30.3.05

Heterodoxias versus dogmas


O melhor das igrejas é não pararem de fazer heterodoxos (Ernst Bloch)

Notícia de mais uma condenação inquisitorial da igreja católica, seguida de uma brevíssima história de alguns heréticos

A Congregação para a Doutrina da Fé condenou mais um teólogo, Juan José Tamayo Acosta, depois de já o ter feito recentemente com outros dois: Hans Kung, e Leonardo Boff.

O recém-condenado agradece a atenção de que foi alvo pela dita Congregação e confessa que nunca lhe passara pela cabeça que as altas instâncias eclesiais dessem tanta importância aos seus estudos e investigações, e acrescenta: " quantos colegas meus não gostariam de ser objecto de apreciação por parte de Roma, mas a verdade é que não conseguem. E eu, que sou um teólogo livre por opção e convicção desde os meus anos de juventude, eu que não pertenço ao clero, nem dependo de nenhum bispo, nem sequer ensino em qualquer santuário da dogmática católica, eu simples teólogo é que me foram escolher para ser estudado e avaliado pelas mais altas instâncias eclesiais do Vaticano"

Com ele contam-se muitos outros teólogos malditos: desde logo, Jesus de Nazaré, judeu, crítico da sua religião (o judaísmo), criador de um cisma que levou à fundação de um novo movimento: o cristianismo.; Arrio (256-336) que para salvar o monoteísmo cristão defendeu sem sucesso que Jesus não podia ser Deus( acabou por ser condenado em 325 no Concílio de Nicea, convocado pelo Imperador Constantino no seu palácio de Verão); Nestorio, patriarca de Constantinopla, que tentou mostrar que Maria não podia ser mãe de Deus mas simplesmente de Jesus, o que lhe valeu imediatamente uma condenação e expulsão da Igreja, tendo morrido exilado no deserto do Egipto; Prisciliano(350-384), bispo de Ávila, levava uma vida ascética de grande rigor o que lhe valeu a acusação de conduta imoral e de magia, tendo tido o privilégio de ter sido o primeiro herético a ser aplicada a pena de morte; foi também considerado subversiva a obra de Joaquin de Fiore, eremita de Calabria, visionário apocalíptico que anunciara a utopia da Era do Espírito.

Não faltaram também mulheres acusadas de heresia como foi o caso de Guillerma de Boehemia (morta em 1281), venerada pelos seus próximos, o que, no entanto, não impediu de ser acusada, condenada, e como, entretanto, falecera, o seu cadáver teve de ser desenterrado para poder ser queimado publicamente. Juan Hus (1369-1415), reitor da Universidade de Praga, pessoa religiosa e de moral intocável, teve a ousadia de criticar com dureza o clero e os bispos ricos a quem questionou a sua piedade superficial, defendendo uma Igreja desligada do poder temporal. Chamado ao Concílio de Constanza com uma promessa de imunidade, foi-lhe esta retirada mal chegou ao local da reunião. Condenado por heresia foi entregue às mãos do Imperador Segismundo que o torturou até à morte por inalação de fumos venenosos.

Lutero (1483-1546) critica a Igreja que vendia a salvação a preço de ouro, tendo lançado o movimento conhecido por Reforma Protestante. Um Papa logo excomungou-o, mas passados quase 5 séculos depois, outro Papa (João Paulo II) pediu-lhe perdão pela condenação.

O cientista Giordano Bruno (1544-1600), preso pela Inquisição foi queimado vivo na fogueira. Galileo Galilei teve de comparecer junto do Tribunal da Santa Inquisição e sua teoria científica foi considerada herética. O Místico Juan de la Cruz (1542-1491) foi perseguido, preso e caluniado. Não obstante, foi canonizado em 1726, tendo sido considerado doutor da Igreja em 1926.

Outros teólogos mais modernistas não tiveram melhor sorte. Um deles, Alfred Loisy (1857-1940) teve esta frase lapidar: "Jesus predicava um Reino, e afinal apareceu-nos a Igreja"

(texto baseado num texto e informação publicada no El País de 11 de janeiro de 2003)