Autor do texto: Jeremy Refkin
Está a dar-se uma grande transformação na natureza do capitalismo. Depois de milhares de anos a converter recursos físicos em bens, os meios para gerar riqueza consistem agora em transformar recursos culturais em experiências pessoais e entretenimento pagos.
O anúncio da fusão entre a América Online (AOL) e a Time Warner sublinha a mudança para uma nova forma de hipercapitalismo que se baseia na transformação do tempo humano numa mercadoria.
A AOL-Time Warner, Disney, Viacom e Sony são apenas empresas de media. São árbitros globais de acesso a um vasto repositório de experiências culturais, que inclui o turismo e as viagens globais, cidades e parques temáticos, centros de entretenimento, bem.-estar, moda, gastronomia, desportos e jogos profissionais, música, cinema, televisão, livros e revistas.
O último passo da caminhada capitalista é a mercantilização da própria cultura humana.
As empresas de media transnacionais com as redes de comunicações que cobrem o globo de uma extremidade a outra estão a explorar até à exaustão os recursos culturais locais em todas as partes do mundo e a empacotá-los como mercadorias culturais e entretenimentos. Os 20 por cento mais ricos da população mundial gastam agora quase tanto dos seus rendimentos no acesso a experiências culturais como na compra de bens e serviços básicos.
Ao controlar os «pipelines» que as pessoas usam para comunicar umas com as outras, bem como o formato de quase todo o conteúdo cultural do que é filmado, transmitido na televisão ou enviado na Internet, as empresas como a AOL-Time Warner, são capazes de afectar as experiências das pessoas em qualquer sítio. Não há precedente na história para a amplitude deste tipo de controle das comunicações humanas.
Os críticos começam a perguntar o que é que vai acontecer à rica diversidade que constitui o ecossistema da existência humana, quando uma mão-cheia de empresas de informação, entretenimento e telecomunicações controlam a maioria do conteúdo cultural que faz as nossas vidas diárias.
As novas forças do capitalismo cultural podem acabar por devorar os nossos recursos culturais remanescentes – da música e dança tradicionais aos festivais locais, à comida e cozinha nativas - empacotando-os como entretenimento culturais de curta duração, divertimentos pagos e espectáculos com bilhete.
Perder o acesso à riqueza da diversidade cultural de milhares de anos de experiência humana pode ser tão devastador para a nossa capacidade de sobrevivência e florescimento humanos como acabar com o que resta da diversidade biológica.
Quando a pr´pria cultura é absorvida pela economia, apenas sobram os laços comerciais para manter a coesão da sociedade. A questão crítica desta nova Idade do Acesso é se a civilização pode continuar a existir quando as nossas relações fora da família são cada vez mais experiências pagas.
Enquanto Wall Street celebra a nova fusão e 20 por cento da população emigra para o ciberespaço, o resto da humanidade ainda está apanhada num mundo de escassez física. Mais de metade da raça humana nunca fez uma chamada telefónica.
O mundo desenvolve-se rapidamente em duas civilizações distintas: aqueles que vivem dentro dos portais electrónicos do ciberespaço e os que vivem no exterior.
As novas redes globais de comunicações digitais, porque são todas omnipresentes e globais, têm o efeito de criar um espaço social novo e totalizante, uma nova esfera terrestre acima da Terra-mãe.
A migração do comércio humano e vida social para o reino do ciberespaço isola uma parte da população humana do resto de uma forma nunca antes imaginável. O grande cisma, na nova era, é entre aqueles cujas vidas estão cada vez mais no ciberespaço e os que nunca terão acesso a este novo reino da existência humana.
Há mais de 20 anos, o sociólogo de Harvard Daniel Bell comentou que, na era que se anunciava, o controle sobre os serviços de comunicações seria uma fonte de poder e o acesso às comunicações seria uma condição para a liberdade. A fusão AOL-Time Warber faz-nos dar um passo mais em direcção a esse mundo.