A filósofa mais relevante da Antiguidade grega é Hipácia, neoplatónica, e que morreu presumivelmente em 415 d.C. Foi filha do matemático e astrónomo Téon de Alexandria, que foi o seu mestre, e interessou-se tanto pela matemática como pela astronomia, como mostram três das suas obras, entretanto perdidas.
Hipácia instalou-se entretanto em Atenas onde estudou Platão e Aristóteles, exercendo uma grande influência nos meios filosóficos alexandrinos, ao tentar unificar o pensamento matemático de Diofanto com o neoplatonismo de Amónio e Plotino. O seu discípulo, Sinesio de Cirene, diz-nos que tentou aplicar o raciocínio matemático ao conceito neoplatónico do Uno, mónada dos mónadas. Pagã, mas partidária da distinção entre religião e filosofia, adquiriu também grande prestígio nos ambientes políticos de Alexandria, frequentando o prefeito romano Orestes. Tal facto provocou a inveja e o rancor dos círculos cristãos de tal forma que Hipácia foi agredida em plena rua e brutalmente assassinada por um grupo de fanáticos cristãos, dirigido por um religioso chamado de Pedro. Mas atrás esta agressão dizia-se que estava Cirilo, o patriarca de Alexandria, que a considerava responsável pelas perseguições que os cristãos sofriam.
O episódio dramático da sua morte – foi violada e lapidada por um grupo de facínoras – alimentou a imaginação de escritores e poetas como Charles Kingsley (1853), Leconte de Lisle (1852) e Charles de Péguy (1907) que a imortalizaram como a última herdeira do pensamento grego numa sociedade romana já completamente enredada na fé cristã.
Apesar de não nos ter chegado nenhum dos seus escritos, e portanto, a sua doutrina só poder ser reconstruída de modo indirecto e hipotético, numerosas fontes dão-nos conta da singularidade da sua figura: filósofa, cientista, mestra e ponto de referência política para a comunidade grega de Alexandria.
Numa época em que a Igreja cristã, com os seus Padres à frente, assumia já cada vez mais como uma instituição do poder estabelecido, e procedia à marginalização das mulheres nas funções do poder, uma pagã assumia o símbolo da sabedoria e concorria com as autoridades religiosas da sua cidade.
Um conflito que ocultava uma outra dimensão muito mais relevante: Hipácia representava a tradição da sabedoria feminina, uma antiga tradição egípcia e grega
( tradução de um excerto retirado do livro «Las filósofas, las mujeres protagonistas en la história del pensamiento», de Giulio de Martino e Marina Bruzzese, ediciones Cátedra em colaboração com o Instituto de la mujer da Universitat de Valência; Madrid, 1996)
O título original é «Le Filosofe.Le donne protagoniste nella storia del pensiero