A vontade, e com ela, o plano instintivo e afectivo do ser humano voltam a ser tema central das reflexões posteriores.
Schopenhauer fala de uma radical contingência, de uma ausência de fundamentação racional, face a uma vontade infinita, devoradora de si mesma.

Kierkegaard arremete contra Hegel e a universalidade da razão, o mundo da necessidade imposto por essa mesma razão, em que a liberdade humana mais não é que a aceitação racional dessa necessidade. Ao invés, Kierkegaard conhece no homem um ser que goza da suprema glória de não estar pré-determinado, e que assim sofre a suprema angústia da possibilidade. O que domina no pensador dinamarquês é a existência do homem concreto, individual que nega, pela sua individualidade, a abstracção da Ideia. Não lhe interessa conceptualizar a existência, mas defrontar a realidade concreta em que se dá o drama singular, o transe dramático da possibilidade.

Nietzsche insere a razão e a sua história numa história mais geral que seria a história da moral. A finalidade de Nietzsche é mostrar como o homem dotado de razão é uma figura nascida em determinadas condições históricas e culturais, ligada ao aparecimento e sedimentação de certos valores e que, pos isso, o homem, antes de ser racional, é um ser moral. Deste modo, a razão e outros conceitos, devem ser concebidos como valores, criados por uma moral. Daí a urgência de uma genealogia da moral que se mostra como a única capaz de explicar em profundidade a essência da chamada racionalidade humana. O pensador alemão vai encontrar em Sócrates e na moral judaico-cristã a origem de todo o processo dicotómico entre as essências ou ideias por um lado, e o conhecimento instável aparente do mundo sensível, modelo de pensamento que acabará por se impor na cultura ocidental, um modelo que estabelece uma dualidade de realidades com valores diferentes.

A atitude romântica defende a primazia dos valores vitais sobre os valores intelectuais, entendendo por aqueles os que têm as suas raízes na vida biológica por oposição aos que resultam de uma imagem da nossa existência reflectida pela inteligência. Exalta-se o poder, o amor, a intuição (Bergson opõe esta última à inteligência das coisas inertes, que predominaria no reino das ciências). Promove-se um estilo de existência que valoriza a acção, a emoção e a paixão. No domínio do conhecimento a atitude romântica opõe ao modelo da razão abstracta e do método científico, o modelo de um saber directo e indecomponível.
A escola romântica recusa o pensamento do racionalismo iluminista ( a razão discursiva) ao valorizar a imaginação, a sensibilidade, a intuição, a singularidade do indivíduo.


Mas tudo isto não impede o desenvolvimento da ciência. Com efeito, se o séc. XVIII foi chamado o século das Luzes, o século XIX é conhecido pelo século das ciências. Na verdade, emergiram nessa época novas ciências, e vieram a obter-se novas descobertas técnicas e científicas. Amparado na visão determinista da razão científica o positivismo reforçou o cientismo e um conhecimento puramente racional. A Revolução industrial, com a consequente industrialização, acaba por impor um pensamento ao serviço dos números e do dinheiro. O século XIX concretiza as certezas da ciência positiva e actualiza o triunfo da era prometaica iniciada com o Renascimento. Prometeu, herói na antiga Ática, é conhecido por ter ensinado aos homens o saber que fundamenta a civilização: a arte de trabalhar, de construir, de curar. Trata-se de um titã que simboliza a revolta humana contra a tirania do real e da matéria. Acontece que o Prometeu dos tempos modernos, assoberbado pela obra feita e dominado por um poder sem freio, precipita-se para a sua própria queda.


A consciência ecológica é porventura o mais transparente sintoma deste sinal dos tempos. A razão e a ciência tantas vezes idolatrada recebem aceradas críticas e fala-se até de crise da razão. O vitalismo bergsoniano, o pragmatismo e a psicanálise freudiana mostram todo um mundo que se esconde por trás da razão omnipotente. As próprias guerras mundiais levam à interrogação sobre o poder auto-destruidor da razão, surgindo esta não poucas vezes associada à opressão. Aparece cada vez mais a urgência de reequacionarmos o papel e o lugar da razão no mundo real. Humanistas ( Sartre) e anti-humanistas ( estruturalismo, mas também Heidegger que vê o homem como «pastor do ser») defrontam-se numa realidade que é marcada cada vez mais pelo poder da tecnociência e do audiovisual.


