Comida – a decisiva arma da elite dominante
Usar a comida como arma é tão antigo como cercar cidades, mas os bárbaros de hoje subiram a parada vários níveis de magnitude.
“…Só há duas formas possíveis de evitarmos ter um mundo de 10 mil milhões de pessoas. Ou a actual taxa de natalidade desce rapidamente, ou a actual taxa de mortalidade tem de subir. Não há outra forma. Há, claro, muitas maneiras de subir as taxas de mortalidade. Numa era termonuclear, a guerra pode consegui-lo de forma rápida e decisiva. A fome e as doenças são a tradicional forma da natureza regular o crescimento populacional, e nenhuma delas desapareceu de cena… Em termos simples: o crescimento excessivo da população é o maior obstáculo ao avanço económico e social das sociedades em vias de desenvolvimento.” — Discurso de Robert McNamara, perante o Clube de Roma, 2 de Outubro de 1979
“A sobrepopulação e o rápido crescimento demográfico do México são, hoje em dia, uma das maiores ameaças à segurança nacional dos Estados Unidos. A não ser que a fronteira EUA-México seja selada, ficaremos com mexicanos até ao pescoço para os quais não arranjamos empregos.” —Robert McNamara, na época, presidente do Banco Mundial, 19 de Março de 1982
As propostas genocidas veladas de McNamara foram feitas há trinta anos, dando eco ao medo das ‘grande massas’ por parte de ricos e privilegiados quando ‘sobrepopulação’ era o tema de que se falava. Por isso não mudou muita coisa, pois não? Estamos mais uma vez a ouvir as mesmas mensagens serem difundidas pelas elites dominantes e pelos seus profissionais da persuasão, os 'spin doctors'. Os prantos de medo de McNamara de estar cheio de mexicanos até ao pescoço são comparáveis ao que se passa na Europa, só que agora são africanos.
Assim sendo, as actuais explosões no Haiti, Egipto, Costa do Marfim, Etiópia, Filipinas, Indonésia e noutros sítios, por causa da importante subida do preço de bens alimentares como o óleo de cozinha e o arroz, levaram a BBC a descrevê-las como “uma potencial ameaça à segurança do Ocidente” (BBC News 24, 13 de Abril de 2008), esqueçam a ameaça à vida humana, mas isso demonstra qual é o propósito da BBC, proteger o status quo.
Para acrescentar insulto à injúria, o cretino Gordon Brown ainda tem a lata de dizer,
“O aumento do preço dos alimentos ameaça fazer recuar o progresso que fizemos nos últimos anos em termos de desenvolvimento. Pela primeira vez em décadas, o número de pessoas a enfrentar a fome está a crescer.”
Progresso? Em que planeta é que vive o nosso glorioso líder? Os níveis de vida têm vindo a cair para toda a gente (excepto para os ricos, que como consequência ficaram ainda mais ricos, roubando ainda mais aos pobres), desde os anos 1970, quando se iniciou a agenda ‘neoliberal’, e não são só os pobres que têm sido atingidos mas vemos milhões da chamada ‘classe média’ a serem postos sem cerimónias onde ‘pertencem’, junto aos pobres. O estatuto social não traz comida para a mesa. Lá se foi a ‘boa vida’ capitalista.
Os factos são estes: os salários reais nos EUA caíram desde os anos 1970. É reconhecido que 40 milhões de americanos vivem agora abaixo do limiar ‘oficial’ da pobreza, mas pelo menos ainda conseguem comer alguma coisa, o que não é caso para milhões de pessoas no chamado mundo em vias de desenvolvimento, já empobrecidas pelo chamado comércio livre, foram ainda atingidas com um golpe duplo, digo antes, com um golpe quíntuplo.
