4.2.08

Antígona, a peça de Sófocles, está em cena pelo grupo de teatro A Barraca


Uma peça sobre o conflito que opõe Antígona ao poder autoritário

Ler um texto sobre Antígona já publicado neste blogue: aqui



A profundidade de Sófocles a analisar problemas como a fractura entre a lei natural e a lei do estado. A contradição entre a Justiça e a Lei, a tirania que se serve de decretos casuísticos para fundamentar e apoiar a sua “vontade de poder” e a desobediência de quem se torna intolerante perante o domínio do arbitrário transformado em lei, fazem de Antígona o texto mais exemplar e duradouro da tragédia grega.

Consultar:
www.abarraca.com/info/emcenaantigona.html

Luz de Antígona ( texto de Maria do Céu Guerra)


Vinte e seis séculos depois da sua criação, “Antígona” de Sófocles ainda ilumina o nosso tempo. Estreada no século de Péricles quando em Atenas se inventava e se levava à prática a construção da primeira democracia da História, Antígona é elevada a mito pelo seu autor a partir de meia dúzia de linhas da Ilíada e de Esquilo. Sófocles quis deixar-nos uma história de proveito e exemplo. E por isso deixou-nos nas suas obras do ciclo Tebano o itinerário de Antígona paradigma de amor filial, fraternal, de resistência ao autoritarismo, de cumprimento da Justiça e da lei natural.
Sófocles, como Péricles, como Fídias, como Sólon, quiseram, no seu tempo de vida, deixar claros os fundamentos e a lei com que devia reger-se uma sociedade democrática, equilibrada, feliz e por isso duradoura e resistente. A sua Atenas não era uma utopia, pois, ainda que por pouco tempo, ela existiu. Mas passou a sê-lo para os vindouros. E Sófocles deixou-nos nesta peça-lição, lida diferentemente ao longo dos séculos, o exemplo da cidade negra onde se conflituam, sublimes ou baixos comportamentos, caracteres e destinos a evitar.
Nunca um autor se deixou tão presente distribuindo-se nas personagens do seu drama. Porque Sófocles é Creonte no que ele tem de defensor da cidade, é Antígona no que ela tem de resistente à tirania e arbitrariedade e de defensora da lei que aprendeu a respeitar como justa, e é principalmente Hémon quando este é capaz de confrontar o pai com a discricionariedade com que ele vive o exercício do poder e quando sintetiza em três frases a essência do poder absoluto, e é Tirésias quando antevê a desgraça do que a injustiça de Creonte irá trazer de volta à sua cidade: a Guerra, o Caos. E é também, ainda que a meu ver, menos, o Coro que à maneira ocidental vê, ouve, lê, não ignora, mas aceita viver dentro de parâmetros que o paralisam para além do seu direito de usar a palavra e deixar acontecer.


Ao longo da História Antígona foi lição e luz. No tempo da construção do Estado-Nação, Antígona e Creonte foram vistos como opositores iguais na dicotomia Família / Estado, chegando Hegel a considerar Creonte uma figura da mesma qualidade da sua antagonista. Eram extremos opostos que personificavam um conflito que era preciso superar. Outra leitura faz Brecht que vê nela uma heroína pacifista. E por aí fora Antígona foi paradigma da luta anti-nazi, resistente contra a ocupação, paradigma feminista, reflexão sobre a Lei e a Justiça. Foi à volta desta última leitura que me apeteceu reflectir sobre esta tragédia porque afinal, como é possível vivermos pacífica e passivamente sob o domínio da fractura entre a Justiça (Dike) e a Lei (Nomos) onde todos os dias regulamentar é legislar contra a Lei. Todos os dias se emendam constituições, sempre ao arrepio do bom impulso que as fez nascer. Todos os dias se editam despachos normativos e decretos que corrigem na especificidade leis mais amplas e generosas, porque elas atrapalham o interesse dos mais poderosos. Todos os dias sob a capa dos direitos humanos se impõe ao mundo uma regra de eleições “democráticas” como a única maneira de chegar à legalidade que, depois não serve, quando quem ganha são os “inconvenientes”, caso do Hamas, da Fretilin, etc, etc. Todos os dias milhões de juristas trabalham nessa fractura entre a Justiça e a Lei para, por dinheiro, conseguirem defender os crimes dos seus clientes.


Antígona defende a Justiça (religiosa ou laica) contra um decreto que, publicado no rescaldo de uma guerra, não é mais do que uma demonstração da capacidade de instalar o terror obediente que, segundo Creonte, salvará a cidade. E morre por isso. Última herdeira de uma família maldita (Ismena, a irmã perde, por obediência, a Eternidade), ela nem por um momento, mesmo diante da morte que receia como todos os heróis antes do sacrifício, recua nas suas convicções. Por isso os séculos fizeram dela a heroína. E por isso Sófocles dá o seu nome à peça.


Não me perguntem onde se passa o meu espectáculo. Passa-se num pequeno país injusto chamado Mundo, onde os tempos e as referências se misturam. Onde há militares a usarem da sua força desmedidamente, onde há gente a correr atrás das macas dos seus mortos, e mortos aos milhares sem sepultura, onde há homens assassinados (príncipes enfurecidos) por quererem voltar às suas terras e casas que lhes estão vedadas contra toda a lei. E nós no meio deles. Nós, um coro de bem intencionados, nós que não gostamos de “matar galinhas, mas que gostamos de comer galinha”. Nós de sobretudo, não vá o frio desabrigar-nos, paralisados, porque não queremos incorrer no excesso, mas que, e mais uma vez como a nossa “grega” Sophia escreveu, “vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”.
Maria do Céu Guerra

Horários:
5ª a sábado às 21h30
Domingo às 16h00
M/12

Ficha Artística e Técnica
Texto de Sófocles
Espectáculo de Maria do Céu Guerra
versão da responsabilidade de Maria do Céu Guerra, a partir da tradução de
Maria Helena da Rocha Pereira
Cenografia de Carlos Amado sob Consultoria de Lagoa Henriques

Elenco: Rita Lello (Antígona), José Medeiros (Creonte), João D’Ávila, Jorge Gomes Ribeiro, Maria do Céu Guerra, Mariana Abrunheiro, Rita Fernandes, Pedro Borges, Ruben Garcia, Sérgio Moras, Tiago Cadete
Grupo Abadá-Capoeira: Adriano (Sossego), Daniel Botelho (Alf), Diogo Ferrasso (Mister), Geovasio Silva (Dinho), Jadei (Magrão), Rodoval Ruas (Chá Preto), Yuri Buba (Kalu)