A filosofia das ciências e a epistemologia entram em campo e assiste-se ao debate entre neopositivistas, a epistemologia Bachelardiana, o racionalismo crítico de Popper, a teoria Kuhniana dos paradigmas científicos e o anarquismo epistemológico de Feyerabend sobre a possibilidade, a validade e a operacionalidade da ciência, e com ela e razão, no conhecimento da realidade. Na conhecida obra de Feyerabend, “Adeus à Razão”, o autor, que reconhece uma certa paridade entre todos os tipos de aproximação ao real, assim como as várias estratégias metodológicas utilizadas para tal, escreve a dado passo: “...desenvolvamos uma nova espécie de conhecimento que seja verdadeiramente humano, não porque incorpore uma ideia abstracta de humanidade, mas pelo simples facto de que todos possam participar na sua construção, e utilizemos esse conhecimento para resolver os dois problemas mais graves que estão pendentes, o da sobrevivência e o da paz...”


Quanto às ciências sociais e humanas o panorama das ideias altera-se em pouco mais de vinte anos: o estruturalismo predominante não há muito tempo é substituído pelo individualismo (o indivíduo como actor de acção social ) e pelo irrupção do interaccionismo. A morte do homem anunciada por Foucault denuncia a própria construção socio-cultural ( e ideológica ) da ideia de homem, e com ele, da razão que o acompanha.


Este final do século reabilita a natureza e liga o homem a esta. Ao contrário da oposição clássica entre natureza e cultura, e da idealização do humano, Edgar Morin condena a “noção insular do homem, isolado da natureza e da sua própria natureza” e acrescenta: “...o que tem de morrer é a auto-idolatria do homem, que se admira a si próprio na imagem pretensiosa da sua própria racionalidade”
Max Weber, conhecido pelo seu estudo sobre a burocracia, prefere uma sociologia compreensiva a uma sociologia explicativa. Para ele o interesse das ciências sociais é justamente encontrar o sentido que as actividades sociais tomam para os próprios actores, e preconiza o estudo do comportamento individual e a significação subjectiva da acção.


Alfred Schutz e a análise fenomenológica que faz do mundo social assim como a metodologia proposta sobre a articulação entre o investigador e a vida quotidiana inspiram-se até certo ponto em Weber, procurando ir mais longe na pesquisa do sentido que o sujeito dá à sua acção.
Racionalidade no sentido sociológico do termo consiste justamente nas razões que levam um indivíduo a agir desta ou daquela maneira. Desta definição parte o individualismo metodológico para o seu estudo que se se traduz numa análise que pressupõe que todo o fenómeno social deve ser compreendido como o produto de acções individuais.


O sociólogo francês Maffesoli acrescenta no entanto a esta primazia da existência, à factualidade fractal e efémera das construções individuais, e consequente pluralismo cognitivo, a visão holística da sociedade, na medida em que a compreensão da sociedade repousa numa análise que saiba integrar as dimensões económicas, políticas, organizacionais, culturais, imaginárias e quotidianas. O causalismo e o quantitativo nas ciências sociais não devem obstaculizar ao estudo das actividades do quotidiano como sejam o sonho, o jogo, a teatralidade, os rituais, enfim, ao imaginário que povoa as experiências quotidianas dos homens concretos.
Aponta inclusivamente as premissas epistemológicas de um tratado de senso-comunologia, que pretenderia ser o resultado da sua pesquisa sociológica: 1) crítica ao dualismo esquemático ( por exemplo, entre o abstracto e o concreto); 2) formismo, uma vez que a sociolgia estuda as formas da vida social enquanto continentes receptivos a conteúdos diversos, e a formal é formante e não simplesmente formal; 3) sensibilidade relativista ; 4) pesquisa estilística e estetizante; 5) um pensamento libertário.
Obviamente que um saber quotidiano deste tipo requere e exige uma epistemologia e é, justamente, para este aspecto que Moisés de Lemos Martins chama a atenção no seu artigo publicado no nº37 da Revista Crítica das Ciências Sociais.


