12.11.10

A desobediência civil contra o nuclear na Alemanha, e os violentos contra a NATO em Portugal


Fonte: http://gaia.org.pt/

O transporte de resíduos nucleares reprocessados na central de reprocessamento de La Hague, demorou mais de 90 horas a fazer um percurso de 1500 km, até ao depósito de Gorleben, em Wendland, na Alemanha. Tratou-se do transporte de Castor (acrónimo para cask for storage and transport of radioactive material) mais demorado de sempre, desde o seu início em 1995. As acções visaram não só contestar o armazenamento de resíduos nucleares altamente radioactivos em Gorleben, como também contestar a decisão, do governo de maioria de direita CDU (cristão-democratas) e FDP (ultra-liberais), de prolongar o funcionamento das centrais nucleares até mais 18 anos. Terá, aliás, sido esta decisão que conduziu à maior mobilização de sempre contra o transporte de Castor.

As acções contra o transporte nuclear na Alemanha foram completamente não violentas, ainda que significativamente radicais, envolvendo acções de desobediência civil e acções directas não violentas, incluindo sabotagem.
Apesar disso, tal como a paranóia com os grupos violentos que antecede a cimeira da NATO, também nos jornais bacocos alemães, de larga circulação, apareceram alertas para a violência que iria ser cometida por grupos radicais (autónomos) durante o transporte do Castor. Este tipo de mensagens é recorrente em todos os grandes protestos, constituindo um veículo perfeito para justificar as enormes despesas em equipamento e mobilização policial, ao mesmo tempo que contribui para descredibilizar ou ocultar a mensagem política dos protestos. A violência nas grandes manifestações é, por isso, frequentemente estimulada ou até provocada pelas autoridades (directamente, ou por elementos infiltrados), acabando por legitimar intervenções policiais violentas contra os manifestantes.

A eficácia das acções não violentas dos últimos dias contra o transporte nuclear na Alemanha, resultou não apenas de uma mobilização de grande número de protestantes, mas também da diversidade, complementaridade e unidade entre as diferentes formas de acção não violenta. As várias formas de oposição ao transporte do Castor respeitaram um consenso alargado, previamente trabalhado, de não-violência. Contudo, a principal razão pela qual não houve protestos não-violentos, terá sido o sentimento do potencial que as várias acções directas e de desobediência civil tinham na perturbação do transporte do Castor. A este contexto de diversidade na acção, somou-se o respeito pelas diferentes formas de acção, desde as manifestações até à sabotagem, passando pelos bloqueios. Em nenhum momento, surgiu no discurso das várias organizações uma condenação da violência de qualquer grupo de manifestantes. A única violência que foi condenada (e a única que efectivamente existiu) foi a da polícia.

No Sábado, cerca de 50 mil pessoas manifestaram-se em Dannenberg (capital de Wendland), contra a energia nuclear, num protesto calmo e colorido. Enquanto isso, o CASTOR começava a sofrer atrasos significativos devido a vários bloqueios ou tentativas de bloqueio ao longo do trajecto em França e Alemanha.
Pouco depois da partida, em Caen, alguns activistas acorrentaram-se à linha e obrigaram a uma paragem de várias horas. Em Berg, perto da fronteira alemã, mais de 1000 activistas bloqueavam recorrentemente a linha ao longo de quase 1 km, o que obrigou o comboio a seguir por uma rota mais longa. Durante a madrugada de Domingo, já na Alemanha, o comboio fica novamente impedido de circular por 50 pessoas sentadas na linha e alguns escaladores que se penduraram por cima.

Ao chegar a Luneburgo, última cidade antes de entrar em Wendland, o transporte já levava 8 horas de atraso em relação ao previsto. Contudo, foi em Wendland que encontrou a maior e mais diversificada resistência da população local e activistas vindos de toda a Alemanha.

Na noite de Domingo para 2ª feira, 5 mil pessoas ocupavam a linha, no troço de cerca de 40 km entre Luneburgo e Dannenberg. Acções de sabotagem, envolvendo a remoção de pedras (Schottern!) estavam planeadas para a madrugada. 10 mil pessoas haviam subscrito o apoio a estas acções e vários milhares conseguiram efectivamente sabotar a linha, apesar da forte repressão policial.

Em frente aos portões do armazém de resíduos nucleares em Gorleben, cerca de 4 mil pessoas bloquearam o acesso durante quase 45 horas. Esta acção, designada por X-Tausendmal quer (“atravessamento milhares de vezes”, em que X é o símbolo da resistência à entrada do nuclear em Gorleben), repete-se todos os anos, mas nunca esta acção de desobediência civil em massa juntou tantas pessoas. A logística no local era impressionante e o ambiente fantástico.
Mesmo com temperaturas perto de 0 ºC, era possível dançar, conversar ou dormir
confortavelmente.

