( Manifesto-declaração assinada por várias organizações ecologistas espanholas como Amigos da Terra, COAG, Greenpeace e Ecologistas en Acción)
Declaração das organizações e personalidades da sociedade civil sobre as aplicações da biotecnologia na modificação das plantas e a ameaça que tal representa para a agricultura e a sustentabilidade
Democracia, precaução e meio ambiente
Os organismos geneticamente modificados (OGM) são obtidos mediante a engenharia genética que permite criar animais e micro-organismos por via da manipulação dos seus genes. Nos últimos anos, esta técnica foi utilizada para introduzir novas características nas culturas e, desde pouco mais de uma década, começaram a serem semeados, em alguns países, variedades geneticamente modificadas (GM), principalmente soja, milho, algodão e colza. Apesar da ingentes propaganda sobre a multitude de funcionalidades, as variedades comerciais incorporam apenas duas características: a resistência à praga de insectos e/ou a tolerância a um determinado herbicida. Cerca de 81% da superfície de OGMs cultivados no mundo são plantas resistentes aos herbicidas.(1)
Esta tecnologia não é um simples prolongamento do aperfeiçoamento vegetal levada a cabo pela agricultura tradicional: ao saltar as barreiras entre as espécies, está-se a criar seres vivos que não se poderiam obter na natureza ou com as técnicas tradicionais de melhoria genética. Por outro lado, os conhecimentos científicos actuais não são suficientes para predizer com exactidão todas as consequências da manipulação do novo organismo no qual foram introduzidos genes estranhos (frequentemente desadaptados no seu novo meio), nem a sua evolução e interacção com outros seres vivos após a instalação de um OGM no meio ambiente.. Segundo a própria Comissão europeia, «o processo de criação de organismos geneticamente modificados está envolto de incertezas, que podem dar lugar a uma multitude de efeitos imprevisíveis»(2). Do que se trata é de uma tecnologia com um nível de imprecisão muito elevado e cujos efeitos são imprevisíveis tanto a curto como a longo prazo.
Após 11 anos de cultivos constata-se que as sementes geneticamente modificadas não trouxeram os benefícios prometidos pela indústria biotecnológica:
- por regra, não reduzem o emprego de produtos químicos no campo, antes pelo contrário. Por exemplo, nos Estados Unidos da América as três principais culturas OGM levaram desde 1996 a um aumento no uso de agrotóxicos de 55.000 toneladas(3), significando um enorme incremento no volume de herbicidas aplicados na soja, no algodão e ao milho tolerantes a herbicidas.
- O seu rendimento é menor, ou no melhor dos casos equivalente aos das variedades não-OGM, tal como reconheceu recentemente o Departamento de Agricultura dos EUA(4), pelo que os argumentos de eficiência no uso de recursos como solo, água ou combustíveis carecem de fundamento.
- o seu impacto no meio ambiente é cada vez melhor documentado: contaminação de espécies silvestres, redução da biodiversidade, contaminação química do solo e dos aquíferos são alguns dos problemos associados ao cultivos de OGMs.
- Também não trouxeram melhorias na qualidade dos alimentos, mas antes grandes incertezas sobre a inocuidade dos produtos que contém OGM, sobretudo a médio e longo prazo.
- Para os agricultores o aparecimento de ervas daninhas e de adventícias resistentes aos vários herbicidas, facto relacionado com as culturas OGM, começa a ser motivo de preocupação nos EUA e no Canadá. No caso dos cultivos insecticidas, reconhece-se que é inevitável a evolução e proliferação de pragas de insectos resistentes: trata-se apenas de uma questão de tempo. Isso obrigará aos agricultores convencionais a recorrer a plaguicidas cada vez mais agressivos e dispendiosos, ao mesmo tempo que a perda de eficácia de insecticida naturais, como o Bt, representará um grave prejuízo para a agricultura ecológica.
- Não contribui para aliviar a pobreza nem a fome no mundo. As aplicações comerciais da biotecnologia na agricultura estão a aumentar o fosso que separa entre ricos e pobres. Um dado significativo: a maior parte das colheitas OGM destinam-se à alimentação pecuária para satisfazer o consumo de carne – em muitos casos excessiva – dos países ricos.
