11.3.09

Aviso Público da Casa Viva



Estavam à nossa espera. O blog anunciava o início da festa às 11h00, mas passava do meio-dia quando começamos a montar bancas, mesas, cadeiras, bancos, cavaletes, xadrez, livros, pincéis e papéis na praça do marquês. Apareceram de imediato. PSP, dois agentes, um dos quais graduado. O mesmo que comunicou ao primeiro que abordou que ali não podíamos estar, por se tratar de um evento anunciado, o blog que haviam consultado assim o confirmava e tal carece de licença, coisa de que não dispúnhamos.

“Evento” … o termo, e respectiva definição, desenrolou uma conversa de mais de uma hora. Sobre este e outros conceitos não se chegou a consenso algum. Ficou o aviso: “sujeitam-se a que apareça a polícia municipal e apreenda todo o material que aqui se encontra”. Pretendíamos, apenas, provocar um encontro numa praça da cidade, um encontro para distribuir informação, conversar, jogar xadrez ou jogar à petanca, pintar, fotografar, ler, estar. Regado com alegria de palhaços e almoço popular. Tudo isso aconteceu.

Pelas 16h30, quando a também anunciada polícia municipal surgiu, recolhíamos já à CasaViva, um espaço de propriedade privada mas porventura dos mais públicos na verdadeira acepção da palavra. A fachada exibia então um Aviso Público: A censura é sempre mais violenta do que qualquer faixa. Ao contrário da autoridade, a CasaViva não censura, não criminaliza, não mata. (*)

Como a realidade lá fora é outra e porque o desconhecimento da lei não é desculpa para poder prevaricar no que à mesma diz respeito, com a colaboração do referido simpático agente no seu esclarecimento, elaborou-se o possível Manual de Frequência do Espaço Público:

1- Não se pode montar bancas de informação, com ou sem rodas, mesmo que não existam transacções comerciais. Pode distribuir-se propaganda desde que autoportante e, em caso de cansaço físico, só se pode sentar e/ou pousar essa informação em mobiliário municipal por poucos segundos, talvez um minuto, a lei parece não ser muito precisa.

2- Não se pode trazer um sofá para a praça e confortavelmente sentar-se ao sol a ler um livro, mas pode-se trazer uma cadeirinha, cuja dimensão parece que a lei também não refere com precisão, nem o tempo em que essa cadeirinha poderá estar a incomodar no espaço público. Segundo o agente graduado, a grande diferença entre um sofá e uma cadeirinha, numa praça, é o facto de o sofá provocar os transeuntes a questionarem-se do porquê de tal mobiliário "anormal". Está a dizer-me, então, que a lei existe para defender as pessoas de se interrogarem sobre o que as rodeia? "Sim.” E que, portanto, a lei existe para normalizar as pessoas impedindo-as de exercerem o seu espírito crítico? "Sim.”

3- Pode-se ter um cavalete para qualquer cidadão pintar, mas se for mesa, nem que seja para crianças, já não pode ser.

4- Pode-se ter e estar a jogar xadrez num tabuleiro desde que não incorpore uma mesa.

5- Para se realizar um encontro com mais de três pessoas, este não pode ser anunciado na Internet, pois será considerado organizado e portanto carece de autorização do Governo Civil. Mas se esse ajuntamento já tem história, é tradição, já pode livre e espontaneamente acontecer, conforme comprova o ajuntamento dos senhores do jogo da sueca, diariamente na praça do marquês. E para ser considerado tradição não chega ter como antecedentes só dois outros encontros, não se sabe se os nossos recentes três já serão suficientes.

5.1- Se o encontro for numa praça, por mais que seja um local de estar, é preciso ter cuidado quanto ao fim a que se destina, para não pôr em risco o que ela por definição não é, corredor de circulação pedonal. Ficai os interessados também a saber que, se corredor fosse, teria de se chamar Stª. Catarina e ser ocupada na altura em que está vedada ao trânsito automóvel. Se assim for, já isto e muito mais poderá acontecer e mesmo que bloqueie a passagem de um transeunte desinteressado não carece de autorização do Governo Civil.

5.2- Se clandestinamente organizar qualquer coisa, evite chamar-lhe evento, escamoteie o facto de ser organizado, mesmo que o não seja e verifique se está numa praça e se na sua fronteira existe algum edifício do qual possa sair gente considerável que necessite atravessá-la, como, por exemplo, uma igreja. Pois é, parece que o espaço público, apesar de assim se manter nomeado e além de cada vez mais parco nas nossas cidades, está cada vez mais parecido, nas suas limitações, com o espaço privado.

