22.5.07

Futuro Primitivo, livro de John Zerzan, prestes a ser editado pela Deriva

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John Zerzan nasceu em 1943, em Oregon, EUA, e é licenciado em Ciências Políticas pela Stanford University e em História pela San Francisco State University. Preso em 1966, nos EUA, pela sua participação nos movimentos de desobediência civil e contra a guerra do Vietnam, conhecidos pelos tumultos de Berckeley. Abandonou, mais tarde, uma carreira universitária na University of Southern California. Hoje, dedica-se à educação de crianças e à jardinagem. Promove, ainda, conferências sobre o Primitivismo e Paleo-Anarquismo em todo o mundo. Destaca-se como escritor e filósofo do chamado Primitivismo com a edição de Elements of Refusal (Left Bank Books, Seattle, 1988) e de Future Primitive (Autonomedia, New York, 1994) livro agora traduzido para português pela Deriva e que lhe deu projecção internacional ao serem traduzidas versões para várias línguas. Questioning Technology (Freedom Press, Londres, 1988), The Mass Psychology of Misery, Tonality and the Totality, The Catastrophe of Postmodernism e The Nihilist's Dictionary contam-se entre as suas obras mais recentes. Em 2002, edita Against Civilization: Readings and Reflections, em Los Angeles.

As ideias de John Zerzan situam-se na crítica à tecnologia e à cultura simbólica como origem da degenerescência da Humanidade que a iniciou com o advento da agricultura e da domesticação de toda a vida humana e da natureza. Rejeita, portanto, a divisão social e sexual do trabalho e o patriarcado, assim como a separação entre a Natureza e a Cultura. Singular, na visão de Zerzan, é a síntese de várias correntes filosóficas que elabora na crítica à sociedade moderna e pós-moderna como suportes que fazem parte de um mundo que se encontra moribundo. As fontes teóricas do Primitivismo a que Zerzan dá voz vão desde Adorno, aos situacionistas, à antropologia, ao luddismo, à ecologia e ao feminismo, assim como às correntes igualitárias e anti-autoritárias americanas e europeias.


O Futuro Primitivo é, para nós, a obra mais marcante de John Zerzan. Para além de reflectir uma revisitação teórica da Pré-História, ataca violentamente as ideias preconcebidas da antropologia oficial e dá-nos a possibilidade de encontrar uma ténue saída para a catástrofe iminente.


«Definir» um mundo não alienado seria impossível e talvez indesejável, mas creio que podemos e deveríamos tentar revelar o não-mundo dos nossos dias e como se chegou até ele. Caímos num monstruoso erro ao adoptarmos a cultura simbólica e a divisão do trabalho, abandonando um mundo de deslumbramento, compreensão e totalidade e esperando por um Nada que nós encontramos, hoje, na doutrina do progresso. Vazia, cada vez mais vazia, a lógica da domesticação, com as suas exigências de domínio total, mostra-nos a ruína de uma civilização que destrói tudo em que toca. Presumir a inferioridade da natureza favorece o domínio de sistemas culturais que não tardarão a tornar a Terra inabitável.

O pós-modernismo diz-nos que uma sociedade sem relações de poder não é mais que uma abstracção. É uma mentira, a menos que aceitemos a morte da natureza e que renunciemos para sempre ao que foi e que poderá, um dia, vir a ser de novo. Turnbull falou-nos da intimidade entre os Mbuti e a floresta, e da sua maneira de dançar como se fizessem amor com ela. Na fímbria de uma vida onde todos os seres são iguais, onde não existia nenhuma abstracção e que se esforça ainda por manter-se viva, eles «dançam com a floresta, dançam com a lua». (Futuro Primitivo, 2007, Deriva).

Esta edição portuguesa da Deriva é acompanhada por um prefácio do autor.

Trata-se de uma obra importantíssima pela recusa em enveredar pela cartilha da antropologia oficial (que Zerzan tão bem desmascara) e por uma perspectiva completamente nova da pré-história que nos é dada por este pensador libertário. Tudo é posto em causa: o trabalho, o patriarcado, a guerra primitiva, a família e a propriedade. A subtileza argumentativa do autor reside no uso que faz das ideias centrais e das afirmações dos académicos e cruzá-las de modo a parecerem, afinal, um conjunto de contradições insanáveis.

«A divisão do trabalho, que tanto contribuiu para nos submergir na crise global do nosso tempo, age diariamente para nos impedir de compreender a origem do terror do presente. Mary Lecron Foster (1990) peca, certamente por eufemismo, quando afirma que, hoje em dia, a antropologia está «ameaçada por uma fragmentação grave e destrutiva». Shanks e Tilley (1987) fazem eco de um problema semelhante: «o objecto da arqueologia não é somente o de interpretar o passado, mas de transformar a maneira como é interpretado em benefício da reconstrução social actual.» Evidentemente, as Ciências Sociais, por si só, limitam a perspectiva e a profundidade da visão necessária que permitiria uma reconstrução como esta. No capítulo referente às origens e ao desenvolvimento da Humanidade, o leque de disciplinas e de sub-disciplinas cada vez mais ramificadas – antropologia, arqueologia, paleontologia, etnologia, paleo-botânica, etno-antropologia, etc. – reflecte o efeito redutor e incapacitante que a civilização personificou desde o seu início.No entanto, a literatura especializada pode dar-nos uma ajuda bastante apreciável, na condição de a abordar com método e vigilância apropriadas, na condição de decidir não ultrapassar os seus limites. De facto, as deficiências destas maneiras de pensar mais ou menos ortodoxas correspondem às exigências de uma sociedade cada vez mais frustrada. A insatisfação da vida contemporânea transforma-se em desconfiança perante as mentiras oficiais que servem para legitimar tais condições de existência; ela permite, assim, desenhar um quadro mais fiel ao desenvolvimento da humanidade. Explicou-se, exaustivamente, a renúncia e a submissão que caracterizam a vida moderna pelas contingências da «natureza humana». No fim de contas, o mito da nossa existência pré-civilizada, pretensamente vivida por privações, brutalidade e ignorância acabou por fazer parecer a autoridade como uma benfeitoria que nos salvou da selvajaria. Invoca-se sempre o «Homem das Cavernas» e o «Homem de Neanderthal» para nos lembrar como nós seríamos sem religião, Estado ou trabalhos forçados.(...)»
Futuro Primitivo, de John Zerzan (, págs. 1 e 2)