5.3.11

Os novos anarquistas ( texto de Leonel Moura)

Os novos anarquistas
(texto de Leonel Moura publicado no Jornal de Negócios)

Nestes últimos dias, a propósito de uma música dos Deolinda, gerou-se a ideia de que os jovens de hoje são passivos e incapazes de construir a sua história.

Compreende-se. Para a minha geração, que viveu o Maio de 68 e o 25 de Abril, revolução significa manifestações, barricadas, alguma violência e sobretudo organizar a revolta. Nessa perspetiva os jovens de agora surgem como demasiado acomodados a um sistema e uma economia que lhes é bastante desfavorável. Ficam-se pela casa dos pais, submetem-se a baixos e precários salários, resignam-se ao desemprego. Aparentam estar dispersos e desorganizados. A própria música em questão é um lamento mas não uma revolta. No "nosso tempo" o protesto exprimia-se em múltiplos atos de resistência ao fascismo e à guerra colonial, nas escolas, nas universidades, por vezes nas ruas e sobretudo na deserção em massa e fuga para o estrangeiro, facto que está por estudar e tem sido bastante ignorado. Ou seja, a vida nunca é fácil e a da minha geração não o foi certamente.

Sucede que os contextos vão mudando e ser irreverente ou revolucionário não significa sempre a mesma coisa. Os jovens de hoje são ativos na mudança do mundo de maneiras distintas da juventude de outrora. Nascidos no tempo da internet e da globalização funcionam num complexo sistema de redes que excede em muito o pequeno núcleo de amizades, as conversas de café, as tertúlias, a militância. Podem não ter muito dinheiro no bolso, mas na rede são senhores.
Comunicam, criam, protestam, mobilizam-se e, sem que o mundo "adulto" e instalado se dê bem conta, vão alterando radicalmente as coisas. Foram eles que inventaram o Twitter, o Facebook, o WikiLeaks e também a insurreição árabe. São eles que abalam constantemente a velha política, a velha oposição e a velha economia com as suas ações "blitzkrieg" contra ditadores, capitalistas, corruptos e uma democracia incapaz de se renovar. Nunca o mundo esteve tão atento às falcatruas dos ricos e poderosos. Nunca a exigência ética foi tão manifesta. Nunca a inovação social e económica foi tão acelerada e determinante.

Para usar velhas terminologias, os jovens de hoje são fundamentalmente anarquistas pacifistas, o que pode parecer uma contradição dos termos, mas não é. Embora a violência possa surgir, vide manifestações anticapitalistas um pouco por toda a parte ou as rebeliões na Tunísia e Egito, não se trata aqui do anarquismo dos atentados, da desordem e da má fama dos discursos ligeiros. Mas aquele que deriva do apelo da liberdade, do ser libertário, do não apreciar chefes e hierarquias. E sobretudo aquele que valoriza ao máximo a autonomia individual e o tomar o destino nas próprias mãos. Um anarquismo que nasce da própria lógica da Internet e das redes sociais, onde não existem chefes nem mandantes e cada um dá e partilha o seu contributo próprio. Um anarquismo que emerge em determinadas situações, muito à maneira das ideias e práticas do bando pioneiro de Guy Debord.

É neste contexto que o argumento do desinteresse dos jovens pela política revela ser tão desajustado. É um facto que a maioria dos jovens não aprecia a política que ainda hoje se pratica, herdada do século passado, e tanta do século 19, diga-se de passagem, e seu sistema de partidos, retórica parlamentar, defesa de interesses e corrupção. E ainda bem. Pela formação e condição preferem a construção da vida mais do que o jogo da política. Preferem a criatividade, a generosidade, a dedicação e, porque não, a ambição. Todos os dias surgem novas descobertas e novas soluções para velhos e recentes problemas. E isso, mais do que tanta coisa, é mesmo mudar o mundo.

Os jovens, como lhes compete, estão a criar uma nova sociedade. Uma sociedade mais livre, socialmente mais exigente e justa, com indivíduos mais autónomos e novos meios de interação interpessoal e global. Como sempre, não são compreendidos pelo "status quo" que vive na ilusão do imutável. Mas o processo está em andamento e não há nada a fazer. Não são os jovens que têm de se ajustar ao vigente. Somos todos nós que temos de nos adaptar ao que já está em marcha. Não são os jovens que têm de se interessar mais pela política, é esta que tem de mudar radicalmente.