12.4.09

A ala apimentada da democracia ( texto escrito por um comunista, revolucionário confesso, de crítica ao blogue Pimenta Negra)

NOTA PRÉVIA: fazendo jus aos mimos com que somos brindados pelo autor do blogue com o nome do saudoso Café Moçambique em Coimbra não podíamos obviamente frustar tantas e tão elevadas expectativas, e num acto de intenso fervor democrático, republicamos o seu texto que, segundo se percebe, pretende constituir uma crítica ao blogue Pimenta Negra.

Esperamos com este gesto que o comunista - revolucionário confesso - que redigiu o texto crítico dirigido ao Pimenta Negra consiga ultrapassar definitivamente a sua «fixação» e «auto-vitimização», até porque temos pouca vontade para polemizar com quem se mostra tão convicto nas suas opiniões, confundindo porventura simples teorias ou doutrinas políticas com uma pretensa ciência, transformada em verdade revelada.

O único reparo, de que nos penitenciamos, é o texto sobre os acontecimentos da Grécia, que foi publicado aqui no Pimenta Negra, e que por lapso ou precipitação não foi acompanhado da indicação da fonte de onde foi recolhido: o blogue Velha Toupeira.

Quanto ao mais, tudo não passa de ociosos exercícios de estilo, à procura da essência e pureza virginal da Revolução, do Comunismo, do Proletariado, etc, muito ao jeito de quem passa tempo em circunlóquios conceptuais metafísicos e transcendentais, bem regados com copos de cerveja no café Moçambique, à espera de um qualquer D.Sebastião.

O texto seguinte foi retirado do
blogue Café Moçambique


A ala apimentada da democracia


Não cesso de me espantar com o material recomendado em certos recantos auto-denominados libertários. E que não se pense que com esta pequena manifestação estou a lançar lenha para a fogueira do sectarismo. À partida, para esse meio, eu estou do lado de fora. O ecletismo tem limites. Se no Reino Unido as correntes das quais me sinto próximo se exprimem em plano principal na libcom.org ou estão mesmo integradas na Federação Anarquista, se no mundo hispanófono uma organização que publica e traduz o mesmo tipo de material que eu se alberga no portal klinamen.org e é distribuído pela
Mariposas del Caos ou em França esse material se encontra na bibliolibertaire.org ou na infokiosques.net, por aqui o que faço foi taxado de confusionismo, ou mesmo de puro fascismo, por aqueles que estou em vias de criticar.
Não falemos já do apoio acrítico a Fóruns Sociais Mundiais promovidos por forças que apenas querem salvar o capitalismo gerindo-o mais humanamente, e isso numa época em que o projecto reformista faliu completamente (ver
O Impasse Cidadanista). Comparar por exemplo com o posicionamento de alguns companheiros brasileiros. Nem sequer da divulgação acrítica do pedófilo Hakim Bey, activo propagador de posições nacionalistas. Agora vou limitar-me a criticar a recomendação dum filósofo democrata francês, Michel Onfray, que costuma passar por anarquista graças, precisamente, a recomendações deste tipo. Para esse efeito, vou basear-me numa carta ao “Monde Libertaire” endereçada por Claude Guillon, um dos autores do Suicídio, modo de usar, publicado entre nós pela Antígona, precisamente a propósito deste tema.