Golpe #1: ‘Comércio Livre’
Os países pobres do mundo foram ‘persuadidos’ de que cultivar alimentos para exportar de forma a ganharem divisas estrangeiras, para depois poderem importar alimentos (adivinhem de onde...), é melhor do que cultivar alimentos no seu próprio quintal. E para terem a certeza que aproveitam bem a ‘pechincha’, pelas 'regras' da OMC eles são punidos se tentarem controlar as importações.
Países que cultivavam os seus próprios alimentos, para além de se alimentarem ainda criavam emprego. Agora cultivam alimentos e outras coisas, como flores, para exportar, de forma a 'ganharem' os preciosos dólares que obviamente têm de gastar para importar alimentos que outrora produziam. Pior, a importação de alimentos subsidiados varre completamente os resquícios de agricultura indígena, simplesmente não consegue competir. Que esquema louco! Só faz sentido quando percebemos que os gestores que montaram este 'negócio' trabalham para o Grande Negócio, a bola é deles. Se fosse um negócio da 'Máfia' chamava-se crime de extorção.
Obviamente, nós no Ocidente com a nossa riqueza subsidiamos a produção de alimentos, por isso os pobres do planeta apanham um golpe dentro dum golpe. Não tendo os recursos para subsidiar a sua própria produção alimentar, à medida que sobem os preços dos alimentos que eles importam mas não o preço que recebem pela exportação de alimentos para nós, eles são apanhados entre a espada e a parede.
E são as mesmas políticas do FMI e do Banco Mundial que criaram a última crise que atingiu os pobres do planeta, as responsáveis por criar uma relação tão desigual à partida.
Golpe #2: Energia
E claro que para produzir todos estes cultivos para exportação é necessária muita energia e muita água, e muitos fertilizantes, e muitos pesticidas, e todos eles têm de ser comprados com a preciosa divisa estrangeira (até há pouco tempo só eram aceites dólares). Com o petróleo a ser vendido a 113 dólares por barril, disparou o custo de produção de qualquer coisa. Quem ganha: os Grandes Cartéis do Petróleo. É escusado dizer quem perde.
Mas o custo real da produção de petróleo até não aumentou muito, A responsabilidade toda destes aumentos tem de ser imputada a quem de direito, aos especuladores e às Cinco Grandes companhias petrolíferas. Por outras palavras, a todos estes sórdidos jogadores e gestores de fundos de pensão. É o sistema.
Golpe #3: ‘Biocombustíveis’
O último acrescento ao arsenal do uso de alimentos como arma e talvez o exemplo mais óbvio até à data, é converter a produção de cestas alimentares dando lugar aos chamados biocombustíveis.
Pois em vez de nós passarmos a usar menos energia, nós compramo-la aos pobres do planeta sob a forma de ‘biocombustíveis’. Brilhante, não é? Qual é o país pobre que necessita de produzir etanol? Não tem uso para ele, excluindo talvez para fazer algumas bebidas.
Mas nós sabíamos que isto ia acontecer e toda a gente disse aos nossos cretinos e criminosos líderes o que se ia passar. Eles estão muito ocupados a produzir trigo para exportar para alimentar todas aquelas malditas vacas, vacas que transformamos em hambúrgueres para nós consumirmos, mas agora, em vez de produzir trigo para exportação para fazer hambúrgueres, está-se a produzir etanol para meter nos automóveis. Em qualquer dos casos é uma loucura!
E de qualquer forma, como revela um relatório divulgado da UE, os biocombustíveis não fazem parar a produção de gases com efeito de estufa (até podem aumentá-los). Toda esta coisa dos 'biocombustíveis' é uma gigante vigarice, tem tudo a ver com saber qual é o cultivo que dá mais lucro (ver ‘Industria pede alteração de rumo na política dos biocombustíveis [em inglês]) .
Golpe #4: Água
Facto: São necessários entre 1 000 a 2 000 litros de água para produzir um quilo de trigo
Facto: São necessários entre 10 000 a 13 000 litros de água para produzir um quilo de carne (Fonte: FAO)
E adivinhem o que é mais produzido, principalmente para consumo no Ocidente – hambúrgueres. E sem surpresas, a agenda 'neoliberal' assistiu à privatização forçada da água um pouco por todo o mundo, e também de outros recursos-chave anteriormente pertencentes às comunidades.
