A Mobilização Global seguido de O Estado-Guerra e Outros Textos.
«Os espaços de anonimato representam um verdadeiro desafio para a teoria revolucionária. O estatuto político dos espaços de anonimato (o não serem homogéneos, adicionáveis…) é função e já chega determinado pela essência da própria força do anonimato. É ela que lhes confere aquelas que são as suas características principais: ausência de reivindicação, articulação em torno de um gesto radical que se repete, não-futuro, politização apolítica. A força do anonimato aparece-nos quando tentamos pensar a radicalização da impotência. Essa força vem, então, ter connosco. Com toda a sua carga dissolvente e, ao mesmo tempo, portadora de promessas. Com toda a sua ingovernabilidade.Sentimos a impotência face a essa mobilização global que se faz de nós, connosco — contra nós — que unifica realidade e capitalismo, que proclama «Não há nada a fazer» . Esta frase, «não há nada a fazer» é uma frase estranha que em nada se assemelha a outras frases aparentemente parecidas: não podemos fazer nada, é impossível fazer seja o que for… «Não há nada a fazer» é o nome para uma bifurcação que conduz a dois lugares completamente diferentes: «Não se pode fazer nada» e «Tudo está por fazer». O primeiro caso não nos interessa. O segundo, sim. Quando se diz, de facto, «Não há nada a fazer» porque se bateu realmente no fundo e já não resta esperança alguma, o que então se abre é uma travessia do niilismo. Aí, sim, podemos afirmar que «Tudo está por fazer». A travessia do niilismo inaugurada pelo «Não há nada a fazer» não é outra coisa senão a radicalização da impotência. Uma radicalização que nos conduz ao que Artaud denominava o im-poder. Para ele, radicalizar a impotência é o mesmo que fazer a experiência do im-poder. A impotência aparece referida na sua correspondência com Rivière como a impossibilidade de pensar. A análise deste «querer pensar mas não poder pensar» constituirá o núcleo de todo o primeiro escrito de Artaud. Rapidamente essa impossibilidade haverá de estender-se ao próprio viver. Quero viver, mas não consigo viver." Santiago López-Petit, in Mobilização Global, Deriva Editores
Entrevista com o filósofo Santiago López-Petit, agora editado pela Deriva em Portugal, publicada na última edição da revista Visão.
«E se deixarmos de ser cidadãos?»
Perante a crise financeira, social e política que fragiliza as sociedades europeias que resposta devem dar os cidadãos?
E se deixarmos de ser cidadãos? O cidadão, hoje, não é um homem livre, é uma peça da máquina de opressão que se chama democracia. O cidadão é um homem que acredita no que o poder lhe diz. Agora, o poder diz que há uma crise terrível causada pelo facto do cidadão ter vivido acima das suas possibilidades e a única solução é o sacrifício. É falso. A crise é a fuga para a frente de um capitalismo desenfreado. Deixarmos de ser cidadãos é começarmos a esvaziar as instituições e perder o medo de experimentar outras formas de vida colectiva.
Como se faz isso?
O capitalismo e a realidade confundem-se. Viver já não é viver, é gerir a vida que temos e convertê-la num projecto rentável. Viver, em definitivo, é trabalhar. A nossa vida está precarizada e humilhada. Assinamos um contrato hipotecário com a realidade, mas podemos não o fazer. O nosso querer viver, em vez de funcionar dentro da máquina capitalista, pode transformar-se num desafio. Temos nas mãos a possibilidade de deixar de ser o que a realidade nos impõe e expulsarmos o medo que há em nós.
Nesse contexto, como se condiciona e sobrevive um pensamento livre?
O pensamento está assediado e desactivado. É muito mais do que a mera mercantilização e privatização. Desactivar o pensamento significa que nos expropriam dos saberes que nos veiculam ao mundo e à sua transformação colectiva. As ideias funcionam exclusivamente para o capital. Temos de libertar as ideias da sua sujeição. Em última instância, temos de nos converter num problema para a própria realidade. Isto é um pensamento livre.
Como define aquilo a que chama «Estado-Guerra»?
O Estado-Guerra aparece simbolicamente no 11 de Setembro de 2001 quando os EUA declararam guerra ao terrorismo. A política é a guerra contra o inimigo que o próprio Estado decide escolher. Mas o Estado-Guerra é apenas uma das caras da democracia. A outra é o fascismo pós-moderno baseado no reconhecimento da diferença para poder esterilizá-la e na neutralização mediante a cultura do conflito e a sua evacuação do espaço público