3.10.08

Começa hoje em Lisboa o Colóquio luso-alemão sobre Max Stirner (anarquista individualista) na Fac. de Letras e no Goethe Institut


O encontro internacional „A actualidade de Stirner“, que foi organizado em 2006 por ocasião do 200° aniversário de Max Striner, mostrou que a crítica tem uma importância destacada para o filósofo e, em geral, para os jovens Hegelianos.
O colóquio em Lisboa tenta desenvolver este pensamento, mas com uma conotação diferente. Será abordado a crítica de religião de Stirner, a crítica da teoría de conhecimento de então, a crítica de Stirner a Proudhon, mas também a crítica à qual Stirner foi exposto por parte de Gustav Landauer e Georg Simmel.




A crítica de Stirner e a crítica a Stirner

DIE KRITIK STIRNERS UND DIE KRITIK AN STIRNER


Colóquio luso-alemão sobre Max Stirner


Lisboa - 3 e 4 de Outubro de 2008

3 de Outubro
Faculdade de Letras - Universidade de
Lisboa - Anfiteatro III



9h
Abertura e Apresentação.


10h
José Barata-Moura (Lisboa): Stirner: da nadificação ao momento ético da intimidade proprietária / Stirner: von der Vernichtung bis zum subjektiven ethischen Moment


11h
Beate Kramer (Berlin): A Plaidoyer as to why Science is not Religion: Stirner and Feyerabend

12h
Frank Hansel (Berlin): Wie hast du’s mit der Religion: Religionskritik nach Stirner / Qual é para ti o significado da religião? Crítica da religião de e após Stirner


Pausa


14h30
Nikos Psarros (Leipzig): Aristoteles – ein Anarchist, Stirner ein Aristoteliker? /Aristóteles, um anarquista - Stirner, um aristotélico?



15h30
Adriana Veríssimo Serrão (Lisboa): La demande de Feuerbach a Stirner: "que veut-il dire être un individu?”



16h
Geert-Lueke Lueken (Leipzig): For and Against Stirner. Gustav Landauer's Way to Communitarism/ Com Stirner contra Stirner.
A via de Gustav Landauer para o comunitarismo
Coordenação: Bernd Kast e Adriana Veríssimo Serrão
Organização: Departamento de Filosofia da Universidade de
Lisboa e Max Stirner Gesellschaft (Leipzig)
Com o apoio da Cátedra A Razão (Universidade de Lisboa)



17h
José Manuel Teixeira da Silva (U. Beira Interior): Liberdade de imprensa, censura e formas de dominação / Pressefreiheit, Zensur und Herrschaftsformen



4 de Outubro
Goethe-Institut - Campo dos Mártires da Pátria 36 – 37


9h.
Bernd Kast (Lisboa): Stirner e Simmel

Maurice Schuhmann (Berlin): StirnersProudhonkritik vor dem Hintergrund der junghegelianischenProudhonrezeption / A crítica deStirner a Proudhon à luz da recepção de Proudhonpelos jovens Hegelianos

Jannis Touras: Der Substanzbegriff bei Hegel undStirner / O conceito de substância em Hegel e Stirner