Ainda que a União Europeia seja uma das regiões do mundo com uma regulamentação mais restritiva sobre os OGM, não é fácil que os cidadão europeus possam confiar nas instituições responsáveis na aprovação e na fiscalização desses produtos. Em primeiro lugar, porque o procedimento de aprovação é claramente antidemocrático: a Comissão Europeia tem a última palavra e pode autorizar a entrada de um novo OGM no mercado europeu ainda que a maioria dos Estados Membros se tenha pronunciado contra. Todos os OGM aprovados para serem comercializados na EU, desde que terminou a moratória em 2004, foram aprovados pela Comissão Europeia utilizando esta prerrogativa. Por seu turno, a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar, que emite recomendações para as novas autorizações, foi alvo de duras censuras por partes dos Estados Membros devido à sua fala de transparência e por não ter em conta adequadamente as objecções dos Estados Membros no processo de avaliação. Por outro lado, os estudos científicos, na base dos quais é feita a avaliação prévia, são realizados pelas próprias empresas, sem que seja possível em muitos casos os dados e os resultados de uma forma independente. Mas o que mais desconfiança despertou foram os casos de OGM aprovados, pese embora a existência de enormes incertezas, ou pior ainda, apesar de provas sobre a sua perigosidade para a saúde e/ou meio ambiente.
Por exemplo, ainda não há muito tempo, um grupo de investigadores do Departamento de Engenharia Genética da Universidade de Caen, França, publicou na revista científica «Archives of Environmental Contamination and Toxicology» um estudo em que se demonstra que os rato de laboratório alimentados como milho MON 863 da Monsanto mostram sinais de toxicidade (5). Além disso, o estudo analisa os resultados apresentados pela Monsanto à Comissão Europeia para obter a autorização de comercialização na EU do MON 863, um milho que produz um novo insecticida chamado Cry3Bb1 modificado. Não obstante, a Comissão Europeia concedeu licenças para comercializar este milho tanto para consumo humano como para consumo animal. Foi feito então um apelo aos governos para que façam uma reavaliação urgente dos outros produtos transgénicos aprovados, assim como uma revisão estrita dos actuais métodos de análise.
Outro exemplo é o do milho Bt 176. O cultivo comercial da transgénicos chegou à agricultura espanhola em Março de 1998 (6) com este milho da Ciba Geigy, hoje Sygenta. Este milho contém uma modificação genética com três genes que permitem produzir uma toxina capaz de matar insectos como alguns lepidópteros, ser tolerante ao herbicida glufosinato de amónio e trazer resistência ao antibiótico ampicilina (7). A Agencia de Protecção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) retirou, em Outubro de 2001, as variedades Bt 176 da lista de produtos transgénicos registados, dado que apresentavam risco de aparição de resistência aos insectos. (8). O governo espanhol autorizou novas variedades Bt 176, quase um ano e meio após essas provas. Em Abril de 2004 a Agência Europeia de Segurança Alimentar (EFSA) publicou um relatório em que se recomendava a proibição, a partir de Janeiro de 2005, do cultivo de determinados transgénicos, entre eles o Bt 176 (9). Posteriormente a Agência Espanhola de Segurança Alimentar (AESA) anunciou que nessa data a sementeira de milho Bt 176 seria proibida em território espanhol. (10). No ano de 2005 o Governo continuou a reconhecer que se continua a cultivar um milho cuja comercialização está proibida segundo o Artigo 4 (2) da Directiva 20018, a partir de Dezembro de 2004. No entanto, ainda ninguém deu informações sobre os impactos gerados pelo cultivo ao longo de sete anos.
