11.12.05

Contra os brinquedos de guerra


Se gostas de viver…, porquê então, jogar e brincar a matar os outros?

Quando falamos de violência de imediato vem à nossa mente as guerras, mortes, golpes militares, etc, mas há também aquela violência do quotidiano que nos aparece como se fosse normal e que se vai reproduzindo persistentemente.
O autoritarismo, a repressão, a exclusão assim como muitíssimas relações assimétricas resultantes das nossas sociedades machistas, adultocêntricas, homofóbicas e racistas, ilustram suficientemente aquela realidade.
A influência social dissemina-se por via da reprodução e transmissão social para todos os segmentos sociais, mas é nas crianças que ela se exerce com particular força até pela simples razão que aí se estabelece com bastante nitidez uma forte relação vertical.
Também quando os ensinamos a jogar ou a distrair-se não deixa de se exercer aquela influência social que conduz à reprodução social das ideias dominantes.
Desgraçadamente, quando pensamos em dar um brinquedo, o que cuidamos é saber se o seu destinatário irá ou não apreciar, e não nos lembramos que ele serve também para educar. Procuramos, por isso, em oferecer a última novidade tecnológica, o jogo da moda ou então o que estiver mais à mão.
Não prestamos atenção ao papel e função que o jogo ou o brinquedo podem assumir na sociedade e a muitos nem sequer reflectem sobre se aquele concreto brinquedo ( ou jogo) serve ou não para perpetuar um determinado modelo social. Ora se queremos mudar as nossas sociedades importa atender aos brinquedos que compramos para as crianças. É assim que os brinquedos bélicos iniciam a crianças numa atitude militarista inculcando-lhe hábitos e conotações de agressividade e violência. Através dos
brinquedos de guerra está-se a legitimar as instituições agressivas, já para não dizer que através daqueles se garante o contínuo rearmamento das sociedades.
Não é por via dos brinquedos de guerra que as crianças vão entender a realidade social da violência e da guerra. Apenas conseguem apreender estereótipos. E pior que isso, os brinquedos de guerra servem as mais das vezes para deformar e ocultar as verdadeiras causas das guerras e da violência social, ocultando ainda as suas consequências irreparáveis.
A ideia de ver o jogo como um ingrediente importante na formação infantil leva-nos à necessidade de procurar alternativas não violentas onde se promova e relações de cooperação e amizade, num processo mais abrangente que favoreça às crianças e aos jovens a perspectivação das relações sociais numa óptica diferente.
Com efeito, depende de nós todos saber qual é a sociedade que pretendemos.

Através dos brinquedos as crianças vão interiorizando e fazendo como seus os comportamentos sociais e os valores implícitos num jogo ou num brinquedo. Daí que não tenhamos dúvidas ao dizer que os brinquedos bélicos não são neutrais. Por seu intermédio pode ser perpetuado todo um sistema social baseado em modelos comportamentais competitivos, violentos, incentivadores de uma vontade de domínio como um fim em si mesmo. A violência torna-se então o árbitro das relações sociais: é o mais forte que triunfa, que tem sempre razão e a quem cabe o papel do bom da fita.
Os brinquedos bélicos são uma verdadeira iniciação ao modelo militar-machista prevalecente nas nossas sociedades. O rapazito descobre aos poucos que o seu futuro papel de homem é diferenciado do da mulher, procurando por conseguinte identificar-se com as figuras machistas do guerreiro.
Acontece que os brinquedos de guerra cumprem ainda a função de legitimar as instituições militares e repressivas, a cujo processo não é estranho a simplificação da divisão entre bons e maus.
Os videojogos mais não fazem que modernizar este esquema reprodutor de uma forma mais insidiosa e insolente.
Claro que há quem argumente que não se deve ocultar as realidades da violência social e das guerras. E não falta quem considere que os brinquedos bélicos respondem a uma necessidade das crianças em canalizar a sua agressividade.
A tais objecções há que alegar que os brinquedos de guerra, mais que a ajudar as crianças a entender a realidade, o que fazem realmente é ocultar as causas e as consequências daquele fenómeno.
Cabe também perguntar porque é que outras realidades sociais como os suicídios e a prostituição não fazem parte dos inúmeros jogos infantis, sabendo todos que são, ao lado da guerra e da violência social, factos civilizacionais incontornáveis.
Por outro lado, importa frisar que existem brinquedos muito mais adequados para orientar a criatividade natural da criança que não passam forçosamente pelos brinquedos de guerra. A tensão física poderá ser muito melhor compensada com exercícios corporais e outros movimentos.
Recorde-se que os brinquedos devem cumprir duas funções capitais, a saber: serem veículo de expressão da emotividade, imaginação e estado de espírito, e serem instrumento de aprendizagem de um determinado comportamento social. Sendo assim, a agressividade não deve ser eliminada, mas devendo antes garantir a sua livre expressão, através de um desenvolvimento positivo que não se reconduza à violação dos direitos dos outros nem ao seu domínio. Ou seja: a uma agressividade que não se traduza numa violência destrutiva.

A verdadeira razão para o desejo de ter brinquedos de guerra está na publicidade destilada ao jovem ou à criança indefesa.
Está pois nas nossas mãos estimular a posse e o uso dos brinquedos de guerra ou cortar o mal pela raiz, oferecendo brinquedos e jogos que tornem desnecessários objectos que promovam a guerra, a violência social e a dominação de uns sobre os outros.


MEMORANDUM
O Parlamento Europeu aprovou em 13 de Setembro de 1982 uma resolução sobreos brinquedos de guerra, alertando para a problemática