Gerhard Senft (Wien): Stirner und die Kritik derPolitischen Ökonomi


As conferências serão proferidas em inglês, francês, alemão e português


ENTRADA LIVRE





Acerca de Stirner

A publicação de O Único e a sua Propriedade em 1844 caiu como um relâmpago no meio da agitação de Berlim. O seu autor, Max Stirner, faz aí o anúncio de que Deus morrera, segredo que se procurava manter oculto a toda a custa e que Nietzsche repetiu estentoricamente, com bem mais sucesso. Mais grave ainda, como Sade antes dele avisa que, desaparecido o Senhor dos senhores, já não reconhece mais nenhum. A euforia que se seguira à revolução estava a ser dissipada pela seriedade do Estado, do povo ou da humanidade. Radicalizando o contrato moderno Stirner não reconhece outra soberania que não a do único, que se nega a cedê-la ou transferi-la para o Estado. Não é loucura pôr-se em pé de igualdade com o Estado ou a Humanidade, confrontá-los numa guerra de corpo a corpo? A afirmação de Joseph Beuys de que cada um é soberano ainda pode passar, porque se mantém dentro da arte, mas aquilo que Stirner tem para dizer, por afectar a vida, já no cabe em nenhum domínio. Mas se pode dizer algo sobre a vida, é porque se trata da sua vida… da vida de cada um de nós.
Durante muito tempo Stirner só foi lido clandestinamente. Uma espécie de maldição assinalou este livro. A censura da época bem hesitou, sem saber que fazer dele. Para o primeiro censor, que proibiu a sua publicação, era uma obra de barbárie, que atacava todos os valores, e se arrogava direitos absolutos sobre a propriedade e a vida. Criminoso, portanto. Para o Ministro que autorizou a publicação era um livro «demasiado absurdo para ser perigoso». Louco, portanto. Acima de tudo é um livro que sempre resistiu à leitura, que parecia exceder a todas. Quando a revolução se tornou questão de futuro opõe-lhe a revolta permanente para impedir que a que já tinha ocorrido se estabiliza e estiole. Quando o Estado liberal se procurava implantar timidamente, faz uma crítica demolidora do direito. Quando o comunismo de Marx começa a demolir o liberalismo, sustenta que a comunidade perfeita e o «Homem» são a forma culminante da servidão. Para Stirner são tudo formas de dominação. Stirner descobre que a dialéctica hegeliana do senhor e do servo mais do que chegar ao fim, tornando todos senhores, desembocou antes numa dominação psicotrópica, em que são os próprios indivíduos que ficam obcecados, fascinados, entusiasmados, com os espectros que os possuem. Muito antes da análise das perversões por Freud, da crítica do espectáculo ou da economia do entretenimento já Stirner estava a construir as primeiras armas para o combate.
Stirner rapidamente deixa de escrever, a sua vida é uma série de fracassos. Não são fracassos «belos» à Kafka, mas fracassos sem mais. Stirner morre na miséria, depois de ter sido preso por dívidas, mas o livro fez um caminho subterrâneo até nós, usando os sucesso de outros para se difundir. Passa através de Marx e Engels que dedicam mais de 300 páginas para o demolirem, e que ocultam o texto. O Ideologia Alemão é publicado apenas nos anos 30 do século passado, e incompleta. Mas a ideia de mais valia, a noção de «fixação» rebaptizada em fetichismo, as «argúcias teológicas» da mercadoria, são metamorfoses de temas stirnerianos, que permanecem puro e duros no interior daquilo mesmo que os nega. Passa através de Dostoyevsky que em Crime e Castigo o dá a ver e o anula no próprio corpo de Raskolnikov. O crime é Stirneriano e o Castigo é a possibilidade da sua superação. Dostoyevsky leu mal Stirner, e por isso mesmo o crime impressionou mais do que o castigo. Passa também através de Nietzsche que nunca o cita, embora se saiba ter que receou que um dia pudesse ser considerado um plagiador de Stirner. Nada isso, mas nos temas da morte de Deus, do super-homem, mesmo o eterno retorno ou no «grande criminoso» são, no mínimo, antecipados por Stirner.
A natureza provocatória da escrita stirneriana, o riso sardónico que irrompe imparavelmente ao lê-lo, a defesa do crime como última ratio da soberania, o ideia de que a singularidade só pode ser entendida como monstruosidade, facilitaram todas as leituras condenatórias, propiciaram todas as vitórias fáceis que venciam à custa de reduzir o livro à patologia criminal ou à loucura de Stirner. Os inimigos, mas também os amantes de Stirner reduziram-no a fórmulas, mas o Único é a anti-fórmula por excelência. É algo que fica para além de todo o discurso, de toda a instituição, como um Minotauro que tivesse saído do labirinto, com os altos muros cercados por humanos, que espreitam para dentro, desenrolam o fio de Ariana, lhe oferecem sacrifício. Olhando do de longe, às vezes misturando-se na multidão, o Único ri-se, pois abandonou esta antiga estrutura sacrificial. O livro é a linha que circunscreve todo o espectáculo e a agitação, e cria ou lugar de onde é possível olhar para tudo isso. E sair em busca de alegria e de prazer. Como os espectadores estão a jeito…
Stirner vai retornando. Lá se lhe vai encontrando alguma utilidade. É certo que a sua crítica ao liberalismo, que se repete pela enésima vez, ainda é potente; A sua crítica ao comunismo é mais pertinente do que nunca, e Blanchot, Negri, Nancy parecem trilhar os seus traços. Mesmo a filosofia de onde tinha sido excluído começa a citá-lo timidamente, como sucede com Gilles Deleuze, Michel Foucault ou Pierre Klossowski. Derrida dedica-lhe excelentes análises no seu Spectres de Marx. Homens tão especiais como Pierre Vanderpote ou Roberto Calasso, o lídimo pensador europeu, dedicam-lhe reflexões fulgurantes. Mas foi nas artes que a sua presença se tornou incontornável. Lido por Joyce, Pound, Lewis, Miller, etc. a sensibilidade stirneriana marcou fortemente as revoluções feitas por Francis Picabia e Marcel Duchamp que é o seu herdeiro metafísico. Desde que o Único veio à luz que se pretende fugir do «buraco negro» que tem dentro, a hiperdensidade da vida tudo atrai, para acabar por se cair nele inapelavelmente. Toda a aproximação serve a Stirner. No livro que é a cinza da vida que se consumiu nele linha a linha, letra a letra, ainda braseia a paixão do fracassado Stirner, que muito baixinho diz para não ser ouvido: «Canto porque... sou um cantor. Mas uso-vos para isso, porque... preciso de ouvidos».


Texto retirado daqui