Acabou de sair pela editora de Coimbra, «Angelus Novus», um volume reunindo todos os textos anti-salazaristas , em verso e em prosa, da autoria de Fernando Pessoa, organizado e prefaciado por António Apolinário Lourenço
Da contracapa:
Quando em 25 de Abril de 1974 a Revolução dos Cravos pôs termo ao regime totalitário de Marcelo Caetano, não era previsível que a escalpelização do espólio de Fernando Pessoa viesse revelar um anti-salazarista inesperado: o próprio Fernando Pessoa. Os textos reunidos em Contra Salazar revelam como foi profunda a aversão do autor da Mensagem ao ditador santacombadense, e, sobretudo, que o rancor que estes textos manifestam tinha na sua base motivações tão nobres como o repúdio do autoritarismo do Estado corporativo e a defesa da liberdade de expressão.
http://www.angelus-novus.com/livros/detalhe.php?id=178
COITADINHO DO TIRANINHO
Coitadinho
Do tiraninho!
Não bebe vinho,
Nem sequer sozinho...
Bebe a verdade
E a liberdade,
E com tal agrado
Que já começam
A escassear no mercado.
Coitadinho
Do tiraninho!
O meu vizinho
Está na Guiné,
E o meu padrinho
No Limoeiro
Aqui ao pé,
E ninguém sabe porquê.
( poema de Fernando Pessoa)
Excerto da Introdução do livro ( retirado do site da editora):
Em 1926, Fernando Pessoa foi um dos inúmeros intelectuais portugueses que receberam com expectativa e até com esperança a chamada «Revolução Nacional» de 28 de Maio. A posição de Pessoa está perfeitamente expressa no opúsculo que publicou em 1928, intitulado O Interregno. Defesa e Justificação da Ditadura Militar em Portugal. A entrada em cena de Oliveira Salazar não alterou substancialmente a apreciação que o poeta fazia da situação. O lente de Coimbra não o empolgava, ao contrário do que havia sucedido com Sidónio Pais, mas apreciava o modo como, através da gestão política da sua acção nas finanças públicas, se havia transformado na figura carismática do novo regime.
O conservadorismo extremo de Salazar, sobretudo, nunca mereceu a simpatia de Fernando Pessoa, e a sua preocupação ia aumentando à medida que se apercebia da influência crescente na doutrina política do Estado Novo da ideologia do Integralismo Lusitano. Inquietava- o igualmente alguma macaqueação que ia sendo feita pelo poder político português de iniciativas e rituais próprios dos regimes totalitários da Itália e da Alemanha.
Em 1935, dois acontecimentos vêm acabar com todas as ilusões pessoanas relativamente a Salazar e ao Estado Novo: a aprovação, pela Assembleia Nacional, de um projecto de lei, apresentado pelo deputado José Cabral que proibia as Sociedades Secretas (como a Maçonaria) e a intervenção do Presidente do Conselho de Ministros na cerimónia de atribuição dos Prémios do Secretariado da Propaganda Nacional, em que a Mensagem foi um dos livros distinguidos, em 21 de Fevereiro.
A apresentação do projecto de José Cabral motivou da parte de Pessoa a redacção de um extenso artigo, intitulado «Sociedades secretas» e publicado em 4 de Fevereiro, no Diário de Lisboa. O resultado, no entanto, não foi o pretendido pelo autor de «Chuva Oblíqua». Em vez da compreensão que ingenuamente esperava, viu-se cruelmente criticado e insultado pela imprensa afecta ao regime.
Em 1934, Salazar tinha proibido o Movimento Nacional- -Sindicalista (da extrema-direita monárquica e católica), fundado por Rolão Preto em 1932 e apresentado publicamente em Fevereiro de 1933. O Chefe de Governo conseguira, no entanto, atrair para a órbita do Estado Novo uma parte significativa dos elementos desse grupo político, que, nos seus dias áureos, terá chegado a ter algumas dezenas de milhar de aderentes. Era justamente do grupo
nacio nal-sindicalista de Coimbra que provinha José Cabral.
Talvez esta circunstância permita compreender que tenha sido Rolão Preto, com muitos motivos para estar agastado com o seu antigo correligionário, a única voz a apoiar explicitamente — no Fradique — o protesto lavrado por Fernando Pessoa nas páginas do Diário de Lisboa.
Quanto à intervenção de Salazar, compreende-se pela leitura das cartas ou projectos de cartas ao Presidente da República e a Adolfo Casais Monteiro o motivo da irritação de Pessoa: a imposição de vexatórias directrizes políticas aos intelectuais portugueses. Refira-se, contudo, que Salazar se limitou a ler, na cerimónia, um excerto do prefácio do primeiro volume dos seus Discursos (1928- -1934), que seriam publicados pela Coimbra Editora, apelando realmente à responsabilidade social dos escritores.
ÍNDICE do livro
INTRODUÇÃO
POESIA
LIBERDADE
[António de Oliveira Salazar]
[Este senhor Salazar]
[Coitadinho do tiraninho]
[Mata os piolhos maiores]
[Vai p’ra o seminário]
À EMISSORA NACIONAL
[Solenemente]
[O rei reside em segredo]
[E o Salazar, artefacto]
[Salazar é mealheiro]
ELEGIA NA SOMBRA
[Sim, é o estado novo, e o povo]
[Dizem que o Jardim Zoológico]
[Meu pobre Portugal]
POEMA DE AMOR EM ESTADO NOVO
[Eu falei do «Mar Salgado»]
FADO DA CENSURA
PROSA
[A tese do prof. Salazar]
[Este movimento político representa uma
imoralidade]
ASSOCIAÇÕES SECRETA
[Sou situacionista por aceitação]
[Tudo isto é com a patroa]
[O reaccionário prático, o reaccionário teórico
e o reaccionário a fingir]
[Sarampo das novas épocas]
[Não publico porque não posso]
[Censura]
[O Estado Novo existe. O Interregno cessou]
[Ditadura à Mussolini]
[O argumenta essencial contra uma Ditadura
é que ela é Ditadura]
[Nacionalismo e Liberalismo]
[Civilização Cristã]
[Um cadáver emotivo]
[O Chefe do Governo não é um estadista: é
um arrumador]
[Salazar é Deus]
CARTAS
[A Adolfo Casais Monteiro]
[A Marques Matias]
[Ao Presidente da República]
NOTAS