«Suas Excelências estão contemplando ou estão simplesmente dormindo? Seria talvez tempo de sairmos desta dúvida, apoderando-nos dos narizes das classes dirigentes, e sacudindo-lhes por algum tempo com o respeito vigoroso, profundo e tenaz que todos os narizes altamente colocados devem merecer à crítica e à opinião das massas»
Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão,
in As Farpas
Cruel dilema: serão os narizes verdadeiros ou de cera? No museu das Tristes Figuras há muito que os escultores aguardam impacientes, perante a quantidade de narizes ( e de cera) que se lhes anuncia. Há-os de todos os feitios: a classe dirigente é fértil em figuras, quase todas tristes. Sinais do fado ( o nosso, não o deles…). Narizes há que convergem, outros que divergem, outros que se mantêm orgulhosamente sós. O narigal, mercê do método de Hondt, apresenta ao olhar dos observadores, tipos e tamanhos de pencas variegadas. Nem a reforma agrária, já na sua versão corrigida, consegue colectivizar tais apêndices: eles são uma reserva preciosa como argumento eleitoral.
Sem o seu nariz identificador, que seria dos líderes partidários, dos ministros, secretários de Estado e demais políticos que fazem a delícia e a alegria dos Portugueses e das Portuguesas.
Senhores dos seus narizes, mas indiferentes aos odores que perfumam de norte a sul este jardim plantado, passeiam-se impávidos e serenos por entre os lenços dos seus concidadãos nasalmente menos resistentes. Nem um oceano de desodorizantes chagaria para proteger a capital de certas pestilências. Apetece-nos neste momento citar Cambronne!
Ou as massas abanam os narizes ou os narizes abanam-se sobre as massas.
Há opiniões controversas, críticas perversas: mas quem tem mais nariz sensível, que não seja de cera, arrisca-se à asfixia, se quer a todo o custo ignorar os maus cheiros. Também nós fizemos um inquérito, coisa tão em voga na jovem democracia, e concluímos que a hipersensibilidade é pecha do cidadão comum, a que escapam os políticos. E por que escapam?
A resposta é fácil: Tapam os narizes ( ou as orelhas, ou os olhos, etc, o que vem a dar no mesmo)! No fundo é tudo uma questão de tapume. Isto é: a política do tapa aqui, tapa acolá. Mas os buracos sucedem-se e a produção nacional bruta de tapume não atinge os objectivos do plano, que pelo menos neste aspecto é ambicioso.
No outro dia, um cidadão respeitável torcia cepticamente o nariz a um discurso pré-eleitoral ( os discursos políticos em Portugal são sempre pré-eleitorais). É que o nariz do orador ameaçava romper o pequeno ecrã e esparramar-se sobre os telespectadores. Já intimidade da vida privada não está a salvo das narigadas! Nasaladamente, as promessas ritmadas e repetidas penetram pelos tímpanos mais virgens: nada há que lhes resista.
Os narizes tornaram-se eróticos, à medida que a cera funde.
Desesperado, o cidadão desligou o interruptor, mas a imagem do nariz não lhe deu tréguas. No dia seguinte, foi ao psicanalista e constatou estupefacto que o consultório estava cheio de narizes! Deu maia volta e foi postar frente do televisor, arengando às massas: o nariz crescera-lhe assustadoramente.
Moralidade: se não começarmos a sacudir os narizes às nossas classes dirigentes, ficaremos todos de nariz à banda.
( texto publicado no Suplemento «Das Artes e Letras» de 6 de Novembro de 2006 do jornal «O Primeiro de Janeiro»)
Cruel dilema: serão os narizes verdadeiros ou de cera? No museu das Tristes Figuras há muito que os escultores aguardam impacientes, perante a quantidade de narizes ( e de cera) que se lhes anuncia. Há-os de todos os feitios: a classe dirigente é fértil em figuras, quase todas tristes. Sinais do fado ( o nosso, não o deles…). Narizes há que convergem, outros que divergem, outros que se mantêm orgulhosamente sós. O narigal, mercê do método de Hondt, apresenta ao olhar dos observadores, tipos e tamanhos de pencas variegadas. Nem a reforma agrária, já na sua versão corrigida, consegue colectivizar tais apêndices: eles são uma reserva preciosa como argumento eleitoral.
Sem o seu nariz identificador, que seria dos líderes partidários, dos ministros, secretários de Estado e demais políticos que fazem a delícia e a alegria dos Portugueses e das Portuguesas.
Senhores dos seus narizes, mas indiferentes aos odores que perfumam de norte a sul este jardim plantado, passeiam-se impávidos e serenos por entre os lenços dos seus concidadãos nasalmente menos resistentes. Nem um oceano de desodorizantes chagaria para proteger a capital de certas pestilências. Apetece-nos neste momento citar Cambronne!
Ou as massas abanam os narizes ou os narizes abanam-se sobre as massas.
Há opiniões controversas, críticas perversas: mas quem tem mais nariz sensível, que não seja de cera, arrisca-se à asfixia, se quer a todo o custo ignorar os maus cheiros. Também nós fizemos um inquérito, coisa tão em voga na jovem democracia, e concluímos que a hipersensibilidade é pecha do cidadão comum, a que escapam os políticos. E por que escapam?
A resposta é fácil: Tapam os narizes ( ou as orelhas, ou os olhos, etc, o que vem a dar no mesmo)! No fundo é tudo uma questão de tapume. Isto é: a política do tapa aqui, tapa acolá. Mas os buracos sucedem-se e a produção nacional bruta de tapume não atinge os objectivos do plano, que pelo menos neste aspecto é ambicioso.
No outro dia, um cidadão respeitável torcia cepticamente o nariz a um discurso pré-eleitoral ( os discursos políticos em Portugal são sempre pré-eleitorais). É que o nariz do orador ameaçava romper o pequeno ecrã e esparramar-se sobre os telespectadores. Já intimidade da vida privada não está a salvo das narigadas! Nasaladamente, as promessas ritmadas e repetidas penetram pelos tímpanos mais virgens: nada há que lhes resista.
Os narizes tornaram-se eróticos, à medida que a cera funde.
Desesperado, o cidadão desligou o interruptor, mas a imagem do nariz não lhe deu tréguas. No dia seguinte, foi ao psicanalista e constatou estupefacto que o consultório estava cheio de narizes! Deu maia volta e foi postar frente do televisor, arengando às massas: o nariz crescera-lhe assustadoramente.
Moralidade: se não começarmos a sacudir os narizes às nossas classes dirigentes, ficaremos todos de nariz à banda.
( texto publicado no Suplemento «Das Artes e Letras» de 6 de Novembro de 2006 do jornal «O Primeiro de Janeiro»)