Gilbert Durand distingue duas correntes nas ciências sociais que rompem ambas com a sociologia positivista e que exploram domínios inexplorados: a primeira, que inspira toda a etnologia contemporânea, estuda os símbolos, os mitos e os ritos enfim do que se afasta das nossas sociedades, e tem em Roger Caillois o principal representante; a segunda debruça-se no que é mais comum da nossa vida actual, reabilitando o quotidiano, sendo o precursor desta corrente o sociológo alemão Georges Simmel que no início do século lançou-se na análise das futilidades como a moda, a fotografia, etc, e tem como actuais representantes nomes como Jacques Bril, Pierre Sansot, Michel Maffesoli (fundador duma estética sociológica, atenta às figuras do quotidiano, ao frívolo, ao efémero), todos eles saídos da Escola de Grenoble. Não muito longe destas correntes andam ainda a sociologia dita das “histórias de vida” (Ferraroti), e autores como Castoriadis (livro: L’Institution imaginaire de la société) e Balandier. Em todos estes autores como bem nota Durand “...um esforço para reencantar o mundo da pesquisa e o seu objecto (o «social» e o «societal» ), que tão desencantado está pelos conceptualismos, pelas rígidas dialecticas e pelos positivismos unidimensionais.(...) Doravante a sociologia quer-se figurativa, fundada no conhecimento ordinário do quotidiano, em que sujeito e objecto não são mais que um no acto de conhecer, e em que o estatuto simbólico da imagem se torna o modelo o paradigma”.
Pelo lado da filosofia, Wunenburger denuncia a lógica e o modelo de razão que tem prevalecido até aos nossos dias. Propugna uma lógica que aceite as contradições, os conflitos, as oposições, enfim, uma razão contraditória. E descobre duas linhas do pensamento contemporâneo que tentam superam a razão identitária clássica: uma que postula uma totalidade compósita, poliédrica, antagónica, holística; uma outra promove modos de pensar contraditórios e paradoxais.


Ainda do lado da filosofia temos a obra de Michel Onfray que recupera um certo hedonismo dos gnósticos licenciosos, dos livre-pensadores e dos libertinos eruditos para construir uma «Art de Jouir» a partir dos escombros da razão clássica e das verdades por ela proclamadas, não se cansando nunca de lembrar que Dionysos é o pai de Apolo.


Do nosso breve e muito resumido excurso pela história longínqua ( e recente ) da razão deriva a ideia de riqueza e complexidade do seu significado. Uma razão sensível não se deixa aprisionar pela razão e lógica abstracta e descarnada, antes pelo contrário alimenta-se e dirige-se para a vida , o quotidiano, a experiência e procura compreender a dimensão trágica da vida. Não se trata de uma razão asséptica, fria e distante do objecto que cura em apreender. Afinal, do que se trata, e outra coisa não seria possível, é de uma razão humana, demasiadamente humana.



Bibliografia consultada:
Durand, Gilbert - L’Imaginaire- ed. Hatier
Feyeraben, P. - Adiós a la razon - ed. tecnos
Granger, G.G. - La Raison - ed. PUF
Maffesoli, M. - O Conhecimento do quotidiano
A Conquista do presente
Aux creux des apparences, pour une éthique de l’esthétique
Onfray, M. - L’Art de Jouir - ed Livre de poche
Russ, J. - A Aventura do pensamento europeu - ed Terramar
Schutz, A. - Le chercheur et le quotidien - ed. Klincksieck
Wunenburger, J.J. - A Razão contraditória - ed. Instituto Piaget