Na análise dos riscos do milho MON 810 ( o tipo de milho transgénico que se cultiva actualmente em Espanha), aprovada pela UE em 1998 ao abrigo da Directiva 90/200/CE, não se incui aspectos fundamentais como os efeitos a longo prazo sobre a saúde humana e animal ou os impactos indirectos ou diferidos sobre o meio ambiente, exigidos pela actual legislação(11). Torna-se imprescindível actualizar essas análises de riscos, sobretudo tendo em conta a falta de informação exacta sobre os genes contidos no ADN do MON 810 aquando do momento da sua aprovação e os resultados dos estudos de caracterização posteriores, que sugerem que o ADN do milho terá sofrido reordenações e supressões desde o momento da sua transformação.(12). De qualquer modo, são preocupantes as semelhanças da proteína Cry1Ab produzida pelo MON 810 com a proteína Cry9C do milho StarLink ( retirado em 2000) e que apresenta características potencialmente alergénicas.
A respeito dos impactos destes milhos MON 810 sobre a saúde e o meio ambiente é importante notar que o único Plano de Acompanhamento disponível a nível europeu é um documento entregue pela Monsanto em 1995 quando a empresa solicitou autorização para a comercialização, sem que tenha havido qualquer actualização desde então. Esse Plano não abrange nenhuma das matérias que se discute desde a aprovação do milho e que, segundo a Directiva 2001/18/CE, deveriam ser tidas em consideração, incluindo a estrutura do genoma depois da integração de um gene estranho, os riscos para organismos não-objectivo, as mudanças nas rotas metabólicas secundárias das plantas e a excreção e acumulação edáfica da toxina Bt.
Num recente relatório (13) demonstra-se a alta variabilidade do conteúdo da toxina insecticida Bt presente nos milhos MON 810. A investigação, realizada em 2006 a partir de mais de 600 mostras recolhidas em Espanha e Alemanha conclui que as concentrações de toxina Bt nas plantas são altamente imprevisíveis e variáveis, pelo que, por exemplo, as plantas do mesmo campo podem diferir entre si até 100 vezes. Além disso a concentração de toxina é completamente diferente dos níveis indicados pela Monsanto quando solicitou a autorização para comercializar este milho. Estes dados trazem novas incertezas e preocupações a respeito da segurança e da qualidade do milho transgénico, e põem em questão o sistema de autorizações da UE.
Tal como o conjunto dos europeu, uma maioria da população espanhola se opõe aos alimentos transgénicos. No Eurobarómetro de Maio de 2006 o dado mais significativo é que somente 34% dos espanhóis está de acordo para que se fomente a biotecnologia aplicada á produção de alimentos. Já um estudo de Março de 2004 do Centro de Investigaciones Sociológicas revelava que cerca de 70% dos espanhóis considerava a modificação genética de certos cultivos perigosa para o meio ambiente e o barómetro espanhol de Setembro de 2006 concluía que os alimentos transgénicos eram uma das duas questões relacionadas com os alimentos que mais preocupavam os espanhóis.
Demonstrou-se claramente que não é possível a coexistência entre cultivos de OGM e os convencionais e ecológicos. Os numerosos casos de contaminação ao longo de toda a cadeia alimentar, desde as sementes até ao produto final, são uma demonstração clara de que a contaminação transgénica é inevitável. A contaminação das sementes – que pode alcançar proporções nada desprezíveis em pouco tempo, como foi demonstrado nos EUA –reveste-e de especial gravidade pelo seu carácter irreversível, impossibilitandi um recuo no caso de vir ser necessário a retirada do mercado de certos OGM. Daí a exigência irrenunciável de que se aplique o princípio da precaução, caído no esquecimento como forma de facilitar a autorização das culturas de OGM nos nossos campos e a introdução de ingrdientes transgénicos nos nossos pratos.
A utilização da engenharia genética na agricultura não pode considerar-se como uma simples ferramenta de produção. O debate sobre as culturas de OGM vai muito para além da mera aplicação de uma nova tecnologia, colocando questões éticas que a sociedade não pode iludir:
- na actualidade os referidos cultivos beneficiam exclusivamente as poucas multinacionais que os desenvolvem e os comercializa, e que estão a tentar impor por todo o mundo. Os grandes interesses em jogo dão lugar a todo o tipo de pressões políticas por parte das empresas biotecnológicas e de alguns governos, com desprezo pelas considerações ambientais e sociais.
