16.3.11

Japão: sismo desencadeia alerta nuclear ( texto muito interessante do Le Monde Diplomatique)

Japão: sismo desencadeia alerta nuclear
Depois do terramoto, seguido de tsunami, veio a explosão na central nuclear de Fukushima, cujas consequências futuras são ainda desconhecidas (a central situa-se a apenas 300 quilómetros de Tóquio).

Neste momento, os nossos primeiros pensamentos vão para as japonesas e para os japoneses, que acabam de sofrer o maior sismo desde Kobé, em 1995. E, entre eles, vão para os bombeiros que partiram de avião para a central nuclear. Estes «liquidatários» vão arriscar a vida para salvar o país e, mais ainda, limitar as consequências planetárias da explosão do reactor. A radioactividade dentro da central já atinge, a cada hora que passa, a quantidade anual admissível. Qualquer acidente adicional vai traduzir-se num crescimento dos riscos para os intervenientes.

É preciso ter uma coragem sem limites para intervir ali conhecendo as consequências. A experiência dos liquidatários de Tchernobil não pode ser esquecida. Aquelas e aqueles que nunca receberam informação sobre essa experiência devem, sem dúvida, ler o livro La Supplication, de Svetlana Alexievitch [1].

Se há pessoas que merecem, a título colectivo, um prémio Nobel da Paz, são realmente os liquidatários de Tchernobil — e agora os de Fukushima.

Do lado oposto ao destas mulheres e homens que vão sofrer neste combate, estão os que brincaram com o fogo nuclear. É a eles que devemos dirigir-nos agora para obter informações que nos permitam realmente escolher, democrática e cientificamente.

Porque o nuclear é uma tecnologia muito particular. Nunca foi confinado e os seus riscos prendem-se com dois tipos de acontecimentos. Em primeiro lugar, o risco ligado ao «acidente»: avaria, explosão e consequências de acontecimentos externos (tsunamis ou perigos terroristas, como o causado pelo avião que, a 11 de Setembro de 2001, devia ter-se despenhado sobre a central de Three Mile Island. A libertação na atmosfera de muitos materiais radioactivos vai provocar, desde logo, cancros e outras doenças — cujo acompanhamento não está, aliás, assegurado. Depois, há o risco das «doses reduzidas», porque as centrais e os outros elos da cadeia nuclear — em particular os transportes, os locais de armazenamento e de extracção de plutónio, como Haia — libertam regularmente elementos radioactivos que estão a seguir presentes nos rios, no mar, nas praias, nas florestas, etc.

Esta ausência de confinamento, que faz com que uma dispersão de produtos radioactivos afecte todo o planeta, diz respeito aos dois tipos de riscos. Tchernobil, apesar dos esforços dos alfandegários franceses, mostrou a extensão das zonas afectadas pelos acidentes. Mas há outras informações que sugerem que os elementos radioactivos circulam cada vez mais. Por exemplo, enquanto que antes de 1945 não existia plutónio na natureza, agora ele pode ser encontrado nos dentes de leite das crianças britânicas.

Quando alguns decidem desenvolver o sector nuclear, todo o planeta é, portanto, afectado. Mas estas decisões são tomadas de forma opaca, sem debate público, sem que se disponibilize uma real informação — contraditória e científica — às populações.

Faltam-nos, em particular, informações essenciais para a tomada de decisões. Todas as tecnologias têm riscos. A questão que se coloca nunca é a da segurança absoluta, mas a da relação entre o risco e os benefícios desejados. Ora, não dispomos de estudos relativos aos seguintes pontos essenciais.

