25.10.06

Todo o ser humano tem direito à preguiça

Declaração universal dos direitos do ser humano
( segundo a formulação de Raoul Vaneigem)


Artigo 21º
Todo o ser humano tem direito à preguiça

1. Durante séculos, o direito à preguiça foi apenas uma organização do tempo de trabalho, concedendo aos escravos o descanso necessário a uma rendibilidade acrescida. Trata-se agora de o arrancar ao princípio da exploração para o restituir ao princípio da fruição, criativa ou não. Que a preguiça se baste a ela própria e não se possa confundir com as tréguas que a fadiga concede ao corpo para restaurar a sua força produtiva.

2. A verdadeira preguiça concede ao prazer de nada fazer a graça de se aceitar sem culpa, resignação, esquecimento de si mesmo ou impotência. Da mesma maneira que o repouso e o jogo proporcionam à criança a lenta maturação em que ela se torna naquilo que é e quer ser, queremos que a letargia dos sentidos e da razão, ao contrário de gerar monstros, seja o tempo em que a vida se emprenha a si mesma.

3. A arte da preguiça consiste em afiná-la a fim de que, conciliando-se com as outras paixões, ela escape a uma proliferação que, ao disseminá-la por todo o lado, a tornaria odiosa e a destruiria. Não há nada pior do que a lassidão do ânimo. O privilégio da preguiça refinada é o de impedir a preguiça do desejo.

Comentário – Existe uma preguiça mortífera. Remete para o trabalho, serve-lhe de escape, usa o corpo e a consciência para produzir, como ele, o vazio do ser. Uma preguiça que, pronta a fazer a economia de um gesto, vai obrigar em breve a efectuar dez. Uma preguiça que se poupa ao trabalho de uma reflexão, põe-se a pensar de forma enviesada e cai na servidão e na moleza para ser apanhada na armadilha do poder. A preguiça é o triunfo da independência, e não uma cilada da sujeição

Raoul Vaneigem, in Declaração universal dos direitos do ser humano