- Está em jogo nada menos que o controle da agricultura e da alimentação em poucas mãos, o que pode levar a uma perigosa situação para a independência e a sobrevivência dos povos, dos países e do conjunto da Humanidade.
- A utilização da engenharia genética na agricultura não faz mais que exacerbar os efeitos perniciosos de uma produção industrializada e insustentável, que não favorece os pequenos agricultores, nem respeita o meio ambiente bem permite a distribuição equitativa das riquezas.
O mundo e o planeta precisa de perspectivas sustentáveis e estamos na hora dos governos e dos especialistas dedicarem as suas energias e recursos para desenvolverem tecnologias e políticas compatíveis com a protecção do meio ambiente, uma produção segura e de qualidade e uma distribuição justa entre todos os seres humanos.
(1)James, C. 2006. Global Status of Commercialized Biotech/GM Crops: 2006.ISAAA Brief No35. ISAAA: Ithaca, NY
(2) European Communities – Measures Affecting the Approval and Marketing of Bioteh Products (DS291, DS292, DS293). First Written Submission by European Communities. Geneva 17 May 2004.
(3)Who benefitis from GM crops? An analysis of the global perfomance of GM crops (1996-2006) www.foei.org/en/publications/pdfs/gmcrops2007full.pdf
(4) Fernandez-Cornejo, J. & Caswell. April 2006. Genetic Engineered Crops in the United States. USDA/ERS Eonomic Information Buletin n.11 www.ers.usda.gov/publications/eib11.pdf
(5) www.springerlink.com/content/1432-0703
(6)
(7) O emprego de genes marcadores de resistência aos antibióticos foi amplamente condenada por organismos como a FAO, a Royal Society e o Instituto Pasteur, para quem estes genes podiam criar resistências nos micro-organismos e gerar problemas sanitários quer em humanos quer em animais.
(8) Sloderbeck, P. Curente status of Bt Corn Hybrids.
(9) www.efsa.eu.in/science/gmo/gmo_opinions/384_en.html
(10)
(11)
(12)
(13) ver aqui
Declaração das organizações e personalidades da sociedade civil sobre as aplicações da biotecnologia na modificação das plantas e a ameaça que tal representa para a agricultura e a sustentabilidade
Democracia, precaução e meio ambiente
Os organismos geneticamente modificados (OGM) são obtidos mediante a engenharia genética que permite criar animais e micro-organismos por via da manipulação dos seus genes. Nos últimos anos, esta técnica foi utilizada para introduzir novas características nas culturas e, desde pouco mais de uma década, começaram a serem semeados, em alguns países, variedades geneticamente modificadas (GM), principalmente soja, milho, algodão e colza. Apesar da ingentes propaganda sobre a multitude de funcionalidades, as variedades comerciais incorporam apenas duas características: a resistência à praga de insectos e/ou a tolerância a um determinado herbicida. Cerca de 81% da superfície de OGMs cultivados no mundo são plantas resistentes aos herbicidas.(1)
Esta tecnologia não é um simples prolongamento do aperfeiçoamento vegetal levada a cabo pela agricultura tradicional: ao saltar as barreiras entre as espécies, está-se a criar seres vivos que não se poderiam obter na natureza ou com as técnicas tradicionais de melhoria genética. Por outro lado, os conhecimentos científicos actuais não são suficientes para predizer com exactidão todas as consequências da manipulação do novo organismo no qual foram introduzidos genes estranhos (frequentemente desadaptados no seu novo meio), nem a sua evolução e interacção com outros seres vivos após a instalação de um OGM no meio ambiente.. Segundo a própria Comissão europeia, «o processo de criação de organismos geneticamente modificados está envolto de incertezas, que podem dar lugar a uma multitude de efeitos imprevisíveis»(2). Do que se trata é de uma tecnologia com um nível de imprecisão muito elevado e cujos efeitos são imprevisíveis tanto a curto como a longo prazo.