• Qual é a rentabilidade económica do nuclear, considerando todo o tempo de vida do sector? Com efeito, o nuclear tem um tempo de vida muito superior ao tempo de funcionamento (rentabilidade de um ponto de vista económico imediato, a que demasiadas vezes se dá prioridade). Para medir o custo económico real, convém incluir nos modelos o acompanhamento dos resíduos até que os seus riscos se tornem insignificantes, ou seja, durante séculos. Há também o «desmantelamento» das centrais. A experiência de Brennilis, na Bretanha, mostra-nos que os custos reais (e os problemas técnicos surgidos) são muito superiores aos avaliados [2]. Por fim, deve ser feita a avaliação do custo dos acidentes, que como são assumidos por toda a sociedade nunca são incluídos nos cálculos de rentabilidade efectuados pelos agentes da fileira nuclear. Uma subparte desta questão seria conhecer de forma bem precisa o balanço energético global do sector. Que parte da energia produzida é realmente utilizável, uma vez subtraídas as perdas em linha (centrais evidentemente distanciadas dos locais de consumo), a energia dissipada na construção e depois no tratamento dos resíduos e, por fim, no desmantelamento. Sem falar de todo o tipo de custos em caso de acidente.

• Qual é o real impacto do nuclear na saúde, tanto em doses reduzidas [3] como, evidentemente, em situação de acidente? Neste quadro, não nos podemos limitar aos mortos imediatos (em Tchernobil foram uns trinta): é preciso contabilizar as consequências posteriores nas populações vizinhas e nos liquidadores. A morbilidade (doenças, mal-estar, problemas crónicos…) merece toda a nossa atenção. Os estudos relacionados com Tchernobil sempre minimizaram este aspecto [4]. E quando o médico bielorrusso Yury Bandazhevsky mostrou as consequências de Tchernobil nas crianças nascidas depois do acidente, o poder preferiu fechá-lo na prisão. As consequências no Japão, que dispõe de um excelente aparelho estatístico e de um acompanhamento médico particularmente eficaz e competente na área do nuclear — uma herança de Hiroxima e Nagasáqui — devem merecer toda a nossa atenção. Os doentes não podem continuar a ser descartados como vítimas de uma síndrome de paranóia atómica.

• Quais são as implicações do nuclear energético sobre a paz no mundo? É nas chamadas fileiras «civis» que têm origem os produtos utilizados pelas armas nucleares, tanto no caso dos materiais físseis de alta energia usados para a bomba como no caso dos chamados materiais «empobrecidos» usados para as armas penetrantes. A mesma origem «civil» têm os produtos usados nas «bombas sujas», utilizadas por agentes não-estatais. E não são as centrais nucleares pontos de fraqueza que podem ser explorados por atacantes? O exemplo japonês mostra que o acidente não está forçosamente ligado a causas «internas» às próprias centrais.

• Qual é o impacto social da indústria nuclear? Porque se tornou o emprego precário a norma numa indústria em que a força de trabalho que se compra, para intervir em zona contaminada, é a própria vida dos operários? O excelente romance La Centrale, de Elisabeth Filhol, é uma investigação junto destes precários do nuclear em França [5]… Basta imaginar qual será a situação em países onde a pobreza, e portanto a necessidade de vender o que se tem para alimentar a família, é mais forte. A que modelo de trabalho recorre o sector nuclear? E de que modelo de dessensibilização se cobrem os «assalariados»? Quem lida com trabalhadores do nuclear tem, evidentemente, histórias anedóticas para contar sobre a mistura de medo da radiação e de valentia que muitas vezes leva, em caso de exposição a doses excessivas, a que se acuse os detectores de radioactividade em vez de reconhecer as emissões.

Os entusiasmos das décadas entre 1930 e 1950, período em que reinou a ideia de uma energia «inesgotável», de alto rendimento e de baixo custo, podem ser compreendidos. Tratava-se de dominar o fogo, uma actividade que os homens adoram… Mas será possível que tudo fique igual depois de Tchernobil? Podemos persistir no mesmo? Porque o argumento da «segurança» reforçada nas centrais refere-se sobretudo a problemas internos, nomeadamente aos meios para enfrentar as más decisões humanas. Mas será possível oferecer garantias suficientes face aos actos externos de alta energia (sismo, tsunami, mas também tempestade, ataque terrorista dirigido, etc.)? É certo que, a partir do momento em que há um alerta sísmico, as centrais japonesas são colocadas em suspensão, mas esta é uma operação longa e que pode correr mal, como temos vindo a constatar nos últimos dias. Haveria uma «segurança» que pudesse ter estado à altura do acontecimento? À altura das consequências sociais e sanitárias do acidente?