Ele cita longamente o personagem que se diz “individualmente em insubmissão contra o capitalismo na sua versão liberal” (será que se submeteria de bom grado a um capitalismo de outro tipo?) e que afirma logo a seguir, e que por isso mesmo, se sente no dever de apoiar, na verdade, de votar em gente como o Louçã francês, um tal Besancenot. E justifica-se dizendo que essa esquerda da esquerda realmente constitui uma oposição política ao liberalismo (mais uma vez é muito específico naquilo que repudia), corporizando um projecto tardio de Bourdieu (mais uma figura eminentemente radical e libertária, como aliás o nosso Boaventura, leitura também recomendada pela ala apimentada) que seria o de dar voz política àqueles que normalmente não a têm e que por isso engrossariam a abstenção (supremo pecado mortal libertário este, de se permitir tal coisa!), de ir além dos “míticos e não encontráveis trabalhadores e trabalhadoras”. Permita-se-nos neste ponto comentar que realmente para certo tipo de gente, encontrar trabalhadores deve ser um bico de obra, ao ponto de se os considerar “míticos”. Cada um frequenta as companhias próprias à sua classe social. Imagino que o Bourdieu deve falar disto.
E o nosso amigo Claude passa a citar um texto ainda mais interessante onde o filósofo “libertário” desta vez critica os libertários, isto é, aqueles que ao contrário dele não evoluem ao ponto de não considerar envelhecidas as “chatezas militantes de ontem e de anteontem” tais como: “o cosmopolitismo dos cidadão do mundo, a fraternidade universal, a abolição das classes e das raças, o fim do trabalho e do salariato, a supressão do capitalismo , a pulverização de todas as alienações, o igualitarismo radical, …” que o nosso filósofo desqualifica do alto da sua sofisticação muito em dia como a “instauração do paraíso cristão na terra laica…”

A lista das chatezas militantes de anteontem expostas, que são o muito actual programa de qualquer revolucionário que se preze, continuava assim: “a supressão das diferenças, a uniformidade generalizada, a construção duma sociedade natural de homens felizes de viver em conjunto, o advento de lazeres generalizados, a realidade purificada das escórias odiosas e mortíferas”. Ou seja, uma verdadeira caricatura que amalgamada com a primeira parte só serve para desacreditar a posição revolucionária e tentar impingir a mercadoria nova do nosso filósofo.
É então uma velharia querer suprimir o capitalismo e as classes mas uma posição genuinamente renovada a de apoiar candidatos às eleições.

E é isto o que a ala apimentada da democracia recomenda aos seus leitores. Reparem, se ainda não repararam, que o reformismo tanto existe na sua versão estatista (a velha social-democracia) como na sua versão associativista “libertária”, ambas convergindo na sua recusa de reconhecer a necessidade de superar de uma forma não gradual o capitalismo, dedicando-se cada uma à sua maneira a tentar geri-lo, uns no estado outros na sua base cidadã.
Talvez por isso, quem denuncia um ecletismo libertário que alberga acriticamente um projecto reformista no seu seio é confrontado sectariamente com uma clivagem absolutamente anacrónica que amalgama de um lado comunistas de conselhos e estalinistas e do outro quer fazer conviver contra-natura Onfrays e o anarquismo revolucionário.

P.S. Este texto refere-se obviamente ao site Pimenta Negra. O meu espanto perante certas recomendações de leitura e indicações de eventos não se transformaria nesta denúncia se precisamente eu não tivesse sido vítima por parte do animador desse site de uma perseguição sectária. Não quero dizer com isto que o meu espanto não o é já que é antes uma vingança. Nada disso. Pois se o site PN tem como objectivo explícito divulgar material não necessariamente anarquista, naturalmente divulgará Onfray, Boaventura Sousa Santos e outros que tais. Mas então se o paladar dos nossos divulgadores é tão eclético por quê o encarniçamento contra certas correntes claramente revolucionárias e anti-estatais? Por quê divulgar materiais estranhos a qualquer projecto libertário e que além disso têm por trás de si empresas comerciais a quem não falta departamento de publicidade e ao mesmo tempo se vai ao meu blog, se recolhem as minhas traduções de panfletos da insurreição grega e nem sequer se deixa uma referência à fonte, quando essa cortesia é feita correntemente a qualquer figura apenas remotamente libertária? A minha tentativa de resposta está no fim deste texto. Certas clivagens secundárias são avançadas apenas para mascarar a essencial: reforma ou revolução.