Após 11 anos de cultivos constata-se que as sementes geneticamente modificadas não trouxeram os benefícios prometidos pela indústria biotecnológica:
- por regra, não reduzem o emprego de produtos químicos no campo, antes pelo contrário. Por exemplo, nos Estados Unidos da América as três principais culturas OGM levaram desde 1996 a um aumento no uso de agrotóxicos de 55.000 toneladas(3), significando um enorme incremento no volume de herbicidas aplicados na soja, no algodão e ao milho tolerantes a herbicidas.
- O seu rendimento é menor, ou no melhor dos casos equivalente aos das variedades não-OGM, tal como reconheceu recentemente o Departamento de Agricultura dos EUA(4), pelo que os argumentos de eficiência no uso de recursos como solo, água ou combustíveis carecem de fundamento.
- o seu impacto no meio ambiente é cada vez melhor documentado: contaminação de espécies silvestres, redução da biodiversidade, contaminação química do solo e dos aquíferos são alguns dos problemos associados ao cultivos de OGMs.
- Também não trouxeram melhorias na qualidade dos alimentos, mas antes grandes incertezas sobre a inocuidade dos produtos que contém OGM, sobretudo a médio e longo prazo.
- Para os agricultores o aparecimento de ervas daninhas e de adventícias resistentes aos vários herbicidas, facto relacionado com as culturas OGM, começa a ser motivo de preocupação nos EUA e no Canadá. No caso dos cultivos insecticidas, reconhece-se que é inevitável a evolução e proliferação de pragas de insectos resistentes: trata-se apenas de uma questão de tempo. Isso obrigará aos agricultores convencionais a recorrer a plaguicidas cada vez mais agressivos e dispendiosos, ao mesmo tempo que a perda de eficácia de insecticida naturais, como o Bt, representará um grave prejuízo para a agricultura ecológica.
- Não contribui para aliviar a pobreza nem a fome no mundo. As aplicações comerciais da biotecnologia na agricultura estão a aumentar o fosso que separa entre ricos e pobres. Um dado significativo: a maior parte das colheitas OGM destinam-se à alimentação pecuária para satisfazer o consumo de carne – em muitos casos excessiva – dos países ricos.
Ainda que a União Europeia seja uma das regiões do mundo com uma regulamentação mais restritiva sobre os OGM, não é fácil que os cidadão europeus possam confiar nas instituições responsáveis na aprovação e na fiscalização desses produtos. Em primeiro lugar, porque o procedimento de aprovação é claramente antidemocrático: a Comissão Europeia tem a última palavra e pode autorizar a entrada de um novo OGM no mercado europeu ainda que a maioria dos Estados Membros se tenha pronunciado contra. Todos os OGM aprovados para serem comercializados na EU, desde que terminou a moratória em 2004, foram aprovados pela Comissão Europeia utilizando esta prerrogativa. Por seu turno, a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar, que emite recomendações para as novas autorizações, foi alvo de duras censuras por partes dos Estados Membros devido à sua fala de transparência e por não ter em conta adequadamente as objecções dos Estados Membros no processo de avaliação. Por outro lado, os estudos científicos, na base dos quais é feita a avaliação prévia, são realizados pelas próprias empresas, sem que seja possível em muitos casos os dados e os resultados de uma forma independente. Mas o que mais desconfiança despertou foram os casos de OGM aprovados, pese embora a existência de enormes incertezas, ou pior ainda, apesar de provas sobre a sua perigosidade para a saúde e/ou meio ambiente.
Por exemplo, ainda não há muito tempo, um grupo de investigadores do Departamento de Engenharia Genética da Universidade de Caen, França, publicou na revista científica «Archives of Environmental Contamination and Toxicology» um estudo em que se demonstra que os rato de laboratório alimentados como milho MON 863 da Monsanto mostram sinais de toxicidade (5). Além disso, o estudo analisa os resultados apresentados pela Monsanto à Comissão Europeia para obter a autorização de comercialização na EU do MON 863, um milho que produz um novo insecticida chamado Cry3Bb1 modificado. Não obstante, a Comissão Europeia concedeu licenças para comercializar este milho tanto para consumo humano como para consumo animal. Foi feito então um apelo aos governos para que façam uma reavaliação urgente dos outros produtos transgénicos aprovados, assim como uma revisão estrita dos actuais métodos de análise.