Golpe #5: Alteração do Clima
Previsivelmente, as alterações climáticas atingem mais os que são incapazes de lidar com elas, os pobres. E não esqueçamos, a maioria da população do planeta é pobre. A ligação entre estas coisas deve ser visível para vocês leitores, e o facto de andarmos a baralhar a biosfera da forma como temos feito nos últimos duzentos anos, reflecte-se no planeta. E as nossas elites políticas intitulam-se civilizadas!
Entretanto, voltando à terra dos poderosos, estamos atarefados a planear a guerra infinita de forma a preservar os nossos privilégios, pois enquanto os nossos líderes pontificam sobre esta ou aquela crise que enfrentamos, eles estão a gastar milhares de milhões para desenvolverem robôs que defequem bombas em cima dos pobres do planeta, a partir de uma confortável cadeira a uma certa distância do cenário da 'acção'.
“Mercado de VANT atingirá os 13 mil milhões de dólares em 2014
Washington, D.C. (PRWEB) 14 de Abril de 2008 — A guerra global ao terrorismo levou os Estados Unidos a injectarem significativas somas de dinheiro em programas de Veículos Aéreos Não Tripulados (VANT), afirma o analista da Forecast International, Larry Dickerson.” — www.aviationtoday.com/webinars/2008_0417.html
Como é que alguém no seu juízo perfeito pode olhar para estas pessoas e para toda a classe de interesses para os quais eles trabalham tão afincadamente, e não os ver como criminosos de guerra e destruidores da vida! Eles são verdadeiros bárbaros em todos os sentidos da palavra, pois eles destroem tudo de belo e com valor, incluindo países inteiros, para preservarem o seu pedacinho.
Não admira a obsessão de Hollywood em 'salvar o planeta' mas quando é que vamos ver um filme sobre salvarmo-nos a nós próprios e à nossa casa, destes predadores assassinos em massa?
E porque será que viramos as costas à carnificina ostensivamente levada a cabo em nosso nome? Apesar de tudo, as pessoas dão generosamente para as chamadas obras de caridade, por isso não é que as pessoas não queiram saber da miséria dos outros.
Mais uma vez, eu volto-me para aos meios de comunicação corporativos/estatais pois será que nós aturaríamos isto sem a sua cumplicidade activa no encobrimento das infindáveis atrocidades cometidas? Eu penso que não, mas eu sou um eterno optimista acerca da verdadeira natureza do espírito humano, assim que deixarmos de ter medo e começarmos a pensar e a sentir.
A principal razão é o que os meios de comunicação (esqueçam os políticos) não ligam os acontecimentos à economia subjacente, que os leva a agir da forma que agem. Desta forma, a “crise do crédito” só tem esse nome para esconder o facto de que foram as práticas económicas e políticas dos nossos governos, em conluio com o Grande Negócio, que criaram a crise (como criaram todas as crises anteriores).
A “crise do crédito” é meramente sintomática de um sistema doente que necessita de ser substituído urgentemente.
A questão é mesmo bastante simples, enquanto tivermos elites dominantes intimamente unidas ao Grande Capital, a dirigir o espectáculo, elas nunca irão, nem daqui a milhão de anos, dar azo à ideia de nos livrarmos do actual sistema económico – que é a causa de todas as nossas misérias – e substitui-lo por uma forma de ganhar a vida que seja mais sadia e mais modesta, mas há tanto em jogo, porra! Só nós, o chamado povo, podemos fazer isso, eles não vão mexer uma palha a não ser que os forcemos a isso ou se não conseguirmos, temos que nos livrar deles.
Texto de William Bowles publicado em Creative-I a 17 de Abril de 2008.