1.11.05

Anti-arte e a sua recuperação pelo mercado



As primeiras vanguardas, tais como o fauvismo, o expressionismo ou o cubismo, apesar de veicularem propostas revolucionárias, não conseguiram superar as categorias convencionais com que a Academia tradicionalmente divide e classifica as artes: pintura, poesia e escultura. Aqueles artistas vanguardistas do princípio do século XX não só continuaram a pintar quadros e esculpindo formas como ainda continuaram aferrados à ideia de estilo que caracterizou os seus respectivos movimentos.
Fugindo aos horrores da guerra, um grupo de poetas e artistas vanguardistas refugiaram-se, entretanto, em Zurique e concluíram então que a racionalidade do pensamento bem assim como o refinamento das artes não serviram para travar o massacre da guerra pelo que, em consequências, vieram a optar por uma arte irracional e provocadora. É assim que surge por volta de 1916 o dadaísmo, um movimento artístico que renega a pintura de cavalete, a poesia discursiva e a estatuária representativa para, em alternativa, proporem umas obras híbridas, nas quais o quotidiano e o fantástico se dão as mãos aos misturarem objectos, palavras, cores, sons, volumes e movimentos numa mesma obra, sem atender a regras. Mas ainda foram mais longe quando qualificaram os seus próprios actos e criações como de antiarte e, coerentemente, alguns deles renunciaram ao conceito de autoria sobre a qual repousava a visão romântica de arte.

Os ready made de Marcel Duchamp, os poemas optofonéticos de Raoul Hausmann, os «merz» de Kurt Schwitters, os collages de Max Ernst, as películas rítmicas de Hans Richter, os relevos biomórficos de Jan Arp , os mecanismos de Francis Picabia, as proclamações políticas de Johannes Baader, as «raiografias» de Man Ray, a música para mobilar de Eric Satie, as denuncias antimilitaristas de George Groszy e as fotomontagens de Hannah Hoch são ainda hoje fontes inesgotáveis de sugestões para a criação.
A enorme variedade de fenómenos artísticos que originaram as vanguardas entre 1905 e 1914, ano em os grupos dadaístas se dissolveram, constituiu o caldo de cultura de praticamente todas as tendências e comportamentos artísticos do século XX. De resto, o enorme potencial criativo que deram mostram ainda é fonte e génese de muitas correntes e atitudes, quando sobre o seu acervo e influência se aplicam os novos meios e tecnologias.
Assim, por exemplo, as propostas dadaístas não influenciaram apenas o surrealismo mas marcaram ainda o dripping de Jackson Pollock, a aleatoriedade sonora de John Cage, os objectos pop de Claes Oldenburg, as apropriações de Jeff Koons, a técnica de amontoamentos de Robert Rauschenberg e de Arman, os happenings do grupo Fluxus e as derivas da Internacional Situacionista, bem como a poesia fonética de Erns Jandel, que constituem algumas das amostras da grande herança artística que o dadaísmo deixou.
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Infelizmente a irreverência subversiva do dadaísmo tem vindo a perder-se senão mesmo a desaparecer. O humor, a paródia, a irracionalidade e o absurdo que tinham sido as armas contra a situação opressiva da época são hoje, desgraçadamente, meros recursos compositivos utilizados, sem qualquer sentido crítico, pelos artistas nas suas obras convertidas em meras banalidades.
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Perante a provocação e a surpresa de que se revestiam as criações dadaístas, muitas das actuais obras contemporâneas não deixam de gerar a quem as vê uma sensação de fastio, de já visto e de indiferença. Os antigos recursos subversivos dos dadaístas converteram-se nas mãos dos artistas do actual mercado em meros elementos decorativos que não param de lhes encher as carteiras