De todos os sonhos de criança, não há senão um que ainda ocupa o meu pensamento e em quem eu coloco todas as minhas esperanças: o de me tornar em Pipi das Meias Altas.
A Pippi é o meu ídolo, o meu guia, o meu modelo em tudo. A Pipi zomba das identidades e dos papéis sociais, especialmente das identidades sexuais. Ela não tem medo de nada, fala alto, adora a briga e as peças dos carro, de subir às árvores, lutar com uma espada na mão, vestir saias, e andar com meias e um cinto de suspensório; ela costura, faz o trabalho doméstico e enche de satisfação as crianças com os seus petiscos culinários.
Pipi não segue senão os seus próprios padrões de beleza: anda com as sardas como se fosse o seu estandarte, apesar das opiniões da esteticista que vende os cremes de beleza.
Ela é apátrida, já percorreu o mundo, não é de nenhum lado e, ao mesmo tempo, é de todos os lugares. É inclassificável, irredutível a qualquer caracterização. Sem esquecer que ela é uma rapariga a que chamam Pipi, o que no Quebec remete para uma certa indefinição perturbadora mas deliciosa quanto à sua sexualidade.
Pippi é irrecuperável. Ela constrói com audácia e mestria o seu projecto de emancipação, de experimentação quotidiana, evitando as manobras que possam rebaixá-la. Não obstante, todos os dispositivos do poder tentam constantemente manietá-la, e trazê-la para a ordem: a tia Percilla, que conspira com as madames da vizinhança para a levar para a escola, os chuis que a querem levá-la à força para orfanato, os ladrões que pretendem roubá-la e atentar contra a sua pessoa. Pipi a todos os ridiculariza graças à sua perspicácia, à sua imaginação e à sua força prodigiosa. Não conseguimos imaginá-la integrada numa família, numa igreja, numa pátria, num partido. Os adultos não conseguem impôr-se à sua vontade.
Pipi é uma rebelde, uma adepta de estratégias insurreccionais. Provoca as situações, transforma cada território que atravessa numa zona autónoma temporária. Na sua casa ( Villa Drôlederepos) – que não é mais do que um squatter autogerido - ela vive com indivíduos seleccionados por afinidade: o senhor Nilsson e o tio Alfred – que não são só dois compinchas perfeitos, mas também são seres dotados de razão, que vivem de acordo com os seus desejos, o que torna a coisa mais alegre, como se imagina. A casa está localizada no limbo do poder capitalista, estatal e patriarcal, e completamente fora do sistema mercantil de mercado. Lá ninguém trabalha e as actividades são realizadas de uma forma lúdica, graças à sua árvore, onde cresce o chocolate e a limonada, e, especialmente, a sua mala cheia, não com dinheiro, mas "dobrões espanhóis", um «tesouro» que é o símbolo dos recursos da terra aprovisionados, e que são consumidos segundo as necessidades. Todos os que habitam ou passam pela casa guiam-se apenas pelas suas próprias necessidades e não pelos seus próprios desejos. Pipi come do que gosta, deita-se e levanta-se quando lhe dá na telha, faz as limpa a casa e veste-se como muito bem entende, inspira-se pelos seus desejos e pela sua fantasia, e incentiva os seus amigos Tommy e Annika a fazer o mesmo.
Pipi é uma teórica subversiva. Ela não pára de inventar novas situações, novas possibilidades de acção graças à sua criatividade fenomenal. Por exemplo, ela desfaz a escola como se fosse umas simples meias, dizendo preferir as escolas da Argentina, onde "se está continuamente a comer doces" através de um longo tubo que vai directamente para a sala de aula a partir da fábrica de doces e que faz descargas contínuas de forma a manter ocupados os alunos. E quando a sua amiga Annika lhe diz que é feio mentir, logo é repreendida pelo irmão, que observa que a " Pipi não mente senão para dizer a verdade. Ela inventa!" Pipi mente porque inventa, cria a sua própria vida de acordo com seus próprios padrões e ao fazê-lo acrescenta mais uma brecha na parede já rachada da ordem hierárquica e dominadora.
Acima de tudo, Pipi é uma criança. Ela não espera crescer para ser intelectual, saber a tabuada, para se casar ou se candidatar a presidente de câmara ela quer apenas viver de acordo com seus próprios desejos e segundo as suas próprias necessidades. E para isso ela age com os seus próprios meios, adaptando-se estrategicamente às situações, acabando de ir ao fundo de si mesma, o que faz dela a menininha mais terrível e mais forte do mundo.
Há muito tempo que os meus nove anos se foram, e, no entanto, ainda hoje não tenho mais nenhuma outra ambição que não seja ser a Pipi das Meias Altas.
Anne Archet
Adaptação a partir do texto traduzido por Liberdade à Solta, e posto a circular na Internet pela ANA (agência de notícias anarquistas)
"Pippi Långstrump" (em sueco) , Pipi das Meias Altas ( em português) , Pipi das Calças Largas ( em castelhano), Fifi Brindacier (em francês), Pippi Longstocking ( em inglês), ou expressões similares como Píppi Meialonga, Bibi Meialonga, é a personagem que dá título a uma série de livros infanto-juvenis da autora sueca Astrid Lindgren. Foi transformada em série de TV, iniciada em 1969 e com várias réplicas até 1973, sempre com a mesma actriz (Karin Inger Monica Nilsson) como protagonista.
Sobre a Pipi das Meias Altas:
Sobre a actriz Karin Inger Monica Nilsson
http://en.wikipedia.org/wiki/Inger_Nilsson
Sobre a escritora sueca Astrid Lindgren:
http://en.wikipedia.org/wiki/Astrid_Lindgren
http://pt.wikipedia.org/wiki/Astrid_Lindgren
http://www.astridlindgren.se/
http://www.astridlindgrensnas.se/
http://www.astrid-lindgren.com/
e ainda aqui
Sobre a escritora sueca Astrid Lindgren:
http://en.wikipedia.org/wiki/Astrid_Lindgren
http://pt.wikipedia.org/wiki/Astrid_Lindgren
http://www.astridlindgren.se/
http://www.astridlindgrensnas.se/
http://www.astrid-lindgren.com/
e ainda aqui
Pippi das meias altas - genérico português
Encontro dos actores-protagonistas da série Pippi Longstocking