1.7.10

Documentário de Claudia Clemente sobre a editora & etc já está disponível ao público

&ETC
Um filme de Claudia Clemente

A “&etc” foi criada em 1973. É uma pequena editora, que desde então e até aos dias de hoje se rege por parâmetros bastante singulares – não tem fins lucrativos, não publica obras “comerciais”, edita autores desconhecidos. Tornou-se ao longo dos anos uma referência no panorama nacional, conhecida tanto pelo lado plástico/estético dos seus livros quadrados como pelos personagens que publicam, tais como, por exemplo, João César Monteiro, Adília Lopes ou Alberto Pimenta, alguns dos autores mais alternativos da actualidade. Vítor Silva Tavares e Rui Caeiro recordam aqui alguns episódios ao longo das três décadas de funcionamento desta editora.

Realização
Claudia Clemente
Produção: Claudia Clemente/Restart
Câmara : João Miguel Silva/Claudia Clemente
Som: João Miguel Silva
Montagem: Claudia Clemente
Pós-Produção Áudio: Ricardo Ganhão
Correcção de cor: Graça Castanheira
Intervenientes: Adília Lopes, Alberto Pimenta, Paulo Costa Domingos,Rui Caeiro, Vítor Silva Tavares


Sobre a Realizadora
Claudia Clemente, arquitecta de formação, divide o seu trabalho actual entre a escrita e a realização cinematográfica, entre a ficção e os documentários.
Nascida no Porto em 1970, estudou arquitectura nessa cidade e cinema em Lisboa e Barcelona. Licenciou-se em arquitectura na FAUP em 1995. Publicou o seu primeiro livro de contos, “O caderno negro” em 2003, na editora Tinta Permanente.Concluiu o curso de Escrita de Argumentos para Longas-metragens da Gulbenkian, com a London Film School, em 2006.Terminou o curso de cinema na Restart, em 2007.
Os seus contos foram editados em Portugal, Espanha e Itália.Realizou 3 curtas metragens e um documentário.Foi responsável pelos argumentos, storyboards, realização, direcção de arte, montagem e (na maioria dos casos) produção dos seus próprios filmes. Estes já foram exibidos em Portugal, no Brasil, no Uruguai, na Índia, em Cuba e em Itália, tendo sido premiados em diversos festivais.

http://www.claudiaclemente.org/
http://www.claudiaclemente.org/index.php?/project/-etc/

Editora do DVD
http://www.midas-filmes.pt/

Editora & etc
http://www.editoraeetc.com/









Reprodução do texto de Paulo Costa Domingues por altura dos 20 anos da editora & etc, hoje com 37 anos, e que fomos recolher ao seu blogue Frenesi-livros e que foi lido numa recente sessão de apresentação do DVD com o filme de Cladia Clemente sobre a editora & etc



