29.1.07

A suprema elegância do ler o jornal!

Ler o jornal: suprema elegância nos dias de hoje!

Quando observamos hoje os jovens dentro dos cafés dá a impressão que lhes falta algo de essencial na sua vida: a arte e o estilo de andar com um jornal. Sentados, com os olhos virados para o écrã de um computador, algumas vezes com fios que lhes saem das orelhas, o seu quotidiano oscila entre a viagem na MySpace, essa patética enciclopédia, e um vídeo de um tipo qualquer a dançar a macarena. Como é triste e deprimente que, hoje, quase ninguém saiba quanto a leitura de um jornal é um dos segredos da elegância. Esquecemos aquelas frases tonitruantes sobre a função da imprensa numa democracia – e encaremos a situação de um outro ângulo: o jornal como uma questão de estilo.

Quer esteja sentado ou de pé, dentro ou no exterior, apoiado negligentemente contra a parede ou com os pés sobre a secretária, a leitura de um jornal permite desenvolver-vos um rico vocabulário gestual. Com um movimento de braços abrimo-lo ao mesmo tempo que se faz sentir o som de barulho do papel, e todo o nosso estilo se descobre na maneira como viramos as folhas e como percorremos com o nosso olhar os títulos e os blocos de notícias, os nossos olhos dançam sobre as infelicidades do mundo antes de passar para outra coisa até que num golpe seco fechamos o jornal, o dobramos em dois, depois em quatro, e colocamo-lo debaixo do braço ou dentro do bolso do sobretudo. Cary Grant, Spencer Tracy, Jimmy Stewart e todos os grandes actores utilizaram um jornal para mostrar o seu estilo. Indiscutivelmente folhear um álbum de fotos de uma criança, agora com 18 anos, mais o seu gato, é coisa que não tem estilo algum.
Um tipo sentado diante de um portátil é como um homem sentado numa secretária. Onde está aí o estilo? Inclinado para a frente, com a cabeça entre os olhos, o olhar vidrado, saliva no canto dos lábios, enquanto olha, fascinado, o vídeo do pescador caído sobre a sua barcaça. O leitor do jornal é, antes de mais, um mosqueteiro, um samurai. Ter um jornal, e lê-lo, permite exprimir-vos, tal como Coltrane com o seu sax. Basta para isso observar algumas regras muito simples:

1.Se quereis mesmo fazer sensação não compres só um jornal, mas três ou quatro. Toda a pessoa que entre num café com 4 jornais sob o braço é vista automaticamente como um sábio. Se for jovem, é um sábio de informática. Se não o for, e se tiver ainda o pijama debaixo do seu impermável, é certamente um sábio excêntrico.

2.Demorai o vosso tempo para abrirdes o jornal. Já conheceis a música, apreciai então o perfume; se o leres é justamente para saber o que os outros sabem, logo não há pressa.

3. Uma vez aberto, não levanteis nunca os olhos a menos que alguém vos chame pelo vosso nome. Não vos deixeis distrair, mesmo se uma loura com umas pernas intermináveis atravessar a sala deixando atrás de si eflúvios de tabaco de menta e perfurme de marca. Não vos esqueçais: vós sois aí o actor, os outros não são mais que o público, pelo que importa que desempenhaiss cabalmente o papel.

4.Percorrei a primeira página, os títulos, mas não fiqueis aturdido, nem vacileis com acabeça. Tende estilo. Ide directamente às páginas culturais, depois à da banda desenhada, às de política internacional e, finalmente, aos casos do dia. Nesta pirâmide invertida de informações está todo um estilo de viver.

5. Depois de ler um ou dois artigos, recortai-os e enfiai os dois recortes no fundo dos bolsos do casaco. Fazei isso não de uma forma banal e negligente, mas com alguma urgência de maneira a emprestar ao acto uma aura de mistério.

6.Quando terminardes de ler o jornal, fechai-o e mexei levemente a cabela (não há analogia possível para um portátil). Um gesto de desdenho que deve singificar: «Agora é que eles vão ver! Basta de palavras! Para diante é que é o caminho! Para as barricadas!»

7. Tudo isso não deve durar mais de 20 minutos. Conheço um tipo, quase da minha idade, que cresceu com os dedos cheios de tinta de tipografia, mas que, por razões que sou incapaz de explicar, virou-se para a leitura da imprensa pela net.Visita regularmente os sites do Times, do Washington Posto e da Slate, mas acaba sempre por ir dar a um site de video onde uma matrona austríaca com grandes tetas vos dá ordens. Com os olhos fulminados pelos da mulher, ele parece que ouve: «acaba o teu trabalho, maldito sejas!, antes de fazer uma ou outra visita que ele toma como transgressões imaginárias suas. E se ele tem a intenção de desligar o aparelho a valquíria logo lhe põe aos berros antes de lhe mandar um rotteweiler com ar ameaçador. Ele acaba, no fundo, por ser um prisioneiro do seu portador, e os seus dias são lixados.

Coisas deste género acontecem sem darmos conta. A internet acabará por vos queimar vivos. Com os jornais, não. Vós tendes 20 minutos, não mais. E depois é a vida, a vida que tendes de escolher.

Tradução livre e adaptada de um texto de Garrison Keillor, publicado no Le Monde de 20 de Janeiro de 2007
Nota do tradutor: dada a natureza paroquiana da imprensa escrita portuguesa (nas mãos dos grandes grupos económicos) não nos responsabilizamos pelos eventuais danos que a sua leitura possa causar ao leitor mais incauto. Existem excepções, é certo. Por exemplo: a edição em português do Le Monde Diplomatique.