6- Embora o que dizem que a lei diz, não diz se o que no dicionário quer dizer é o que a lei diz. Para quem necessite ou deseje frequentar o espaço público, fique a saber que um dicionário de 2009 diz o seguinte:

“Evento”, do latim eventu, acontecimento.

“Organização”, acto ou efeito de organizar, preparação, planeamento, disposição que permite o uso e funcionamento eficiente, relação de coordenação e coerência dos diversos elementos que formam um todo.

“Praça”, do latim platêa, praça pública, lugar amplo, zona de estar, geralmente rodeado de edifícios [o que quer dizer que as ruas que a ladeiam são a área de circulação desse espaço].

“Rua”, do latim ruga, sulco, caminho, via ladeada de edifícios, zona que privilegia a circulação.

7- Mesmo assim se a sua acção levar os transeuntes a saírem das suas vidas pacatas, questionando-se na sua realidade e na do mundo que os rodeia, já corre sérios riscos de apreensão de todo o material por parte da polícia municipal e, no mínimo, são necessárias identificações dos provocadores dessa acção. Corre ainda um outro risco, o dessa acção ser considerada crime contra a paz pública, isto se subjectivamente tornar viável a hipótese de um cidadão, e basta um, com “um nível cultural baixo”, mais uma definição em que a lei peca por falta de precisão, interpretar mal a acção e desta forma sentir-se impelido à violência; pode vir a ser acusado de terrorismo, o que não será forçosamente mau se desejar alguma projecção nos média, desde que arranje um bom advogado para não acabar a gozar a sua glória aos quadradinhos.

Querem melhor e mais genuína, vindo de quem vem, explicação da lógica das leis? São estes os nossos sete pecados mortais a acrescentar às razões que contribuem para esvaziar o espaço público, torná-lo mais inseguro e, portanto, necessariamente mais policiado, violento e repressivo, em cidades cada vez mais elitistas de gente que se auto-enclausura em condomínios fechados que proliferam como cogumelos. Esta chama-se Porto Vivo, até podia ser vip mas é zip (zona de intervenção prioritária): um somatório de casas devolutas a recuperar para uma população influente, endinheirada, a bem de uma cidade chique, cuja alma é empurrada para os subúrbios. Porque a alma é a gente que lá nasceu, cresceu e viveu, com conta na mercearia, que pode contar a história daquela esquina, que conhece o vizinho que lá viveu antes, o barbeiro que já fechou e as vendedeiras do Bolhão de geração em geração. É a morte da cidade Aniki Bobó.

Tudo isto obriga a uma actualização de conceitos, pois praça, rua, casa, espaço público e privado já não são o que eram e nem um gajo que queira ser “um cidadão exemplar” sabe como agir. Portanto, já sabem, quando saírem de casa deixem o espírito crítico na gaveta da mesinha de cabeceira senão sujeitam-se a que, em Portugal, hoje e amanhã… a autoridade vos tente amordaçar.


fui ao jardim do DIAP giroflé flé flá


Um apelo em forma de relato

O segurança do DIAP, que mais não é do que o homem que aponta o nome de quem sabe ao que vai e orienta quem não sabe, disse-nos que a 1ª secção, na verdade a primeira de que nos lembramos, era do outro lado da rua. Do outro lado da rua, a menina que nos atendeu, e que tratava, de facto de coisas da 1ª secção, informou-nos que tínhamos acertado à primeira, senão na secção, pelo menos no edifício. Mas, onde tínhamos escolhido subir as escadas para o que nos parecia a entrada principal, e que o era, de facto, deveríamos ter decidido descer para o que parecia uma arrecadação, mas que era, na realidade, a secretaria, ou seja, o local onde nos indicariam definitivamente a secção a que nos deveríamos dirigir, assim como o respectivo piso.

Voltamos a atravessar a rua, onde se esqueceram de desenhar uma passadeira, quiçá um viaduto para peões, para facilitar as viagens de um edifício para o outro, ambos do DIAP em tête-à-tête na rua, nem de propósito, da Constituição. O moçoilo que nos atendeu solícito deixava o telefone tocar, afinal ele estava embrenhado no seu computador a ver se descobria para onde nos mandar e ia agora um gajo, só por ser ao telefone, passar à frente de quem lá estava presente, quem quer que seja que tente mais tarde e pode ser que tenha a sorte de, nesse preciso momento, ele não estar com outro caso entre mãos. Neste, o número do processo que a 7ª esquadra da Polícia de Segurança Pública do Porto tinha dado ao caso da apreensão da faixa não aparecia em lado nenhum. Subam ao 2º piso e, na 5ª secção, peçam para ver se o processo agora não tem o número tal, foi o melhor que se arranjou. Assim fizemos.