Outro exemplo é o do milho Bt 176. O cultivo comercial da transgénicos chegou à agricultura espanhola em Março de 1998 (6) com este milho da Ciba Geigy, hoje Sygenta. Este milho contém uma modificação genética com três genes que permitem produzir uma toxina capaz de matar insectos como alguns lepidópteros, ser tolerante ao herbicida glufosinato de amónio e trazer resistência ao antibiótico ampicilina (7). A Agencia de Protecção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) retirou, em Outubro de 2001, as variedades Bt 176 da lista de produtos transgénicos registados, dado que apresentavam risco de aparição de resistência aos insectos. (8). O governo espanhol autorizou novas variedades Bt 176, quase um ano e meio após essas provas. Em Abril de 2004 a Agência Europeia de Segurança Alimentar (EFSA) publicou um relatório em que se recomendava a proibição, a partir de Janeiro de 2005, do cultivo de determinados transgénicos, entre eles o Bt 176 (9). Posteriormente a Agência Espanhola de Segurança Alimentar (AESA) anunciou que nessa data a sementeira de milho Bt 176 seria proibida em território espanhol. (10). No ano de 2005 o Governo continuou a reconhecer que se continua a cultivar um milho cuja comercialização está proibida segundo o Artigo 4 (2) da Directiva 20018, a partir de Dezembro de 2004. No entanto, ainda ninguém deu informações sobre os impactos gerados pelo cultivo ao longo de sete anos.
Na análise dos riscos do milho MON 810 ( o tipo de milho transgénico que se cultiva actualmente em Espanha), aprovada pela UE em 1998 ao abrigo da Directiva 90/200/CE, não se incui aspectos fundamentais como os efeitos a longo prazo sobre a saúde humana e animal ou os impactos indirectos ou diferidos sobre o meio ambiente, exigidos pela actual legislação(11). Torna-se imprescindível actualizar essas análises de riscos, sobretudo tendo em conta a falta de informação exacta sobre os genes contidos no ADN do MON 810 aquando do momento da sua aprovação e os resultados dos estudos de caracterização posteriores, que sugerem que o ADN do milho terá sofrido reordenações e supressões desde o momento da sua transformação.(12). De qualquer modo, são preocupantes as semelhanças da proteína Cry1Ab produzida pelo MON 810 com a proteína Cry9C do milho StarLink ( retirado em 2000) e que apresenta características potencialmente alergénicas.
A respeito dos impactos destes milhos MON 810 sobre a saúde e o meio ambiente é importante notar que o único Plano de Acompanhamento disponível a nível europeu é um documento entregue pela Monsanto em 1995 quando a empresa solicitou autorização para a comercialização, sem que tenha havido qualquer actualização desde então. Esse Plano não abrange nenhuma das matérias que se discute desde a aprovação do milho e que, segundo a Directiva 2001/18/CE, deveriam ser tidas em consideração, incluindo a estrutura do genoma depois da integração de um gene estranho, os riscos para organismos não-objectivo, as mudanças nas rotas metabólicas secundárias das plantas e a excreção e acumulação edáfica da toxina Bt.
Num recente relatório (13) demonstra-se a alta variabilidade do conteúdo da toxina insecticida Bt presente nos milhos MON 810. A investigação, realizada em 2006 a partir de mais de 600 mostras recolhidas em Espanha e Alemanha conclui que as concentrações de toxina Bt nas plantas são altamente imprevisíveis e variáveis, pelo que, por exemplo, as plantas do mesmo campo podem diferir entre si até 100 vezes. Além disso a concentração de toxina é completamente diferente dos níveis indicados pela Monsanto quando solicitou a autorização para comercializar este milho. Estes dados trazem novas incertezas e preocupações a respeito da segurança e da qualidade do milho transgénico, e põem em questão o sistema de autorizações da UE.
