19.6.07

Os 25 anos da canção «FMI» de José Mário Branco


O emblemático "FMI", obra síntese do movimento revolucionário português com seus sonhos e desencantos, trouxe pela voz de José Mário Branco, uma consciencialização politica, mas essencialmente social do verdadeiro sentido de ser português, da vontade de se superar, de trazer de novo o espírito de inquietação sem descanso, enquanto tudo não estiver bem. Uma clara alusão ao passado glorioso de um povo, "que não se governa, nem se deixa governar".
Inicialmente escrito em 1979, "de um jorro só", "FMI" é apresentado ao público no Teatro Aberto, em 1982, num ajuste de contas com uma geração e seus fantasmas. Não se sabe ao certo qual o impacto da obra na sociedade portuguesa da altura, mas a verdade é que da geração de hoje, poucos conhecem a mensagem que apesar de ter 25 anos desde a sua primeira edição, continua extremamente actual.

Por isso está em organização uma iniciativa em Lisboa (28 de Junho) onde se propõe um "revisitar" creativo,a marcar os 25 anos, por vozes de hoje, para inquietar os mesmos fantasmas que no passado atormentaram José Mário Branco, e toda "uma nação de poetas".

Local: MusicBox, Cais do Sodré
Data: 28 de Junho
Mais Info: Pedro Azevedo: 91 28 98 567




FMI: 25 anos depois.


“É o internacionalismo monetário,” explicava José Mário Branco na introdução do mítico “FMI”. Na verdade é muito mais do que isso. É um retrato poético e satírico de um Portugal às voltas com a responsabilidade de ser, enfim, livre. “(…) estas coisas já nem querem dizer nada, não é? Ismos para aqui, ismos para acolá, as palavras é só bolinhas de sabão(…)” Mas de facto as palavras – como “comunismo” e “fascismo” a que aqueles “ismos” se referiam – eram bem mais do que bolinhas de sabão. Eram uma ferramenta num tempo em que o futuro ainda se construía com ideias. E nesse tempo, a música tinha outro valor, outro peso e outra força.


José Mário Branco escreveu “FMI” em 1979, quando muitos sentiam já que Portugal e Abril tinham deixado de rimar, de andar lado a lado. Este foi o período em que a chamada música de intervenção se pode estender para lá das metáforas que desafiavam o lápis azul dos censores. Mas as raízes de José Mário Branco estavam no exílio, onde a sua carreira arrancou, ainda durante a década de 60. Ao longo dos anos, José Mário não se limitou a trabalhar nas suas próprias composições e emprestou o seu talento de arranjador a clássicos de José Afonso, por exemplo. O pós-25 de Abril foi período e terreno de utopias: formou o GAC, trabalhou como actor na Comuna, fez bandas sonoras para filmes e, em 1979, foi expulso do PCP. “FMI” é filho directo de todas essas experiências e muito provavelmente o resultado de uma desilusão crescente.


Mas, “FMI” só seria editado em 1982, no fomato maxi single que entretanto se tinha tornado na medida certa de uma outra revolução de palavras que do lado de lá do oceano tomava conta de Nova Iorque e se preparava para conquistar o mundo. Esta forma cadenciada de dizer textos – uns mais inflamados do que outros, naturalmente – tinha raízes fortes nas Américas (Gil Scott-Heron, Isaac Hayes e até Pete Seeger), mas também na França onde José Mário recolheu o seu próprio universo de referências (Leo Ferre…). No ano em que “FMI” foi editado, Portugal andava às voltas com o boom do rock português: os Xutos editavam o clássico “1978-1982” onde um eléctrico “Avé Maria” atentava à moral e aos bons e velhos costumes; os GNR espalhavam as suas “Avarias” pelo segundo lado inteiro de “Independança”; e Portugal, enfim, lá ia inventando a sua própria modernidade, com direito à segunda edição de Vilar de Mouros em Agosto de 82 e tudo.


E José Mário Branco? Editava “FMI”, uma espécie de “vómito emotivo” como lhe chamou Nuno Pacheco em 96. Um jorro de emoções que vão da raiva ao lamento, do grito ao sussurro enquanto se pinta um Portugal perdido, às voltas sobre a sua memória e sobre os novos caminhos que se abrem à sua frente. José Mário Branco é mordaz, violento, certeiro nas suas observações, com acompanhamento simples de viola acústica ou flauta para não distrair ninguém do verdadeiro centro desta peça – as palavras. Curiosamente, na sua edição, José Mário Branco proibia a execução pública e radiodifusão deste trabalho, talvez por causa do conteúdo severo das palavras, talvez por achar que a catarse em que tinha investido só podia ser experimentada por uma pessoa de cada vez. 25 anos depois, o mito cresceu, e essas palavras continuam a fazer pleno sentido. Entretanto, uma nova geração de autores, filhos da liberdade de 74, mas também das ideias exportadas do Bronx, também mexe nas palavras para descrever a realidade que nos rodeia a todos. E tal como no “FMI” de 82, também o que se cospe em 2007 não é bonito.


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