31.8.08

Morreu Joaquim Castro Caldas, um dos raros poetas que teimava confundir a vida com a poesia

Faleceu hoje de madrugada, com 52 anos de idade, o poeta Joaquim Castro Caldas, que se tornou conhecido por divulgar, sentir e viver a poesia nas ruas ( em Paris, por exemplo, onde declamava poesia nos jardins e nas praças a troco de dinheiro), nos cafés e bares ( nas célebres noites de poesia às segundas-feiras no bar Pinguim, no Porto), e nas escolas de todo o país como declamador convidado.
Castro Caldas publicou 11 livros de poesia ao longo da sua vida. O último foi editado ainda este ano pela Deriva com o título «Mágoa das Pedras». Alguns dos outros livros são: "Português Suave", "Berlindes e abafadores", "Convém avisar os ingleses", "Só cá vim ver o Sol", "Colheita da época" e "Há".

Joaquim Castro Caldas é como alguém já escreveu «uma das últimas vozes da poesia em que o risco é companheiro da entrega à vida na sua dimensão mais intensa»

No seu último livro «Mágoa das Pedras ( editado pela Deriva) pode-se ler:

«Joaquim Castro Caldas, 52 anos, à parte dezenas de ofícios para sobreviver no Norte de África, na Europa, em Portugal e outros sítios esquisitos, desde que tem memória e se conhece que não fez nem faz outra coisa senão arte embrionária e terminal, entre centenas de aventuras, do luxo à valeta, vadio num longo percurso involuntariamente polémico de ida e volta fala-escrita ou vice-versa e documentado por registos corpo a corpo, terra a terra, sem objectivos d revelação concreta. Nada mais que esqueleto e artista, intérprete da vontade do pássaro, marginalizado irritantes porque em paz, claridade, sequer interessado em dar-se por anarka»


Num seu outro livro, «Convém Avisar os Ingleses», lê-se na contracapa:

«Nasceu em 1956, Lisboa, actor de poesia, saltimbanco, lunático praticante, diseur a tempo inteiro, teatro de vez em quando. Escola Ave-Maria, Colégio Militar, Conservatório Nacional, escola da morte e da vida, muita estrada no coração, na cabeça e no corpo. Com este, apenas 8 livros editados. A ver vamos. »




Poesia de Joaquim Castro Caldas

Devolução dos Cravos

um menino uma vez
o tal que há em nós
sujo de liberdade
todo na ponta dos pés
tentou enfiar um cravo
no cano de uma G-3

hoje um homem talvez
menino velho sem voz
democrata que se farta
mete o cravo na culatra
e puxa-a de pé atrás
com medo que o seu país

(do livro "Convém Avisar os Ingleses", Quasi Edições, 2002)




um sms

no tempo dos badalos, nos dentes do cocheiro as cartas eram sangues, levavam febrões de cavalos e freios nos segredos, atravessavam nevões e suores para mudar de mãos às descobertas e revoluções, eram sustento de escravos e romances de cortesãs, mote de folguedos e duelos afãs, as saias do mulherio armavam partos e escondiam medos, perguntava-se pelos amores e estimava-se por nós. hoje para chegar a tempo manda-se um silêncio a dizer morri, vivalma, nada, e deixam-se uns gemidos na bolsa marsupial dos cangurus, alguém é pago para ir lá buscá-los, não há órgãos, mãos e olhos, esporas e poros.

(do livro “Mágoa das Pedras”, edição Deriva, 2008