31.10.06

Dar vida ao mundo rural

Reportagem na Serra de Montemuro

No interior do país, onde falta passar a carruagem da regionalização e a desertificação continua a notar-se, há quem contrarie o isolamento que os “muros” da interioridade teimam em impor.
John Mcadam, 53, americano de nascimento e, principalmente “revolucionário rural” - diz-nos o próprio num português fluente e matizado com um ligeiro sotaque inglês -, chegou há já 22 anos à aldeia de Mezio, rodeada pela serra de Montemuro, no concelho de Castro Daire. E, desde então, é um dos dinamizadores da vida local.
Começou por ser um projecto de desenvolvimento para aldeias montanhosas que trouxe este americano para cá, porém, as suas raízes aprofundaram-se na terra de Mezio com a iniciativa, juntamente com mais dois sócios, de criação de uma empresa local de plantas aromáticas e medicinais.


A hortelã comum, pimenta ou aquática, alecrim, alfazema, rosmaninho, carqueja, sabugueiro, perpétua-roxa e maravilhas são uma breve amostra da diversidade das plantas medicinais e aromáticas que podemos ver, tocar e cheirar na estufa localizada no ponto mais alto desta aldeia – Eira Velha, assim se chama a esse lugar.
Depois de se ver como se procede à reprodução das plantas na estufa, por meio do enraizamento de estacas e sementes, o conhecimento do cultivo é enriquecido com a visita aos 950 metros do campo de plantação, onde a vista é presenteada com um cocktail de cores, desde o roxo ao amarelo e com o verde sempre como pano de fundo, que pontilham a paisagem. É um itinerário que permite conhecer de perto as diferentes fases de trabalho precedentes à compra de um saco de chá.
Por detrás das estufas e dos campos de cultivo das plantas, está “uma combinação muito fértil de ideias com pessoas muito diferentes.”
De facto John Mcadam, formado em Psicologia, conta com uma vasta experiência de trabalho em projectos de desenvolvimento local desde os Estados Unidos da América, com as tribos de índios no Arizona, até à Índia. E, em 1984, parou em Portugal, onde desenvolveu durante 10 anos o Projecto de Desenvolvimento Integrado de Montemuro, no âmbito do Instituto de Assuntos Culturais, associação internacional de apoio a zonas montanhosas, com sede em Bruxelas. Os restantes sócios são dois irmãos, filhos da terra, Delfim, 40, e Joaquim Morgado, 41, respectivamente, um doutorado em Filosofia e o outro é engenheiro agrónomo.
Colocar uma aldeia nos itinerários da investigação e formação em agricultura biológica é um feito que estes três habitantes de Mezio já conseguiram com o seu projecto, iniciado em 1995, de produção, embalamento e venda de plantas medicinais e aromáticas. Para isso contribuíram “os vários projectos agro para fazer campos de experimentação e demonstração para experimentar as plantas silvestres que estão em vias de extinção e tentar adaptá-las para a agricultura. Estes projectos contaram com a parceria do Banco Português do GermoPlasma Vegetal, em Braga, do Ministério da Agricultura da Beira Litoral, em Coimbra e da Universidade do Minho”, explica Mcadam.
Por outro lado, também orientam visitas guiadas de grupos académicos ou pessoas individuais. Nesse sentido, “tanto as universidades como o Ministério da Agricultura, organizam cursos de dois ou três meses e encaminham visitas de estudo para aqui. E, também, recebemos estagiários”, acrescenta Mcadam.





Um saber antigo

O uso das plantas no tratamento e prevenção de doenças é um conhecimento muito antigo que tem acompanhado o Homem de geração em geração.
Esse facto pode ser comprovado no museu da Associação Etnográfica e Social de Montemuro - desenvolve uma cooperativa de artesãos e um restaurante de cozinha típica, cujo prato principal é o famoso “arroz de feijão com salpicão cozido”-, onde estiveram “desde o início expostas as plantas, porque as pessoas não iam ao médico. Conforme os sintomas que sentiam, assim se medicavam com ervas existentes na localidade”, esclarece Dolores Jesus, 77, professora reformada com 36 anos de ensino básico, presidente e fundadora da Associação Etnográfica de Montemuro que assinalou este ano outros 25 de actividade “na recolha, preservação e divulgação da cultura popular desta região.”
Por mera coincidência ou não, esta empresa nasceu num lugar que é considerado o centro de produção de plantas medicinais para o país. Sublinha Mcadam: “Nós não sabíamos, mas quando começámos havia jeiras de carqueja, porque a fonte desta planta para o país inteiro é aqui, em Montemuro.”
A procura crescente de plantas medicinais e produtos com certificação biológica é já um dado adquirido tanto no mercado nacional como internacional. “Cada vez mais pessoas procuram este tipo de produtos ou para a saúde ou para o gosto dos sabores. Vimos através dos meus contactos profissionais que era uma pequena onda que parecia que ia crescer. E nós quisemos captar essa onda e parece que apostámos bem”, verifica Mcadam.

Desafios a vencer

Se, por um lado, a falta de água e as ameaças dos incêndios no Verão são dificuldades inerentes ao contexto geográfico, já no que toca às exigências da certificação biológica o que está em causa é o cumprimento de uma série de requisitos qua garantam a qualidade ecológica do produto final.
Desde a plantação até ao embalamento, uma das fases de permeio é a esterilização que segundo a explicação de Mcadam é conseguida por meio “do sistema de refrigeração que congela as plantas depois de estarem secas.” E compara que “outras empresas que não são certificadas podem usar processos químicos como herbicidas, por exemplo, ou esterilizações por radiações.”
A estes desafios, acrescenta-se o de não deixar morrer a aldeia. Desafio este que parece estar a ser ganho, pois, “as pessoas estão a construir casas e a criar famílias aqui”, segundo observa Mcadam.
E olhando para trás até consegue ver diferenças na economia e organização social locais: “Quando cheguei, há 20 anos atrás, era uma economia de subsistência, a maioria das famílias trabalhava na agricultura. E, agora, Mezio mudou para ser um subúrbio no meio rural. As mulheres e os filhos vivem aqui e o homem trabalha fora e vai e vem todos os dias ou cada semana ou mês, às vezes seis meses. É muito variado: alguns trabalham em Porto, Lisboa ou Suíça e têm a família e a casa aqui. Por isso, eu chamo subúrbio em meio rural.”
Nuno Gaspar, 21, morador em Mezio, estudante de Engenharia Informática, em Viseu, é um dos 521 habitantes de Mezio e reconhece que “todas estas iniciativas de criação de empresas, especialmente das que trabalham na base de aldeia são importantes, porque desenvolvem e demonstram a terra e o que se pode fazer nela.”
Conciliar o desenvolvimento com a preservação do património natural e cultural é tanto possível como desejável. Mcadam comprova, baseando-se nos seus 22 anos de vivência rurais: “Uma parte mudou muito, mas a outra parte, mais interior, não mudou nada. Na parte cultural, eles têm as mesmas crenças, os mesmos valores sociais e culturais que tinham as pessoas quando vim para cá. Acho muito interessante ver como é que eles podem modernizar, mas com o centro não deteriorado com hábitos novos. É interessante!”



Texto de autoria de Fátima Santos, a quem agradecemos de o ter cedido para ser publicado e divulgado aqui.