6.7.05

Na sociedade capitalista tudo pode ser dito, excepto o que for importante


Ao que parece, nunca terá existido um sociedade com mais informação, e ao mesmo tempo com menos conhecimento, do que a sociedade capitalista actual. E deveras notável, apesar de todas as comunicações por satélite e das fibras ópticas que podem transmitir milhares de milhões de fragmentos de informação por segundo, que os trabalhadores russos e norte-americanos saiba, hoje em dia menos acerca uns dos outros do que um século atrás.

Todos os regimes da história tiveram de produzir e difundir a informação de que precisavam para sobreviver, numa tensão permanente entre manterem os povos ignorantes e dar-lhes a informação necessária à realização de tarefas. É sempre difícil, no entanto, garantir que uma tal informação não venha a ser utilizada contra si mesma; os gladiadores podem ser levados a matar-se um ao outro na arena, mas muitas vezes acontece que um tal exercício constitui o caminho para a revolta.

A censura foi a arma usada pela burguesia no século XIX; na «sociedade da informação» dos nossos dias, porém, a censura já assumiu outras formas. Inundando-nos com vagas de vagas informações, espera-se assim que os factos reais se desgastem ao baterem nos rochedos da insignificância, e fiquem esquecidos. A informação, tal como acontece com as vias de comunicação (estradas, vias aéreas e marítimas), só se torna disponível quando e onde o comércio precisar dela para realizar lucros, ou onde as pessoas, devido a condições locais, tenham posto em perigo esses lucros. Os canais de informação ( telefone, televisão, bancos de dados) funcionam do mesmo modo.

«A política da informação, escrevia Goebbels nos seus diários, é uma arma de guerra; o seu objectivo é levar a cabo a guerra, e não transmitir notícias». Referia-se isto aos sujos tempos de Belsen e Dachau, quando se tentou censurar algo tão enorme como o holocausto, conseguindo-se de resto até certo ponto e durante algum tempo. Nestes nossos dias mais limpos, se a informação de tal modo se tornou uma arma espectacular, é muito simplesmente porque ela é uma arma do espectáculo.

A «sociedade da informação» proclama pois haver hoje uma maior aceso à informação. Mas esta corriqueira ficção científica de jornalista omite, nisto, o ponto essencial, que é o seguinte: toda essa deformada informação é cuidadosamente produzida, sendo a sua produção cuidadosamente controlada. Uma tal ficção omite, ainda, o facto de a informação real ser hierarquicamente controlada.

Aquilo que é apresentado nos milhares de bancos de dados ( estações de TV, revistas e jornais, bibliotecas, sistemas de transmissões por cabos, sistemas de computarização de dados) é preparado segundo parâmetros cuidadosamente estudados. A informação fornecida através de sistemas públicos ( tanto na qualidade de serviços como na de mercadorias) é definida segundo determinados parâmetros de informação, ao passo que a informação de que precisam as grandes empresas ou os governos funciona em moldes muito diferentes. Os indivíduos que controlam os bancos de dados são a elite real – não tanto à maneira do Grande Irmão de 1984 que nos espia, mas mais à duma Esponja Gigantesca gotejando informação deformada.

A democracia do espectáculo insiste em que há hoje uma quantidade maior de informação disponível; mas a verdadeira natureza do poder hierárquico encerra a informação nos seus parâmetros próprios. O espectáculo da democracia significa que tudo isso é semelhantemente inútil – o resumo dum texto de Goethe, enviado para um computador doméstico por um outro computador, reduz Goethe e o seu tempo a uma banalidade.

O poder de quem decide que informação deve ser dada e qual convém omitir é igual ao poder dos detentores monopolistas de jornais ou de estações de televisão. Apesar de algumas destas coisas poderem ser corrigidas no interior do capitalismo, na medida em que se aperfeiçoar a tecnologia nesse sentido, o que subsiste e importa é a natureza hierárquica da informação.

Quando a informação deformada não é suficiente, invoca-se o sigilo, geralmente com uma justificação militar.

(texto publicado na revista Pravda nº 4 , Verão de 1986, das edições Fenda, e que foi extraído do livro «And Yet It Moves. The realization and suppression of science and technology» de Boy Igor)