Tal como o conjunto dos europeu, uma maioria da população espanhola se opõe aos alimentos transgénicos. No Eurobarómetro de Maio de 2006 o dado mais significativo é que somente 34% dos espanhóis está de acordo para que se fomente a biotecnologia aplicada á produção de alimentos. Já um estudo de Março de 2004 do Centro de Investigaciones Sociológicas revelava que cerca de 70% dos espanhóis considerava a modificação genética de certos cultivos perigosa para o meio ambiente e o barómetro espanhol de Setembro de 2006 concluía que os alimentos transgénicos eram uma das duas questões relacionadas com os alimentos que mais preocupavam os espanhóis.
Demonstrou-se claramente que não é possível a coexistência entre cultivos de OGM e os convencionais e ecológicos. Os numerosos casos de contaminação ao longo de toda a cadeia alimentar, desde as sementes até ao produto final, são uma demonstração clara de que a contaminação transgénica é inevitável. A contaminação das sementes – que pode alcançar proporções nada desprezíveis em pouco tempo, como foi demonstrado nos EUA –reveste-e de especial gravidade pelo seu carácter irreversível, impossibilitandi um recuo no caso de vir ser necessário a retirada do mercado de certos OGM. Daí a exigência irrenunciável de que se aplique o princípio da precaução, caído no esquecimento como forma de facilitar a autorização das culturas de OGM nos nossos campos e a introdução de ingrdientes transgénicos nos nossos pratos.
A utilização da engenharia genética na agricultura não pode considerar-se como uma simples ferramenta de produção. O debate sobre as culturas de OGM vai muito para além da mera aplicação de uma nova tecnologia, colocando questões éticas que a sociedade não pode iludir:
- na actualidade os referidos cultivos beneficiam exclusivamente as poucas multinacionais que os desenvolvem e os comercializa, e que estão a tentar impor por todo o mundo. Os grandes interesses em jogo dão lugar a todo o tipo de pressões políticas por parte das empresas biotecnológicas e de alguns governos, com desprezo pelas considerações ambientais e sociais.
- Está em jogo nada menos que o controle da agricultura e da alimentação em poucas mãos, o que pode levar a uma perigosa situação para a independência e a sobrevivência dos povos, dos países e do conjunto da Humanidade.
- A utilização da engenharia genética na agricultura não faz mais que exacerbar os efeitos perniciosos de uma produção industrializada e insustentável, que não favorece os pequenos agricultores, nem respeita o meio ambiente bem permite a distribuição equitativa das riquezas.
O mundo e o planeta precisa de perspectivas sustentáveis e estamos na hora dos governos e dos especialistas dedicarem as suas energias e recursos para desenvolverem tecnologias e políticas compatíveis com a protecção do meio ambiente, uma produção segura e de qualidade e uma distribuição justa entre todos os seres humanos.
(1)James, C. 2006. Global Status of Commercialized Biotech/GM Crops: 2006.ISAAA Brief No35. ISAAA: Ithaca, NY
(2) European Communities – Measures Affecting the Approval and Marketing of Bioteh Products (DS291, DS292, DS293). First Written Submission by European Communities. Geneva 17 May 2004.
(3)Who benefitis from GM crops? An analysis of the global perfomance of GM crops (1996-2006) www.foei.org/en/publications/pdfs/gmcrops2007full.pdf
(4) Fernandez-Cornejo, J. & Caswell. April 2006. Genetic Engineered Crops in the United States. USDA/ERS Eonomic Information Buletin n.11 www.ers.usda.gov/publications/eib11.pdf
(5) www.springerlink.com/content/1432-0703
(6)
(7) O emprego de genes marcadores de resistência aos antibióticos foi amplamente condenada por organismos como a FAO, a Royal Society e o Instituto Pasteur, para quem estes genes podiam criar resistências nos micro-organismos e gerar problemas sanitários quer em humanos quer em animais.
(8) Sloderbeck, P. Curente status of Bt Corn Hybrids.
(9) www.efsa.eu.in/science/gmo/gmo_opinions/384_en.html
(10)
(11)
(12)
(13) ver aqui