É a este tipo de questões que a comunidade científica, mas também os cidadãos, a quem elas dizem respeito, devem dedicar a sua atenção. Para que a escolha de manter ou abandonar o nuclear se apoie em dados globais e coerentes, e não em pressupostos, sejam eles ideológicos (a mistificação do progresso e do controlo humano dos acontecimentos) ou mais especificamente ligados a interesses económicos. Os poderes públicos podiam dedicar os seus esforços a estas reflexões abertas, em vez de servirem de representantes comerciais internacionais aos transnacionais do sector.

Acrescentemos um último ponto sobre a informação relativa ao nuclear. Estamos agora perante um estudo de caso. O que nos dizem os jornalistas é fiável? Quais são as suas fontes? Seguir, hora após hora, os fios das informações, das negações, dos desmentidos, das confirmações e dos erros de informação difundidos desde que o sismo ocorreu mostra os limites de uma informação planetária quando estão em jogo questões económicas, mas também políticas, militares e ideológicas.

É verdade que o papel da comunicação social não é fazer com que as populações entrem em pânico. Muitas vezes o pânico provoca catástrofes ainda maiores. Mas à distância também será assim? Teremos de fazer o luto de uma informação apoiada nos factos em benefício de uma «informação de guerra», isto é, orientada pelas necessidades de segurança dos poderes públicos? Por fim, será que se deve tomar as populações por ignorantes e acreditar que ninguém consegue perceber a preocupação que está por detrás da agitação? E, neste caso, a ausência de transparência não será ainda mais preocupante?

Os acidentes são momentos muito sensíveis durante os quais é preciso calar e agir (o perigo está ali, é preciso enfrentá-lo) e preparar o amanhã, retirar lições e prever consequências. Infelizmente, uma vez passada a emoção, as questões tendem a ser postas de lado pela rotina, pelos compromissos, pela ausência de reflexão global e, sobretudo, pela imunidade de que gozam os agentes dos sectores que criam os acidentes (e não apenas o nuclear…). No fim de contas, se ainda há pessoas vivas para continuar a informar, é certamente porque o perigo foi «vencido»…

Ulrich Bek, no livro premonitório La Société du risque (escrito antes de Tchernobil e publicado na semana seguinte, com um prefácio escrito a quente [6]), explicava que depois de o risco se ter concretizado, as sociedades, para continuarem a existir, tinham como principal obsessão simplesmente negá-lo. Até à sua próxima ocorrência?

Texto de Hervé Le Crosnier

Foto de Dalaiama Street Art

quarta-feira 16 de Março de 2011

Notas
[1] Ver Dominique Chouchan, «Les survivants de Tchernobyl», Le Monde diplomatique, Abril de 1999.

[2] Ler «Brennilis: 25 ans de centrale. Il est plus facile de construire une centrale nucléaire que de la démanteler», Le Canard enchaîné, 28 de Julho de 2010; Angélie Baral, «Nucléaire pas cher: la fin du rêve», Urbiz.fr, 25 de Agosto de 2010.

[3] Ver Jean-François Viel, La Santé publique atomisée. Radioactivité et leucémie, Les leçons de la Hague, La Découverte, 1998.

[4] Para um balanço actualizado da catástrofe, ler Alison Katz, «Os dossiês enterrados de Tchernobil», Le Monde diplomatique — edição portuguesa, Dezembro de 2010.

[5] Elisabeth Filhol, La Centrale, POL, Paris, 2010.

[6] Traduzido em francês em 2001, Flammarion, Paris.