Entretanto, quando o Castor acabava de ser transferido para camiões para efectuar a última parte do trajecto (pouco mais de 20 km), a Greenpeace bloqueia a estrada com um falso camião de cerveja. Neste autêntico Cavalo de Tróia, 4 activistas acorrentaram-se dentro de blocos de betão com vidro. A operação para os remover demorou cerca de 8 horas.

Os agricultores locais tiveram um dos papéis mais relevantes em tudo isso. Primeiro, porque são os efectivos representantes da resistência local contra o armazém nuclear, sendo quem mais sofre no dia-a-dia os efeitos de uma emissão radioactiva permanente, nos seus campos (alguns a menos de 1 km de distância) e nos seus corpos (a aldeia de Gorleben está a cerca de 2,5 km). A sua luta já leva mais de 30 anos. Noite e dia, avançaram para bloquear as várias vias de acesso rodoviário, quase sempre com tractores. Um pastor bloqueou uma estrada com mais de 1000 ovelhas e 500 cabras e, em Gorleben, alguns agricultores acorrentaram-se numa pirâmide de betão.

Os bloqueios permanentes das várias vias de acesso rodoviário, impediam a polícia de aproximar-se dos locais das acções directas e bloqueios, criando um imenso problema logístico à polícia. Ao ficar impedida de passar com equipamento pesado (como canhões de água) e veículos de transporte, teve dificuldades em fornecer alimentação aos seus efectivos e de transportar novas equipas das casernas onde se encontravam alojados. Algumas equipas foram obrigadas a ficar em serviço durante 30 horas e a suportar longos períodos de jejum. Os bloqueios dos agricultores permitiam, contudo, a passagem dos activistas, ao deixar espaço suficiente ou atalhos para a passagem de pequenos veículos, e abrindo as barricadas para os autocarros que transportavam os activistas entre os acampamentos.

As dificuldades sentidas pela polícia levaram o vice-presidente do sindicato da polícia a afirmar que não podem ser os polícias a pagar pelos erros políticos e que os seus colegas não estão mais dispostos a vestir o uniforme para estas coisas.

A enorme mobilização contra o Castor foi capaz de veicular uma forte mensagem política, colocando em cheque a proposta do governo de coligação CDU-FDP (já aprovada no Bundestag), de prolongar o funcionamento das centrais nucleares por uma média de 18 anos. Ninguém quer viver com resíduos nucleares altamente radioactivos à sua porta. No entanto, a produção de energia nuclear gera resíduos com os quais ninguém sabe como lidar de forma segura e permanente, além de agravar o risco de proliferação nuclear. A única solução possível é, por isso, que as centrais nucleares sejam encerradas num espaço de tempo tão curto quanto possível.

Em Portugal, infelizmente, o actual contexto de desunião do movimento social, com cada lado crente na legitimidade das suas acções e violência ou má imagem provocada pelos outros, faz com que as grandes mobilizações sociais raramente atinjam resultados significativos. Os protestos contra o transporte nuclear na Alemanha demonstraram que a unidade através da diversidade, são o melhor dos caminhos para alcançar uma mobilização social poderosas, perturbadora e não violenta. Cada indivíduo ou grupo foi livre de escolher a sua forma de acção e nenhuma parte censurou a outra. A sabotagem só foi possível devido aos bloqueios na linha e na estrada. Por sua vez, os bloqueios na estrada e na linha só puderam permanecer tanto tempo e não ser alvo de violência policial, devido aos recorrentes bloqueios dos agricultores, com tractores ou animais, ou da Greenpeace, com o camião de cerveja; e, finalmente, a grande mobilização de pessoas para as acções entre Domingo e 3ª feira, terá beneficiado da grande manifestação de Sábado.

A mobilização da PAGAN – uma plataforma criada a partir de um conceito de diversidade – contra a cimeira da NATO, trilha um importante caminho para uma unidade dos movimentos sociais na sua diversidade de acção, ainda que o difícil equilíbrio entre a diversidade e consenso seja perturbado por algumas pedras. A PAGAN não só participará na manifestação convocada pelo Movimento Paz Sim, NATO Não (que lamentavelmente comunicou que quer impedir a participação da PAGAN, fazendo assim o jogo da polícia e das autoridades sobre a existência de grupos violentos), como também promove acções de desobediência civil, em forte coordenação com a rede internacional No To NATO.

Mobilizemo-nos para a oposição à cimeira da NATO e à sua política de guerra (que pretende ser alargada para o domínio civil). Sigamos o exemplo de sucesso da unidade na diversidade com que a oposição à energia nuclear na Alemanha nos presentou nestes últimos dias, pelo fim do nuclear (civil ou militar, que ambos vão de mãos dadas), pelo fim da NATO e das suas guerras!