E, de facto, segundo nos informou a funcionária que preferia ter feito ponte naquela véspera de Carnaval, o processo da faixa estava apenso a um outro processo. Já receberam outra notificação, não é verdade? Não era. Não importa! O que importa é que foi tudo arquivado. Um momento... Não importa?! Então há um processo, que até foi arquivado, valha-nos isso, calcula-se que por falta de validade e/ou viabilidade, sem que os alegados proto-arguidos tenham sido notificados, e não importa?! Faça lá o favor de nos dizer que processo é esse. Nem imaginam a pilha de documentos que tenho lá dentro, não tenho tempo para procurar isso, ainda por cima hoje que tenho a fezada de bater o meu record no tetris. Não disse tanto, claro está, alguma coisa tê-la-á apenas pensado, façam o favor de a considerar pura especulação nossa ao olharmos para a cara que nos lançou a funcionária que preferia ter feito ponte naquela véspera de Carnaval.

Bem, então se se arquivou o processo da faixa, se se descobriu que não havia justificação para levar a coisa a tribunal, se se achou, realmente, que a nossa mensagem não apelava à violência... queremos a faixa de volta. O quê?! É verdade. Queremos a faixa. Vão ter que pedi-la e, depois, o magistrado decide se a entrega ou não. Como é que é? Escrevem um papelito a fazer o vosso pedido e logo se vê se é atendido ou não. Então tiram-nos a faixa por considerarem que é prova de crime, decidem que, afinal, não há crime e podem recusar-se, se lhes apetecer, a devolver a faixa? É assim mesmo.

Adiante. Não tem, por acaso, uma minuta que nos possa orientar? Mas vocês vão mesmo pedir a devolução da faixa? É convosco, mas pode dar azo a que haja um processo contra vocês. Por pedirmos a devolução da faixa? Vocês vão-se identificar e, assumindo a autoria, já há sobre quem fazer cair as responsabilidades. Mas a autoria já foi assumida na 7ª esquadra e, de certeza, isso fez parte das alegadas provas que algum magistrado viu antes de arquivar o caso... Afinal vocês querem a faixa ou querem um processo?, enervou-se a funcionária que preferia ter feito ponte naquela véspera de Carnaval. Nós queremos a faixa.

Se bem que um processo até vinha a calhar. Porque, se é vergonhoso, que se apreendam livros com nus nas capas, não o é menos que se retire, no dia a seguir a balear-se um puto à queima-roupa, uma faixa por ter escrito que a bófia dispara. Este ataque à liberdade de expressão e o processo que foi a nossa experiência no DIAP são reveladores de que se decidiu, sabe-se lá quem e sabe-se lá quando, que se permite que a polícia mate e se proteja censurando. Vá lá que em Braga censurou e não se protegeu matando. Mas nunca fiando...

Nesse caso, a coisa foi mediatizada, o Ministério Público entrou em cena e o rapaz dos livros tem conhecimentos, dinheiro e paciência para levar a coisa a tribunal. No nosso caso, a mediatização foi impossível, não só pela nossa consciente falta de esforço, mas também porque a faixa ligava o papel dos média à impunidade com que a polícia dispara. O Ministério Público arquivou o caso sem se preocupar em averiguar se houve algum delito contra a liberdade de expressão. Triste a sina de quem tem que viver num sítio onde o controlo do MP sobre a legalidade do trabalho dos seus subordinados está dependente da agenda mediática.

Resta-nos, portanto, se quisermos que isto não passe impune, ter a iniciativa de processar a polícia por atentado à liberdade de expressão. A questão é que não somos como o rapaz dos livros e não temos conhecimentos, dinheiro ou paciência para tal. Portanto, se fores ou conheceres alguém que possa tratar disso, estás a arranjar uma forma de garantir que a autoridade tem que começar a ter mais cuidado antes de entrar a abrir e a censurar o que lhe apetece. Fala connosco.

Doutra forma, o mais provável é que não aconteça mais nada em relação a isto, para além da devolução da faixa, que faremos por recuperar.