4.8.06

Como educar face à «máquina que produz esquecimento»? (Zygmunt Bauman)


Sociólogo e filósofo polaco, Zygmunt Bauman explica ao longo da sua já vasta obra como passamos de uma «modernidade sólida» para uma «modernidade líquida», na qual a rapidez, a superficialidade e o consumismo frenético dos indivíduos em geral, e dos alunos em especial, colidem com as maneiras de ensinar e educar estávamos habituados. Num mundo em perpétua mudança, saturado de informações, autêntica «máquina do esquecimento» ( ou, com mais rigor, de produzir esquecimento), os educadores devem inventar uma outra maneira de ensinar e aprender.


No seu estado «sólido», definitivamente superado, a modernidade tinha a obsessão da durabilidade (…) O conhecimento tinha valor pois era suposto durar, o que se verificava com a educação,uma vez que oferecia um conhecimento durável (…) Ora nós encontramos aqui o primeiro dos numerosos desafios com que se defronta a educação contemporânea. Na nossa época, uma época «moderna-fluída» as possessões duráveis, os produtos que eram supostos serem apropriados uma vez por todas e jamais substituídos, perderam a atracção que tinham no passado. Era vistos outrora como um capital, e arriscam-se agora a ser encarados como dívidas (…)
Os editores das revistas de luxo pressentiram como ninguém as novas tendências: simultaneamente com as novidades «para fazer» ou «a ter», fornecem regularmente aos seus leitores conselhos sobre o que «passou de moda». (…) O consumismo não consiste hoje numa acumulação de coisas, mas no prazer efémero que elas dão. Se assim é, então porque é que o conjunto de conhecidos obtidos na escola ou na faculdade deveriam ser excepção a essa tendência universal? No turbilhão de mudanças, o conhecimento adaptou-se a um uso instantâneo e previsto para uma única utilização: o conhecimento «pronto-a-vestir», do tipo que é oferecido pelos programas informáticos, e parece atrair a atenção geral. É assim que a ideia segundo a qual a educação é um produto, destinada a ser adquirida e conservada, está em declínio e não se fala mais da educação institucionalizada (…)
O segundo desafio que também se opõe às premissas fundamentais da educação provêm da natureza errática e essencilamente imprevisível das mudanças contemporâneas e reforça o primeiro desafio. Ao longo dos tempos, o conhecimento foi apreciado pela sua representação verídica do mundo: mas o que se passa se o mundo muda de um modo que desafia e questiona constantemente a verdade do conhecimento existente? (…)
O mundo em que vivemos hoje é visto mais como uma máquina de produzir esquecimento do que como um local para desenvolver aprendizagens (…) Numa tal espécie de mundo, a aprendizagem está destinada a ser uma corrida sem fim, logo que um objecto seja substituído e um outro começa a fazer-se notar (…) Como já observara há muito tempo Ralph Wald Emerson quando se está de patins de gelo, o segredo está na velocidade (…)
Isto tudo vai contrariar todos os aspectos da aprendizagem educativa tal como foram praticados ao longo da sua história (…)Nesse mundo, a memória era um capital: mais a memória abraçava o passado e se conservava, mais este capital se valorizava. Hoje uma tal memória aparece como potencialmente incapacitante (…) No nosso mundo volátil feito de mudanças instantâneas e erráticas, os hábitos enraizados, os quadros cognitivos sólidos e a presença de valores estáveis, que eram as finalidades últimas da educação ortodoxa, tornaram-se obstáculos. Pelo menos, eles são rejeitados pelo mercado do conhecimento, para o qual ( tal como para todos os mercados e para todas as mercadorias) a lealdade, os laços e os envolvimento a longo prazo estão obsoletos, quais obstáculos que urge desembaraçarmo-nos (…)
A questão é que muito pouco, ou mesmo nada, poderá ser remediado unicamente através da reforma das estratégias de educação, por mais engenhosa e completa que ela seja. (…) Devo insistir nisto: as actuais mudanças a que assistimos não são do mesmo género que as do passado. Em nenhum das épocas passadas da história da humanidade, os educadores foram confrontados com um desafio desta magnitude. Nunca nos encontramos numa situação semelhante. A arte de viver num mundo sobre-saturado de informações deve ainda ser aprendida. O mesmo se passa com a maneira como preparamos os seres humanos para essa forma de viver.


Tradução de excertos de um texto de Zygmunt Bauman inicialmente publicado na revista Diògene, e retomado no livro «Revue Diogène:une anthologie da la vie culturelle au XXè siécle», PUF, 2005