Foi ontem, há 20 anos, quando aqui cheguei. A um cubículo exíguo na Rua da Mãe d’Água 13-2.º dt.º, que servia de redacção ao quinzenário & etc, e foi para vir a integrar uma escassa equipa de jogadores permanentes então assistidos por inúmeros colaboradores externos. Lista de personagens quase do meu total desconhecimento, que, até à reviravolta dos humores em Abril de 1974, nunca parou de crescer, cumprindo as honras da linguagem da casa e as tarefas rebeldes de uma resistência bem disposta. Alguns deles – entre artistas plásticos, tradutores e os mais – devemos reconhecê-los como nucleares. As suas participações consigo levam o nome.
Nessa altura, poeta designava notavelmente inconfundíveis princípios de vida, sentido próprio contra ventos e marés. Hoje, como é sabido, a estética e os graus académicos ocuparam todos os terrenos baldios, não sobra nesga onde plantar uma couve portuguesa. Lugar às (ditas) “novas” “sensibilidades”!
Há duas décadas, portanto, a identificação dos inimigos do homem-de-rosto-descoberto-e-corpo-inteiro era tão fácil que ninguém, deste lado, declinava o oportuno instante, que se lhe aprazasse, para molhar na sopa. [...]
Às vontades que fizeram a revista & etc, entre Janeiro de 1973 e Outubro de 1974, substituiu-se um leque de livros de autor algo estranhos, por comparação com a literatura de salamaleques e cócegas a prémio.
Sendo nós, hoje, cada vez menos, e cada vez mais amarga a disposição, o ideal não esmoreceu: sabotar o gozo de mandões e poderosos, instilar algum fel no reino da estupidez. As maçãs da sabedoria e da revolta colhem-se do chão. Ou mesmo do subsolo. Na Rua da Emenda – actual morada poética somente dos aventureiros que ainda acompanham o Vitor Silva Tavares – desce-se até ao subterrâneo 3 por uma rampa que sobe, e vice-versa.
Eu ligo sempre a & etc ao Vitor Silva Tavares, não por qualquer estigma personalista que pudesse assombrar a editora, mas porque – no sentido culto e cultural de que o Vitor é herdeiro, mestre e transmissor de mensagem – um editor é aquele que faz imprimir a sua marca pessoal, a sua impressão digital, sobre tudo quanto toca. É por isso que, ainda recentemente, à beira da publicação de um livro meu no catálogo da & etc, acatei com júbilo o parecer de primeiro leitor – e leitor também com a autoridade de escritor – que o Vitor sempre foi de todas as obras por ele publicadas.
Trata-se de uma regra que, por mim, faz escola. É de facto regra que eu próprio defendo e promovo, enquanto também editor autónomo de livros... numa terra onde estes industriais do livro, que há agora, nem lêem aquilo que publicam nem jamais entraram dentro de uma tipografia para proceder ao acompanhamento final daquilo que atiram para o mercado, em golfadas de vómito de novidades.
O filme, que agora poderão com tempo visionar, dá, muito acertadamente, a ideia de um grande rega-bofe, que é o nosso dia-a-dia. Essa partilha do gozo permanecerá inalterável até ao nosso fim!... porque fizemos dessa alteridade uma arma de guerra... Afinal, com razão lá dizia o outro: «a cantiga é uma arma».
Todavia, sempre existiu quem não fosse em cantigas, ou porque não gostasse da nossa música, ou porque fossem sisudos... A Igreja, por exemplo, é sisuda. Dos políticos não pode dizer-se o mesmo: destes só pode afirmar-se que são meramente estúpidos... Quero com isto dizer que, para desconforto do nosso natural e legítimo exercício cívico, para insulto da nossa alegria de estar a transformar o mundo e as mentalidades, ciclicamente e em doses calculadas ou o Estado ou a Igreja tentaram cobrir-nos com o seu visco censório.
Durante os anos em que a revista conseguiu existir sitiada pela ditadura do velho Estado Novo, lá íamos nós, de cada vez que era posta em marcha a feitura de mais um número, lá íamos nós, no inapelável cumprimento da lei, com resmas de papéis apaixonantemente escritos obter autorização para os imprimir! E apesar dos cortes, no geral a ignorância dos censores, ou o seu laxismo de funcionários mal-pagos, não lhes permitiam medir forças no terreno culto da mera alusão, ou da metáfora, ou de um dito sarcástico...
Curiosamente, nessa época, que eu testemunhei, já de regime fascista em estado de putrefacção, nunca enviaram sobre nós as polícias. O mesmo não veio a suceder após a tal revolução abortada. Em pleno regime apregoadamente democrático, a 7 de Julho de 1980, por movida queixa da Igreja, o Estado mandou a Polícia Judiciária apreender em sede de editor os possíveis exemplares de um folheto histórico, cujo conteúdo visara... em 1910 !, repare-se, um então bispo no exercício das suas maldades. Inteligente, portanto, este assalto à história passada, quando nem o autor do texto nem o visado já tinham língua para terçarem razões.


Quanto ao filme que agora se encontra disponível para o visionamento doméstico, tanto podem encará-lo como um testemunho da verdade como tê-lo na conta de uma ficção – posso garantir que a Cláudia Clemente soube captar o espírito. E o espírito com o qual levámos por diante as nossas vidas tem sido a nossa mais nobre ficção, que irá desaparecer no esquecimento; são as nossas obras a verdade que vai ficar.

Paulo da Costa Domingos

http://frenesi-livros.blogspot.com/2010/06/foi-assim-na-fnac.html