4.12.09

Carta para o Índio ( o casal Índio e Claudinha eram militantes do MST, Movimento dos Sem Terra, e foram assassinados esta semana no Brasil)


Carta para o Indio

Oi Índio,

Estou escrevendo essa carta depois de meses sem vê-lo e um dia após seu enterro e da Claudinha.

A notícia de seu assassinato fez com que minha alma fosse tomada por lembranças. Muitas são das grandes lutas que travamos, das marchas, ocupações e resistências. Onde sua rebeldia e radicalidade inspiraram a todos.

Mas meu amigo, tive a felicidade de dividir contigo, durante algum tempo, o cotidiano. E as lembranças que mais me tocam são essas. Solidário. A vida lhe formou um homem forte, como uma força da natureza. E sua força estava a serviço da vida, a qualquer hora, para qualquer coisa.

Que grande exemplo é a sua vida!

Quero que você saiba que Floresta parou para o seu velório. Sem Terras de todas as terras libertadas da região, militantes de todas as gerações, que nos formamos inspirados no seu exemplo, estavam presentes. Católicos, Evangélicos, bêbados, assentados, cortadores de cana, carregadores de abacaxi, arrendatários, professores, caminhoneiros, tratoristas, donos de venda,... o povo que você conhecia por dentro, alimento da sua esperança, estava presente.

Todos comentavam sobre seu exemplo, todos tinham um caso para contar. Conseguiu meu companheiro, confirmou-se sua pedagogia, a pedagogia do fazer junto. O de estar ali, junto ao povo, e no cotidiano construir junto a nova sociedade. Como dizia: “ Errando e acertando eu prefiro aqui, na base. Aqui tem tudo que precisamos para a luta".

Seu pai, nosso Seu Toninho, nosso irmão Valmir, fizeram questão da presença da bandeira do MST e um símbolo da cooperativa que você estava organizando no assentamento Zumbi V. E de aguardar a chegada dos seus irmãos de luta, como eles chamaram, que estavam vindo de outros cantos do Estado. Como disse seu pai:

" Pois aqui estamos homenageando dois militantes."

Na cerimônia, do Pastor aos familiares, todos falaram de sua vida dedicada ao bem comum, de sua coerência. Mas de todas as homenagens a de sua irmã Lucia, que conheci muito pouco, que não participava diretamente de nossas lutas foi a mais bonita. Ela chamou a todos a assumirmos o compromisso de continuarmos lutando pela vida que você lutou, pela bandeira vermelha.

Meu companheiro, sei que você estava preparado para as armas do latifúndio e do Estado, sem que isso afetasse seu amor a vida. Era inevitável reconhecermos os riscos numa região dominada pela Elite Canavieira há 500 anos, com toda sua cultura de violência. Mas sei que não estava preparado para a mão que apertou o gatilho.

Indio, vocês foram assassinados por esse sistema de sociedade. Esse sistema que degrada a vida, desumaniza as relações, que se alimenta de destruição, que cultua a violência e mata milhares todos os dias. A violência, a morte, gera lucro para as grandes empresas.

Companheiro, nossa marcha continuará! Inspirada na sua rebeldia e teimosia. Inspirada no amor de vocês.

Sua voz continuará gritando, agora, por todas as bocas em luta:

PÁTRIA LIVRE! VENCEREMOS!
De seu irmão de luta
("Rum")


26/Nov.2009 - enviado pela FARJ –Rio de Janeiro

Retirado de:
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